A poesia rústica de Sergio Leone. É impossível descrever o nível de perfeição alcançado por Leone em Era Uma Vez No Oeste (C’era Una Volta Il West, 1968), uma obra genial, aclamada como um dos melhores filmes da história do cinema. Mas para Leone era pouco, o diretor italiano sonhava com outro conto de “Era Uma Vez...”, a realização do épico de máfia Era Uma Vez Na América (Once Upon a Time in America, 1984). Era Uma Vez No Oeste não estava nos planos, Leone já havia dito que Três Homens em Conflito (Il Buono, Il Brutto, Il Cattivo, 1966) seria seu último western, todas as suas ideias para o gênero tinham se esgotadas. Entretanto a produtora Paramount, que financiaria o filme dos sonhos de Leone, tinha certa desconfiança em relação a capacidade do diretor para dirigir um filme tão ambicioso, e, portanto, propôs a realização de mais um western. Eis que surge Era Uma Vez No Oeste.
Meio que às pressas Leone reúne sua equipe de roteiristas. Parecia um desafio inviável cumprir com a meta proposta pelos produtores. Leone, Bertolucci, Argento, Donati e Mickey Knox deixavam fluir ideias. A teoria de que Leone realizaria este western apenas para agradar os produtores estava descartado, estar em constante busca pela perfeição foi o que fez de Leone um colecionador de tantas obras-primas, e apenas satisfazer o desejo da Paramount era pensar pequeno demais. Com mais dinheiro investido em relação aos anteriores e liberdade para desempenhar o seu trabalho, aos poucos Leone tomava noção da grandeza de seu novo filme.
Mais uma vez Leone brinca com o destino de seus personagens. Os quatros protagonistas são pretensiosos e, apesar de não terem objetivos em comum, tem seus destinos entrelaçados. O anti-herói vingativo, interpretado por Charles Bronson, é aqui eternizado pela sua mística, tendo contas a acertar com Frank (Henry Fonda), assassino frio contratado por um magnata dono de uma ferrovia. O “progresso” chega à pequena “Água Doce”, e a família McBain é executada por uma disputa de terras, onde em breve será uma ferrovia. Cheyenne (Jason Robards) entra na história ao ser injustamente acusado pela chacina. O oeste onde não há inocentes, não há certo ou errado, onde a sorte e o destino prevalecem, onde a justiça quem faz é cada um.
Inicialmente a ideia de Leone seria colocar Clint Eastwood no papel de “Harmônica”. Após o deslumbrante sucesso da parceria na trilogia dos dólares, logicamente ele seria o primeiro cotado para o personagem. Infelizmente, a dupla nunca mais se repetiu. No caso, a indisponibilidade de Eastwood, envolvido com outras filmagens, impossibilitou sua presença no filme de Leone. Mas Charles Bronson entrega um dos anti-heróis mais enigmáticos da história do cinema, talvez até mais emblemático do que o “homem sem nome” da trilogia dos dólares. Com um personagem de poucas expressões, Bronson confere sua melhor interpretação, especialmente ao que diz respeito uma forte presença de cena. Provavelmente seria muito mais interessante ver Eastwood no personagem, mas Bronson não fica aquém, Leone sempre soube escolher muito bem com quem trabalhar e, melhor ainda, soube explorar o potencial de cada um de seus atores.
Não é de se admirar que Leone tenha sido o único diretor que pôs Henry Fonda como o vilão de um filme. De início Fonda recusou a proposta, o que fez com que Leone viajasse até os EUA para convidá-lo pessoalmente. Leone, sendo um diretor de visão cinematográfica ampla, tinha noção do impacto que um ator consagrado, de olhos azuis e que até então nunca havia interpretado um vilão, iria causar. Não só pelo fato de ser o vilão, mas o modo como Leone revela isso. O prolongamento do espetáculo barroco na cena do massacre da família McBain, em um estilo ímpar de filmagem criou uma das cenas antológicas do filme, tudo isso em torno da apresentação do vilão Frank. Anos depois, Fonda foi procurado por James Coburn, ator cotado para atuar em Quando Explode a Vingança (Giù La Testa, 1971) , questionando sobre como era trabalhar com Leone, Fonda simplesmente o respondeu: “Leone foi o melhor com quem já trabalhei”. Basta olharmos a filmografia de Henry Fonda para perceber a relevância dessa afirmação.
Jason Robards interpreta Cheyenne, um vilão injustiçado, talvez o personagem mais carismático do filme, apesar de sua aparência grosseira e ríspida. Não há, no entanto, grandes aspirações como os demais personagens, sua principal pretensão é provar sua inocência na chacina da família McBain. Um vilão com estima para ser herói, o herói da viúva McBain. Claudia Cardinale protagoniza o filme interpretando uma ex- prostituta destemida que tentou buscar uma vida nova em “Água Doce”. Não é comum em westerns uma mulher ser a protagonista, são raros os filmes de gênero que abrem mão de ter um anti-herói ou um mocinho como eixo central da narrativa. Johnny Guitar (idem, 1954) trouxe às telas uma mulher como personagem principal e alcançou status de clássico. Poucos exemplos fazem desses uma oportunidade única de perceber o potencial feminino em um western, não sendo apenas “produto sexual”. Jill McBain é o maior exemplo disso, uma mulher que passa de produto sexual para uma mulher ambiciosa.
Ennio Morricone e Sergio Leone são considerados por muitos cinéfilos como a maior dupla da história do cinema. Presente em toda a obra de Leone, Morricone foi essencial no estilo de filmagem e construção do clímax de grandes cenas. A harmonia “cena-trilha sonora” poucas vezes atingiu um nível tão extraordinário quanto em Era Uma Vez No Oeste. Leone acreditava que muitas vezes a trilha sonora poderia funcionar melhor do que um diálogo, o que de fato ocorria em seus filmes, a sua técnica seria inútil sem o auxílio de uma competente composição. O resultado é o imponente domínio técnico de Leone enaltecido pelo perfeccionismo das melodias de Morricone. O duelo final é o maior exemplo desse perfeccionismo que faz junção primordial da composição com a cena, também sendo um dos melhores exemplos dos moldes técnicos de Leone. Com aproximadamente oito minutos de duração, o duelo final é uma aula de filmagens, a dilatação do tempo é uma capacidade que poucos diretores alcançaram, nenhum ao nível de Leone.
A câmera extremamente cuidadosa de Leone tornou-se uma de suas principais características. Manipular o tempo, prolongar a cena, construir cautelosamente o clímax, alguns aspectos que marcaram o estilo do diretor, que atinge seu ápice em Era Uma Vez No Oeste. O que nos resta é assistir de joelhos e aplaudir de pé o que talvez seja a obra-prima máxima do Western. Uma ode ao gênero. Puro deleite.
Corrida sem Fim eu preciso rever já que na primeira vez que vi não sabia nada de cinema.
a única coisa ruim do Hellman que vi foi um terror, A Besta da Caverna Mal Assombrada, la da época que Roger Corman tava iniciando ele e mais uma galera
Crítica sensacional, a melhor das suas que já li, rapaz.
O filme merece uma análise detalhada assim, que chama a atenção para suas características singulares e justifica a apreço do público por ele.
Parabéns! 😁
Obrigado Patrick! 😁