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Direto do Festival do Rio - Parte 2

Continua o Festival do Rio. Na matéria anterior, comentei sobre três filmes americanos cuja exibição no festival pode ter sido a única no Brasil; agora, trago um apanhado de filmes de diversos países que tiveram destaque em festivais pelo mundo.

Começando logo pelo menos convencional, o dinamarquês Irmão Padre, Irmã Puta (Princess, de Andres Morgenthaler 2006). É um filme de animação para adultos, com alguns interstícios em ação ao vivo. Causou um certo furor no Festival de Toronto onde foi exibido numa sessão à meia-noite exatamente como aqui, compreensível, já que não é sempre que vemos um desenho animado que trata de abuso de menores e pornografia.

Conta a história de August, um padre que retorna de uma viagem para reclamar a custódia da sobrinha após o falecimento de sua irmã. Aos poucos vamos conhecendo que ela, uma atriz pornô, morreu em circunstância de uma vida de excessos e sua filha exibe marcas de abuso e óbvios transtornos psicológicos. Isso desperta em August seus sentimentos reprimidos fazendo-o começar a agir como um psicótico e assim lançando-se em uma violenta vingança. As cenas fortes ganham um ar surrealista em animação, mas o significado delas continua claro.

Definitivamente, não recomendado a espectadores que só desejam uma diversão leve, mas sem dúvida uma obra difícil de esquecer. Quem estiver interessado em conhecer mais pode conferir o site oficial do filme aqui. É um trabalho no mínimo inusitado e provocativo, que possivelmente só seria realizado em animação.

Escolha do México para a disputa do Oscar, O Labirinto do Fauno (El Laberinto Del Fauno ou Pan's Labyrinth nos EUA, 2006) é certamente o trabalho mais esmerado da carreira do diretor Guillermo Del Toro, de volta ao cinema latino depois de realizar nos EUA os filmes de heróis Blade 2 e Hellboy. Exibido fora de competição em Cannes, foi bastante aplaudido e vem recebendo elogios tanto de crítica quanto de público.

Trazendo mais em comum com seu filme espanhol A Espinha do Diabo do que com sua carreira americana, 'O Labirinto do Fauno' é parte conto de fadas, parte drama de época. A união de elementos humanos e fantasiosos funciona aqui de maneira muito mais eficiente do que no malfadado A Dama Na Água, de Shyamalan, pois Del Toro, que também é autor da história, sabe como equilibrar os dois universos tornando-os igualmente cativantes.

Logo após a guerra civil espanhola, uma menina chamada Ofélia se muda com a mãe, recém casada de um capitão do exército do ditador Franco, para uma fazenda no interior de onde ele está tentando eliminar um grupo de rebeldes. O capitão é um homem cruel e sua mãe está debilitada por culpa de uma gravidez difícil. Sozinha, ela se recolhe em contos de fada e acaba se tornando parte de um ao ser visitada por uma fada.

Del Toro possui um estilo visual elegante e valoriza a ótima direção de arte com belos enquadramentos e movimentos, mas não poupando o espectador de cenas fortes, grotescas até, o que afasta qualquer possibilidade de vir a ser um filme para crianças embora se destituído dessas cenas ainda funcionasse bem na minha opinião. Mesmo assim, O Labirinto do Fauno é uma obra emocionante, cheia de imaginação e que merece ser prestigiada. 

Ganhador do prêmio Camera D'Or em Cannes esse ano, 12:08 Leste de Bucareste (A Fost sau n-a fost? de Corneliu Porumboiu 2006), reafirma o crescimento do cinema romeno, que compareceu ano passado com o incrível A Morte do Sr. Lazarescu.

O nome '12:08 East of Bucharest' se refere ao golpe de estado que depôs o ditador Ceausescu e o filme enfoca um dia na vida de três homens em uma pequena cidade nos dias de hoje, o primeiro está tentando convidar pessoas para serem entrevistadas em seu programa de tv pra debater se houve ou não revolução, e os outros dois irão ser seus entrevistados: um professor de história alcóolatra e um idoso que só é lembrado na época de Natal como Papai Noel do bairro. O filme se divide em antes e durante a entrevista, a montagem elegante alterna os três personagens construindo o painel que irá se completar quando os três se reúnem no acontecimento.

Os atores excepcionais se revelam nesse momento, levando à platéia às gargalhadas com a precariedade do programa de tv e com seus maneirismos. Para um filme de estréia, Porumboiu já revela possuir maturidade no domínio da câmera e da narrativa. O filme compartilha com Lazarescu a estética realista, mas onde aquele era recheado de diálogos ácidos e um clima sufocante, neste a delicadeza e o humor permeiam toda a duração. O cinema da Romênia definitivamente merece atenção. 

Por fim, o ganhador do prêmio do Juri em Cannes Red Road, da diretora Andrea Arnold, do Reino Unido.

Jackie é uma operadora de câmeras de vigilância que possui o trabalho voyerístico de observar a rotina de um trecho da cidade onde mora, na Escócia. Um dia ela reconhece um homem vivendo no condomínio barato Red Road como sendo um ex-detento e passa a observá-lo, desenvolvendo o que se torna uma obsessão, ela passa a se aproximar cada vez mais dele.

'Red Road' não é um thriller moldado nas convenções americanas, a trama aqui se revela de maneira mais lenta e gradual, só muito mais tarde é que todas as ações dos personagens começam a fazer sentido. O roteiro da própria diretora é bastante preciso e as cenas que se revelam vagas do início se integram às finais numa bem desenvolvida resolução. A bela fotografia ajuda a afastar o estigma de cinema-verité que o tipo de filmagem "câmera-na-mão" traz e a diretora faz excelente uso de cores e desfoques, construindo um clima de desconforto e tensão que crescem à medida que seguimos com a personagem, cada vez mais próxima do suspeito.

Esses filmes possivelmente serão exibidos no circuito alternativo aqui  no Brasil em breve, já ostentavam os logotipos de suas distribuidoras e legendas na película. Em breve, mais Festival do Rio.

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