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Um bate-papo com Darren Aronofsky, o pai de Mãe!


O saguão do cinema está em polvorosa. Fotógrafos esperam o cidadão ilustre, vindo de longe e cheio de predicados. Atual namorado de sua estrela, seria bom para todos se eles viessem juntos - mas o criador está só. Converso com amigos, reencontro pessoas queridas, ainda na expectativa de encontrar aquele tal cara, que me foi apresentado 17 anos antes e perpassou diversas passagens. De vencedor do Leão de Ouro em Veneza a indicado ao Oscar, passaram apenas dois anos... e depois disso, a queda. Qual será o próximo passo do criador? Bom, talvez seja aplacar a sanha de fotógrafos ávidos. Ele chega. E o barulho característico dos flashes miram na direção de Darren Aronofsky, o homem que durante um ano guardou o segredo mãe!, que agora em setembro ganhou o mundo.

Após menos de 5 minutos de poses simpáticas, vem a tal frase 'that's enough', que indica que devemos sair dali e nos posicionarmos para o início da coletiva de imprensa de um dos mais polêmicos e polarizantes filmes do ano. Aronofsky está relaxado, a vontade, e seu interlocutor faz uma boa ponte entre ele e a massa de críticos e jornalistas que querem mais dele, e mais do filme-enigma (ou quase enigma) que desde o início do mês vem dividindo as conversas, o público e a imprensa. Perguntado por essa divisão que vem ocorrendo a respeito do seu filme, Aronofsky é sensato e diz que isso não é algo que ele possa dominar, mas que seus trabalhos são honestos com a história que ele quer contar e que ele as conta exatamente como concebeu.

Um jornalista enxergou um viés feminista na história da jovem esposa de um escritor cuja casa é invadida gradativamente por estranhos, e perguntou justamente se Jennifer Lawrence tinha contribuído com algo no roteiro já que ela defende causas ligadas ao tema, no que ele respondeu que a inspiração que sofreu dela já representa muito dessa contribuição, e que o filme pode sim ser visto com essa característica assim como tantas outras, já que ele construiu propositadamente uma narrativa que privilegia várias interpretações. Quanto ao próprio roteiro Aronofsky disse ser muito rápido em suas feituras, o próprio mãe! não lhe levou mais de 10 dias, e que a rapidez nesse processo é uma marca sua, que ele vai aprimorando durante os ensaios e filmagens.

Chega então o momento de uma ótima pergunta. Um jornalista analisa que seus personagens sempre estão em busca de alguma esperança ou redenção e que acabam conseguindo-a, mesmo no caos, e pergunta se ele acha que a humanidade tenha salvação, ou se apenas a destruição total "dará um jeito na bagunça". Ele concorda com a afirmação, se diz um otimista e por isso faz filmes, pra tentar colocar sua visão positiva de mundo como mensagem final, embora entenda que nem sempre seja isso que as pessoas levem dos seus filmes. Ele ri da pergunta, e diz que nem sempre leva esse radicalismo em conta, mas que entende que as pessoas vejam a aniquilação como solução, já que vivemos tempos onde nem tudo faz muito sentido, nem o entendimento tem sido o forte da sociedade em geral.

O elenco também foi alvo de perguntas na coletiva. Ele foi indagado sobre a escalação específica de Michelle Pfeiffer e de como chegou ao nome dela, bem como o trabalho com todos. Ele voltou então a ressaltar o importante dos ensaios num filme onde especificamente tenha apenas um cenário-base (ainda que muito grande e, digamos, da sua funcionalidade durante a trama), e disse sempre ter sido um sonho trabalhar com Michelle, que não foi difícil chegar ao nome dela para essa personagem tão singular da história; ela vê o jogo cênico entre ela e Jennifer algo comparável a uma caçada entre gato e rato, e Michelle tem a malícia necessária dos felinos. Através dessa pergunta, Aronofsky também assume o caráter de parábola bíblica de seu longa, que uma visão religiosa clara é colocada em pauta, ainda que o filme funcione como tantas outras colocações e leituras que possam ser feitas, e ele mesmo já leu diversas coisas diferentes não apenas sobre essa, como de outras obras suas.

Uma das perguntas mais interessantes foi a respeito da divulgação do filme. O jornalista quis saber porque um filme que não é necessariamente de gênero (nas palavras dele, que inclusive nada tem a ver com isso) foi vendido como tal em trailers e material gráfico como posteres e stills, sendo que essa impressão se dispersa logo. De acordo com Aronofsky, o filme pode sim ter elementos de gênero e que isso não o diminui ou aumenta, apenas diferencia, e se encaixa no interesse e na proposta dele em não fazer um filme sob a égide de regras claras de formatação de gênero. Ele diz também que um filme estrelado por Jennifer Lawrence, Javier Bardem, Michelle Pfeiffer e Ed Harris precisa ser não apenas um produto vendável como de fato ser visto, porque o gabarito desses profissionais pede isso. Ele coloca também que tem orgulho de dizer que o poster original de mãe! é aquele onde Jennifer arranca e oferece o seu coração, que para ele ali reside a mensagem e a leitura mais aproximada do lugar onde seu filme se encaixa, se isso for mesmo necessário.

Pra encerrar, o diretor assume que uma das muitas visões que o filme abraça possa sim ser um estudo político sobre o estado das coisas hoje. Aronofsky diz que o roteiro foi escrito em 2015, e que ele acha sintomático que o filme esteja chegando ao mundo no primeiro ano de mandato de Donald Trump. No olhar dele, se tivesse tido qualquer vislumbre dessa realidade atual quando rodou, seu filme teria sido muito mais visceral e raivoso. O homem por trás de mãe!, completamente acessível e bem disposto, se despede da coletiva e sai. Não foi demorado, foi até bem rápido para quem estava diante de um símbolo dúbio, meio indústria e meio autoral. Darren se vai, e deixa seu projeto nas nossas mãos com mais camadas do que quando chegou. 

Comentários (1)

Lucas Moreira | quinta-feira, 21 de Setembro de 2017 - 17:19

Um dos meus diretores preferidos. 😉

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