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Desventuras no Festival do Rio - Final

Hoje acordei bem cedo. E bem disposto! Nada como a ansiedade... ah a ansiedade! Poucas horas adiante estaria eu bem próximo de um dos meus atores prediletos, Ralph Fiennes. E o melhor: estaria entrevistando-o! Combinando isso a minha estréia em uma coletiva de imprensa – e internacional – meu estado de euforia era visível.

Chego ao hotel Meridien, em Copacabana, por volta das 10 e meia da manhã e vou direto para o hospitality da UIP para as entrevistas de divulgação de O Jardineiro Fiel. Somos recepcionados pela assessora de imprensa da empresa, uma simpatia, e recebemos o kit do filme, bastante caprichado: um press book bem informativo e bem feito, a agenda de entrevistas e uma cópia do livro do John Le Carré em nova edição, por ocasião do lançamento do filme, antes mesmo de chegar às livrarias. Desço para o andar onde se realizará a entrevista coletiva, onde fiquei meio deslocado – coisa de principiante. Os jornalistas começam a completar o salão e logo percebo que a imprensa latino-americana está presente em peso. Encontro-me novamente com a simpática moça com sotaque nordestino do dia anterior, mas novamente esqueço de perguntar-lhe o nome! Dei mole novamente...

Entram então na sala o Fernando Meirelles, o Ralph Fiennes e a mediadora da entrevista. Meirelles demonstra bom humor e boa receptividade às perguntas, enquanto Fiennes demonstra certa timidez. As perguntas vão se sucedendo e nada de muito relevante vai sendo falado. Já próximo do fim, resolvo levantar a mão e fazer minha interferência. Recebo o microfone e... nada! Não estava funcionando. Recebo outro microfone e... nada também! Me devolvem o primeiro, agora funcionando, mas já era tarde: o nervosismo já tinha tomado conta. Foi o bastante para uma pequena gaguejada. Acontece...

Perguntei para o Meirelles sobre como tinha sido o processo de pós-produção do filme e se ele tinha definido o corte final do filme. Poucos minutos depois, a entrevista se encerrou – com um gosto um pouco amargo, já que grande parte das perguntas foram bastante primárias. Uma pena. Fomos então convidados a ir a um outro andar para a sessão de fotos com os entrevistados. Os fotógrafos se acotovelaram para pegar o melhor lugar, enquanto eu, bem ao lado e longe da confusão, tirei umas fotos laterais com a minha câmera digital. Só para recordação. Encerrava ali minha estréia em um evento do tipo.

O evento acabou tarde demais e acabei perdendo a minha primeira sessão marcada para o dia, Kim Novak Nunca Nadou Aqui, outro filme que quem viu gostou muito. Fiquei chateado, já que acho que esse filme tem poucas chances de entrar em circuito.

Vou então para a Cinelândia conferir o comentado Transamérica, da mostra gay. Não sabia nada do filme antes de começar a sessão, e após o seu término eu tinha apenas uma coisa na cabeça: o desempenho fenomenal de Felicity Huffman, como a protagonista transexual que se descobre pai de um adolescente rebelde e sem rumo. O filme é apenas um road movie razoável, mas a mulher arrebenta! Eu não conhecia o trabalho dela, nunca vi um episódio sequer da série Desperate Housewives. Na verdade, eu nem sabia que ela era a protagonista. Aliás, eu não sabia nem se era um homem ou uma mulher interpretando o personagem principal. E minha aposta era que era um homem ali na tela – ledo engano. Um desempenho magnífico, emocionante, digno e merecedor de um Oscar. Eu destaco ainda a presença do crescido e carismático Kevin Zegers (quem viu a cinessérie Bud – O Cão Amigo sabe de quem estou falando) e de Fionnula Flanagan, a velhinha de Os Outros e Divinos Segredos, mais uma vez em ótimo desempenho.

Continuo no mesmo cinema para assistir a mais um filme da mostra gay (aliás, a quantidade de filmes gays e documentários que vi na mostra não está no gibi). Chama-se Codinome Gaulês, dirigido pelo estreante Craig Lucas. O filme fez um borburinho considerável no último festival de Sundance, mas é uma grande decepção. Desperdiça um ótimo elenco (Campbell Scott e dois dos melhores atores da safra atual, Patrícia Clarkson e Peter Sarsgaard) numa trama cheia de reviravoltas forçadas e final patético. Ninguém gostou.

Vou então para o Flamengo assistir a Estrela Solitária, novo filme de Wim Wenders que passou no último Festival de Cannes. Conta a história de um ator de westerns decadente (Sam Shepard), que foge no meio das filmagens de seu último filme para reencontrar o rumo de sua vida. Visita a sua velha cidade, e se reencontra com a sua mãe anos depois de grande ausência (Eva Marie Saint, em notável atuação). Ele acaba se envolvendo com uma velha paixão (Jessica Lange) e descobrindo novos motivos para viver. O filme, um reencontro de Wenders com Paris, Texas, é agradável de ver, mas longe dos melhores trabalhos do diretor. O bom elenco de coadjuvantes inclui Tim Roth, Gabriel Mann, a sumida Fairuza Balk e a sempre doce Sarah Polley. Mas o que gostei mesmo foi do clima para cima do final do filme.

O filme acaba e grande parte da platéia se levanta e começa a correr – literalmente! - para pegar Senhor Vingança, a primeira parte da trilogia do coreano Park Chan-Wook exatamente sobre vingança (que é seguido por Old Boy, que passou em nossos cinemas, e Lady Vingança, que também estava passando no Festival).

Novamente a organização do Festival pisou feio na bola. Primeiro, por atrasarem consideravelmente o início de Estrela Solitária. Segundo, por venderem ingressos a mais do que a lotação da sala. Eu, assim como várias pessoas, chegamos à sessão com uns minutos de atraso, e tivemos que assistir ao filme sentados no chão. Um absurdo, já que meu ingresso estava comprado há dias. O jeito foi acompanhar o filme ali mesmo, até que com uns trinta minutos de projeção o sono me abateu. Não quis nem lutar contra meus olhos, e resolvi ir lá para trás do cinema e deitei por ali mesmo. Desisti do meu último filme do festival desse ano. Uma pena, mas não tinha mais o que fazer: já tinha perdido os dez minutos iniciais do filme mesmo! Nota zero para a organização. E um final lamentável de Festival para mim.

Mas o saldo final foi bastante positivo: 33 filmes de longa-metragem, 6 curtas e vários músculos da perna desenvolvidos em apenas 7 dias e 9 noites de festival. Ótimos filmes (destaque absoluto para Crash – No Limite), algumas decepções (Last Days, a maior delas), a descoberta de uma grande atriz (Felicity Huffman, citada aqui hoje) e a tristeza de ter visto poucos filmes nacionais e ter deixado alguns internacionais para trás (Brokeback Mountain só passaria no dia seguinte ao da minha partida; outros não se encaixaram na minha programação, como Flores Partidas, e outros eu não consegui entradas, como Manderlay). Mas festival é assim mesmo. Até ano que vem!

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