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Biografia Otto Preminger - Parte I

Tirânico, autoritário e intransigente. Esses são os adjetivos mais lembrados pela maioria dos atores e da equipe técnica que trabalhou com Otto Preminger. De fato, ele não tolerava incompetência, papo furado e tempo perdido. Nas suas mãos, era comum ver profissionais chorando, sendo humilhados, abandonando os sets, sendo demitidos – e readmitidos mais tarde. Para cada um que tivesse uma palavra de carinho a seu respeito (John Wayne, Henry Fonda, Joan Crawford, Dana Andrews, Don Taylor, James Stewart, Burgess Meredith e Frank Sinatra), havia outros tantos que lembravam da sua figura com um certo amargor ou até mesmo desprezo. (Karl Malden, Alice Faye, Kirk Douglas, Robert Mitchum, Linda Darnell, Dyan Cannon, Liza Minnelli, Jean Serber e  Tom Tryon). Preminger era mesmo duro na queda. Em seus filmes, não havia espaço para improvisações. Ao ator era terminantemente proibido se afastar do roteiro. E ai daquele que o procurasse com dúvidas sobre a psicologia do personagem. Para Preminger, o estilo Actor´s Studio de representar não passava de uma grande bobagem.

Mas por trás dessa imagem que Otto construiu ao longo de seus mais de 50 anos de carreira, havia um único objetivo: a de transmitir, através de seus filmes, de forma inegociável, sua visão de mundo. É exatamente por isso que – ainda que muitos teimam em não reconhecer – Preminger é, sim, um diretor autoral. Seja em seus tempos de operário-padrão da Fox, seja após seu período de independência, ele encontrou no cinema uma ferramenta para contar as histórias que o interessavam e, mais importante, da forma como achava que deviam ser contadas.

Uma de suas maiores – a maior? – obsessões era aproximar os pequenos mundos retratados em seus filmes o máximo possível realidade. Veio daí a sua principal característica como diretor: o plano-sequência. Assim como o piscar dos nossos olhos representa uma interrupção naquilo que estamos vendo, Preminger sabia que o corte no cinema significava uma quebra na ilusão de continuidade de uma cena. Esse hiato contribuía para o espectador voltar ao seu próprio mundo, naturalmente exterior ao filme, e ter consciência de aquilo à sua frente não passava de uma fração da realidade, filtrada pelos olhos de uma câmera. O rompimento desse código pré-estabelecido com o público era inaceitável para Preminger. O artifício encontrado para driblar essa “limitação” do cinema, foi movimentar a câmera pelo set, acompanhando os atores de um cenário para outro, atravessando portas, corredores e paredes se fosse necessário. A fluidez do plano era praticamente imperceptível. Mas era isso que fazia toda a diferença.

Ao contrário do que dizia o crítico americano Andrew Sarris, Preminger não era aquele diretor que “resolvia todos os problemas de decupagem em um ou dois takes”.  Além de pejorativa, a afirmação não via ali um rigoroso tratamento do enquadramento. Preminger talvez tenha sido um dos primeiros cineastas a incorporar esse estilo à sua mise-en-scène. Mais que uma mera filigrana estética, o plano-sequência para Preminger era uma opção moral.

Ao longo de uma obra tão vasta – foram mais de 40 filmes – Preminger desenvolveu dois grandes temas: um deles está na relação entre os homens comuns e as instituições que os tutelam, como a Igreja, o Poder Judiciário, o Poder Legislativo e as Forças Militares. Pertencem a essa leva filmes como Anatomia de um Crime, Tempestade Sobre Washington, O Cardeal e A Primeira Vitória (obras que, não à toa, foram realizadas quase todas em seqüência). O segundo deles é a aceitação de que os homens são, acima de tudo, seres falíveis (nessa categoria se inserem a maioria dos filmes-noir de Preminger). Em qualquer dos casos, a característica que mais se sobressai é a de que os mundos retratados em seus filmes não terminam nas 2 ou 3 horas de  projeção (as vezes até mais). Tanto a história quanto os personagens seguem seus próprios rumos (os finais de Anatomia de um Crime, Exodus, Bunny Lake Desapareceu e O Incerto Amanhã estão aí para confirmar), mesmo que sem a câmera de Preminger para dar o seu testemunho.

