Fui conferir a esta produção do diretor Josh Boone, o mesmo de “A culpa é das estrelas”, mais por curiosidade mesmo, sem grandes expectativas cinematográficas. Eu, amante de literatura e cinema, achei “A culpa é das estrelas” (baseada no romance homônimo) bem regular, sem muitas inovações, ainda que o roteiro, tocante por si, tenha sido bem executado. Em “Ligados pelo amor”, Boone dessa vez também escreve o roteiro, e imaginei que veria uma sucessão de acontecimentos simples, sem muitas inovações, ainda que tocantes. Ao final da projeção foi exatamente esta a ideia que o filme passou.
Na verdade, a sinopse de um escritor obcecado não diz absolutamente nada do que seja o filme. Trata-se de uma obra de múltiplas histórias, envolvendo o pai escritor e os filhos, também amantes de literatura. Óbvio que, por serem parte do mesmo núcleo familiar, a ligação entre eles é bem mais harmônica e natural, não é uma espécie de “Noite de Ano-novo” ou “Idas e vindas do amor”, onde também acontecem múltiplas histórias, mas executadas com total miscelânea de retalhos que fica difícil amarrar seu fio condutor. O fato de terem a literatura como ofício também contribui para que os diálogos e certas passagens do filme sejam absolutamente poéticas e gostosas de se acompanhar.
Aqui, a premissa é da auto-descoberta, seja ela com o pai que sofrera o choque da separação, ou dos filhos adolescentes descobrindo o amor. Ocorre que, surpreendentemente, a caracterização dos personagens é simplesmente espetacular, talvez mais do que as emaranhadas tramas que estes personagens agradáveis vivenciam em tela.
Por exemplo, mesmo maduro e bem sucedido, Bill (Greg Kinnear) faz o pai depressivo, que espera pela volta da esposa todos os dias, e é tocante como uma simples mesa posta no Dia de Ação de graças, mesmo que não seja ocupada, revele toda a sua decadência moral e sentimental. Ele também se aproveita de momentos furtivos, sexos casuais com uma vizinha, pasmem, casada. E mesmo que a questão da fidelidade tenha sido o pivô da sua separação, o roteiro inteligentemente não toma isso pra si, e sim põe em evidência o desgaste natural do casal, mesmo porque seus encontros casuais com a vizinha em nenhum momento são atravessados por dilemas morais. Ao contrário, a vizinha lhe dá conselhos para seguir adiante, para esquecer a esposa, para se reestabelecer, como se dissesse também que estava ali por diversão: “Depois de 5 meses, não quero mais ver você me esperando”, diz. E não julgamentos.
A filha Samantha (Lilly Collyns) é, de longe, a personagem mais interessante. Escritora tão talentosa quanto o pai, ela não acredita no ideal do amor romântico. É dela as falas mais inspiradas sobre a confrontação entre um estilo de vida mais casual ou o apegar-se tradicionalmente a um relacionamento. Além disso, o fato de ser uma garota a viver uma vida de certa libertinagem, não envolvimento, dá um toque de pós-modernidade feminista, caindo bem ao filme. Já o irmão dela, Rusty (Nat Wolff), faz o rapaz sonhador e romântico, neste sentido o contrário da irmã. Porém, mais uma vez somos surpreendidos por detalhes que, ainda bem, passam ao largo do tom moralista: ele faz um rapaz tipicamente com problemas de auto-estima e viciado em maconha, capaz de excessos de explosões e ira, e mesmo sendo bonito e usuário de drogas, usadas como barganha para ter acesso a festas, ainda assim está longe de se enquadrar em qualquer um dos comuns grupos de amigos que se formam no colegial.
Há outros personagens interessantes como o doce Louis (Logan Lerman, o Percy Jackson ou o Charlie de “As vantagens de ser invisível”), excelente como ele consegue dar sobriedade ao que seria um personagem tipicamente clean e chato, diga-se, e há também a ótima Jennifer Connelly no papel da ex-esposa de Bill, a qual, com seu ar perdido, deixa o espectador na dúvida se a sua escolha pela separação fora a melhor. Ora, e pra que certezas, não é? Aliás, o trabalho com os atores soou fantástico, e realmente a caracterização dos personagens fala pelo filme, sendo o suficiente para manter o interesse até o final da projeção.
É uma pena que a história não acrescente nada muito interessante, que os desfechos sejam, no fundo, decepcionantes. No entanto, Boone caminha corretamente, construindo personagens muito bem e com senso de ambientação. Para quem gosta dessa pegada indie intimista e moderna, é um prato cheio. Sinto que, se assim continuar, seus próximos trabalhos podem render frutos ainda mais interessantes em termos de cinema. Ah, e não poderia deixar de comentar: Stephen King, o escritor, marca presença, em voz, nesta película!
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