Saltar para o conteúdo

Artigos

Desventuras no Festival do Rio - 4ª Parte

Sexta-feira à noite. Cheguei novamente ao Rio de Janeiro para cobrir a segunda parte do Festival.  Maior correria para desembarcar, deixar as coisas no apartamento e ir para o cinema assistir ao pornô cult Garganta Profunda, aquele mesmo que fez maior estardalhaço no início da década de 70. A decepção? A sessão de meia-noite estava esgotada. A solução foi pegar a programação e tentar achar outro filme no mesmo horário em um cinema em Botafogo, onde eu estava, ou próximo. Acabou que o único disponível foi Testosterona, da Mostra Gay – que também esgotou logo em seguida.

Testosterona é um filme que começa interessante, até. Co-produção entre a Argentina e os Estados Unidos, apresenta o artista gráfico Dean (David Sutcliffe, de Sob o Sol de Toscana), um americano que encontra o amor no argentino Pablo Alesandro (Antonio Sabato Jr., que até nu frontal faz!), até o dia em que este vai embora sem deixar pistas.  Sofrendo muito, Dean então parte para a Argentina em busca do amado e, lá, se envolverá com a misteriosa Sofia (Celina Font) e terá de encarar a mãe do ex-namorado (interpretada por ninguém mais, ninguém menos que Sônia Braga). Cheio de reviravoltas inconvincentes, o filme é chato e bobo. Os atores estão bem (quem rouba a cena é Jennifer Coolidge, como a melhor amiga de Dean), mas o filme é ruim demais. O pior dos que assiti em todo o festival.

Chega sábado. O primeiro filme programado para o dia era O Método, nova produção do argentino Marcelo Piñeyro, o mesmo de Kamtchatka e Plata Quemada, que fizeram muito sucesso no circuito independente brasileiro. O filme, da mostra Foco Espanha, se mostrou uma delícia. Em uma sala são reunidos oito candidatos distintos que buscam um emprego. Nesta sala, passarão por testes em conjunto até que fique apenas um, aquele que será o contratado. Com humor afiado, atores competentíssimos (Eduardo Noriega, Natalia Verbeke, Pablo Echarri, entre outros) e direção perfeita de Piñeyro, o filme arrancou risadas do público. E, como de praxe, Piñeyro não deixou de dar suas alfinetadas costumeiras ao sistema. Ótimo filme.

Como decidi não ficar igual a um louco como na semana anterior, correndo de sessão para sessão, resolvi parar, almoçar e esperar com calma o próximo filme. Descobri que no cinema Palácio, na Cinelândia, estaria passando Garganta Profunda, da mostra Midnight Movies, o filme que eu tinha perdido no dia anterior. Como esta sala é enorme, eu sabia que a probabilidade da sessão estar esgotada era muito pequena. Mero engano... uma fila quilométrica, mas mesmo assim consegui entrar e assistir. Mas não é nada demais, é apenas um filme pornográfico engraçado e bastante rudimentar, que construiu sua fama graças às tentativas do governo americano de proibi-lo. Mas ver Garganta Profunda no cinema é para se falar com orgulho, em alto e bom som! Curiosamente, passou um curta obscuro sobre o filme que  não estava programado e que despertou a fúria de parte da platéia que tinha os horários rigidamente controlados.

Próxima parada, Flamengo. O filme era um dos mais aguardados de todo o festival, Oliver Twist, da mostra Panorama, novo do Roman Polanski. Adaptado do clássico romance de Charles Dickens, é outro decepcionante. Muitíssimo bem produzido, com fotografia excepcional, direção de arte e figurinos irrepreensíveis e trilha sonora da sempre ótima Rachel Portman, o filme se perde em um roteiro burocrático, arrastado e com situações forçadas. Pior ainda é a atuação do jovem Barney Clark, que é bonitinho, mas que não tem força alguma para segurar um filme desse porte. Quem também decepciona é Ben Kingsley, muito caricato na pele do asqueroso ladrão Fagin. Polanski faz o que pode para salvar o filme, mas não consegue. Todo mundo que estava na sessão reclamou, mas o filme vem colhendo boas e inexplicáveis críticas nos Estados Unidos. É esperar para ver seu desempenho ao entrar em circuito.

Em seguida, um dos meus diretores favoritos, Ken Loach, no mesmo cinema. Apenas Um Beijo, também da mostra Panorama,  é um daqueles raros romances com toques dramáticos que dá certo, mesmo com alguns problemas. O maior deles é uma cena já perto do final do filme, que mais parece retirada de um novelão mexicano. Mas não atrapalha o desempenho deste lindo filme, que aborda o envolvimento  entre uma professora irlandesa católica (Eva Birthistle, até então desconhecida por mim, mas cheia de fibra e talento, que também está em Café da Manhã em Plutão, novo filme de Neil Jordan, que falarei na próxima parte deste diário) e um imigrante paquistanês (o também talentoso Atta Yakub). Loach é outro cineasta preocupado com questões sociais, políticas e religiosas – inclusive há uma forte crítica à Igreja Católica. Para completar, o filme tem a cena mais linda que presenciei no festival. É outro filme que recomendo fortemente.

Para fechar o dia, o primeiro documentário do final de semana. Entrando na Garganta Profunda, outro da mostra Midnight Movies, sobre a produção do lendário filme que já comentei aqui hoje. Duas curiosidades: o documentário tem duração maior que o clássico pornô e também é muito melhor cinema! Dirigido em parceria entre Randy Barbato e Fenton Bailey, a mesma dupla que dirigiu Party Monster, mostra depoimentos de gente como Larry Flynt, os cineastas John Waters e Wes Craven, além de vários outros envolvidos na produção setentista. Narrado por Dennis Hopper, mostra o porquê do filme ser tão famoso até hoje: filmado em apenas 6 dias, com o custo pífio de 25 mil dólares, proibido em 23 estados americanos, com faturamento de mais de 600 milhões de dólares (o filme mais lucrativo da história do cinema!), é muito mais um evento que qualquer outra coisa. Um filme fundamental para qualquer cinéfilo que se preze.

O dia se encerrou e esta parte do diário também. Na próxima, os novos filmes de Neil Jordan e Michael Haneke. Aguardem!

» Leia a parte 1 do diário
» Leia a parte 2 do diário
» Leia a parte 3 do diário

Comentários (0)

Faça login para comentar.