Otto Ludwig Preminger nasceu em 05 de dezembro de 1905 (ou 1906, segundo algumas fontes). Embora haja dúvidas em relação à sua cidade Natal (poderia ser Wiznitz, na Romênia, ou Rozniatow, na Polônia), seu biógrafos atestam que ele não nasceu em Viena. De todo o modo, Preminger se mudou para a capital austríaca aos 10 anos, quando seu pai Markus, foi transferido na condição de conselheiro jurídico da corte militar.

Ainda na idade escolar Preminger logo começou a mostrar um interesse pelas artes, especialmente pelo teatro, ópera e literatura. Em 1922, ele já havia desempenhado pequenos papéis em montagens amadoras de Shakespeare. Seu ponto de virada veio no ano seguinte, ao conhecer o diretor teatral Max Reinhardt, pelas mãos de quem Preminger teria suas primeiras chances como ator profissional.

A essa altura do campeonato, Preminger decidiu que sua vida estava no palcos e não na Faculdade de Direito que já freqüentava. Para desconforto do pai, ele trancou a matricula do curso (que acabaria concluindo em 1928), e se enfiou de vez no mundo dos espetáculos. Entre 1926 e 1931, peregrinou por vários teatros da Europa e começou a dirigir algumas peças. A experiência chamou a atenção de alguns produtores que bancaram seu primeiro trabalho para o cinema: Die Grosse Liebe.

Foi em 1931, durante um teste de elenco, que Preminger conheceu Marion Mill, sua primeira esposa. Ele se casaram em agosto de 1932.

Nesse momento, Preminger já era um nome associado à produção cultural de Viena. Em 1933, assumiu a direção do teatro criado anos antes por Reinhardt. Em 1934, recebeu um convite do Governo da Áustria para tomar conta da companhia teatral do país, o que foi obrigado a recusar por motivações religiosas. Ironicamente a oportunidade perdida salvaria sua vida, já que, em 1938, quando Hitler invadiu a Áustria e começou a exterminar um judeu a cada esquina, Preminger estava dirigindo filmes em Hollywood, a quilômetros de distância da Europa.

Sua retirada da Europa começou a se desenhar em abril de 1935. Nesse ano, Preminger foi procurado pelo americano Joseph Schenck, um dos executivos da recém criada Twentieth Century-Fox. A fama de Preminger como diretor teatral atravessara o Atlântico e Schenck queria levar toda a aquela competência de que ouvira falar para a terra do Tio Sam. Preminger não pensou duas vezes e disse: "jawohl!!". Seu navio aportou nos EUA em 21 de outubro de 1935, data que ele consideraria para sempre como seu segundo aniversário.

Após algumas experiências no teatro de Nova York, Preminger foi levado a Los Angeles pelos braços de Darryl F. Zanuck, big boss da Fox. Em junho de 1936, Zanuck separou um projeto para que ele estreasse na direção: Under Your Spell (sem título em português). O filme foi lançado em novembro sem despertar muito interesse da crítica. Mas o ritmo ágil do diretor e sua preocupação em se manter dentro do orçamento agradaram Zanuck e garantiram a Preminger um contrato de um ano com a Fox.

Em setembro de 1937, estreava nos EUA o segundo filme de Preminger na direção: Danger - Love at Work, uma screwball comedy cuja rapidez dos diálogos prenunciava Jejum de Amor, de Howard Hawks. Em alta com Zanuck, Preminger recebeu a incumbência de dirigir uma produção mais suntuosa chamada Kidnapped, adaptação de um romance de Robert Louis Stevenson. O que era para ser a confirmação do prestígio de Preminger junto à Fox, revelou-se um desastre. Um desentendimento durante as filmagens provocou uma briga de cachorro grande entre produtor e diretor. Zanuck não deixou por menos: com o contrato ainda em vigor, Preminger não apenas foi afastado do projeto como também impedido de assumir novos trabalhos.

A influência de Zanuck em Hollywood era tanta que Preminger achou que sua carreira estava encerrada. Como nada mais o prendia ali, ele viajou para Nova York, por onde permaneceu pelos três anos seguintes fazendo aquilo que mais gostava: teatro. Entre 1938 e 1940, Preminger dirigiu várias peças na Broadway e fora dela, a maioria com muito sucesso.

