E quem disse que precisa ter um roteiro genial?
Se você acha que os filmes de Dario Argento não possuem boas histórias ou que o roteiro de Suspíria não faz muito sentido, espere até ver esta Obra-Prima de um diretor sendento pela liberade de expressar sua insaninade repulsiva em um dos maiores cults do horror Gore. E quando falo de roteiro, spot ou script, que seja, aqui em Terror nas Trevas, me refiro à carência de preocupação em desenvolver a própria história, quase inexistente, devido ao fato de que Lucio Fulci está mais interessado em dar ao espectador a lembrança do seu próprio estilo, do seu próprio cinema. O que consequentemente, não é pra todos.
Fulci inicia o filme, sem apresentações, com um prólogo sufocante, macabro e grotesco, numa linda fotografia caprichada com o tom sépia, trazendo para os desavisados a atmosfera que seria constante no decorrer do filme. Trata-se da morte de um bruxo pelas mãos de homens aparentemente ameçados pelas forças sobrenaturais que o cercam. Mas não teve jeito. Aquela caverna era uma das sete portas para o inferno que será aberta 50 anos depois pela herdeira do local que o reformará para a construção de um hotel. A história gera calafrios, principalmente em função dos personagens esquesitos e calados, Martha e Arthur. Mas que é basicamente uma desculpa para Fulci encadear uma série de imagens fantásticas e frequentemente sangrenta.
Ele tentou chocar as pessoas, assustá-las, embrulhar os estômagos, mas nunca subestimou o público, dando o seu melhor para a criação de desconforto, além de proporcionar uma atmosfera grandiosamente macabra que todo filme de terror exige. Mas definitivamente, Fulci, Gore, Terror nas Trevas não é pra todos. E este deleitoso cult é o teste mais preciso para se saber isso. Jogar toneladas de gore em seus filmes não para fazer o enredo avançar mas por pura questão de mostrar sangue são as principais queixas sobre Fulci. E quem constuma se deliciar com as fórmulas que Hollywood ensinou, com história fechadinha, com finais onde tudo se resolve, os vultos e mortes repentinas, ou se encantará com o novo padrão estabelecido por Fulci ou simplesmente tomará repulsa. Ele passa dos limites de senso visual e desafia o espectador a continuar olhando para aquela carnificina que está acontecendo bem a sua frente. A criatividade sempre foi colírio para os meus olhos e ver o que esse diretor era capaz de fazer com um corpo esticado no chão me fez esquecer toda a bendita história dos portais para o inferno e as profecias do livro Eibon e fez me concentrar apenas na dupla de protagonistas e nas tripas e cabeças que eram dissolvidas durante sua desesperada busca por esclarecimento.
E neste ponto vem o bendito roteiro. Quando o mistério vai ficando mais claro para o espectador, e nossa perspectiva nos diz que a narrativa está encontrando as luzes para um desfecho aprazível, tudo parece desandar, não sabemos quem é humano e quem é fantasma, ou quem é defunto e quem é zumbi, a dupla que trabalha no hotel simplesmente desaparecem da trama mas num ápice de desespero da personagem eles aparece novamente para assustá-la ainda mais e se torna mero o objeto de carnificina. Os erros são muitos. As tomadas tem inúmeros erros de continuidade, como por exemplo, em uma cena onde a dupla foge da sala de autópsia, pegam um elevador, ao sair, se deparam com zumbis e para se refugiarem entram numa sala próxima, e adivinham…é a bendita sala de autópsia novamente. E se o portal para o inferno é no hotel, por que diabos o hospital se torna palco para o massacre de inúmeros zumbis e para a passagem para o submundo?
Fulci não fornece elucidações e muito menos lógica e razão para a maior parte de sua visão. Mas quem disse que precisa? Ser incoerente deu o teor ficcional e fantasioso essencial para uma obra que preza pelo inimaginável, pelo grotesco, pelo bizarro. Fulci arranca tripas, rasga pescoços (numa clara referência a Suspíria), fura e arranca olhos, explode cabeças, e na cena mais sensacional de todas, solta tarântulas para devorar o banquete estirado ao chão. Dono um dom iniguálável para criar tensão, desconforto a ponto de fazer virar o rosto, Lucio Fulci mistura eficientemente a atmosfera macabra de um horror sobrenatural e de um horror grotesco e nojento que acompanha a arrepiante trilha sonora de Fabio Frizzi. Fulci nesse aspecto foi um autor a frente de seu tempo. Ousadamente ele filma sem medo de ser queixado, proporcionando imagens de alto teor sanguinário. É de nos deixar fascinado a liberdade com que Fulci trabalha seu estilo, sem medo algum de parecer insano ou trash demais, num filme onde a criatividade não tem limites. Porque cinema, meu caro, é isso. E é gracioso vê-lo sendo usado sem restrições para coisas impensáveis assim como para as mais bizarras já vistas por olho humano. Deste modo, Fulci já alcançou milhares de fãs pelo mundo e eu sou o mais novo deles! Apaixonei.
http://cineindiscreto.wordpress.com/2012/04/13/terror-nas-trevas-lucio-fulci-19821/
Concordo plenamente, ótimo comentário!! Esse filme é 'whaterfuckermente" foda!!
Eu por exemplo prefiro o estilo do Dario Argento, embora goste também do Fulci (meu favorito dos que assisti dele continua sendo O Segredo do Bosque dos Sonhos).
Também prefiro o Argento. Argento é o rei do terror italiano! Mas Fulci também tem seus méritos e merece reconhecimento pela sua ousadia e coragem de fazer cinema por convicção e amor.