Uma dessas peças, Um Pequeno Erro, despertou o interesse do diretor Ernst Lubitsch, que acabara de ser contratado pela Fox. Após a compra dos direitos, Lubitsch convidou Preminger para reviver o personagem do oficial nazista que interpretara nos palcos nova-iorquinos. Preminger gostou da idéia e aceitou a proposta. Quando Um Pequeno Erro estava prestes a sair do papel, Lubitsch se desligou do projeto para filmar Sou ou Não Sou.

Enquanto a Fox resolvia o que fazer com Um Pequeno Erro, Preminger autuou em dois filmes: Abandonados, de Irving Pichel, e Correspondente Fenômeno, veículo para Bob Hope. Em ambas as produções, ele desempenhou variações do mesmo personagem de oficial nazista. Entre uma e outra, Preminger ainda achou tempo para fazer um teste para o papel do General Strasser, em Casablanca, mas foi preterido por Conrad Veidt.

Em 1942, a Fox retomou a produção de Um Pequeno Erro. Uma das primeiras medidas foi atender o antigo desejo de Lubitsch e oficializar o convite para Preminger integrar o elenco. Ele aceitou desde que também assumisse a direção. A combinação das duas tarefas – direção e interpretação – numa única pessoa não era comum para os padrões da época, mas a Fox topou a parada. Um Pequeno Erro entrou em produção em setembro de 1942 e foi lançado em fevereiro de 1943, com boas críticas. Ainda que sob o olhar desconfiado de Zanuck, Preminger estava de volta à Fox.

Em julho de 1943, após se envolver por alguns meses num projeto chamado Ambassador Dodd´s Diary, que não iria adiante, Preminger assumiu a direção da comédia Por Enquanto, Querida. A história abordava um grupo de soldados e suas esposas que, em plena 2ª Guerra Mundial, hospedam-se num hotel próximo a uma base militar de treinamento. Apesar do relativo êxito do filme anterior, Zanuck ainda não podia ver a careca de Preminger à sua frente. Por isso mesmo, a escolha inicial do diretor recaiu sobre um outro nome: Archie Mayo. No entanto, ao não gostar nem um pouco dos primeiros copiões, Zanuck foi obrigado a dar o braço a torcer e alocar Preminger na função. Por Enquanto, Querida foi lançado nos cinemas em setembro de 1944 com reações positivas da crítica. Se o filme era ingênuo na essência, ao menos ele já revelava algumas características que marcariam o estilo de Preminger na direção, em especial a fluidez da câmera.

Antes de se envolver na produção e, posteriormente, na direção do filme que o colocaria no mapa de Hollywood, Preminger teve um rápido envolvimento amoroso com famosa dançarina de cabaré Gypsy Rose Lee. Ambos eram casados mas isso não impediu que desse romance nascesse Erik Lee. Gypsy recusou qualquer ajuda financeira na educação da criança. Mais que isso, omitiu do filho a verdadeira identidade do pai. No início, ela permitiu que Preminger visitasse o filho quando estivesse em Nova York. No entanto, toda aquela situação era constrangedora demais para o marido de Gypsy e ela foi obrigada a cortar a relação. Pai e filho voltariam a se reencontrar apenas 22 anos depois.

Deixando de lado os problemas particulares, Preminger estava pronto para realizar um dos seus melhores e mais famosos trabalhos: Laura. O filme se baseava no romance de Vera Caspary, publicado inicialmente nas edições da Revista Collier, ao longo dos meses de outubro e novembro de 1942, e posteriormente, no formato tradicional, no início de 1943. Preminger leu, gostou, e decidiu produzir. Procurou Zanuck e praticamente o obrigou a adquirir os direitos da obra.

Com essa questão resolvida, ele chamou Jay Dratler para se ocupar com a adaptação. Zanuck não gostou do primeiro rascunho que lhe foi entregue. Para consertar os problemas apontados pelo chefe, Preminger contratou Ring Lardner Jr. Uma nova versão foi preparada e apresentada aos censores que, como de hábito, impuseram uma série de restrições ao texto, entre elas a grande quantidade de sequências em que as pessoas apareciam bebendo e a referência homossexual à personagem de Waldo Lidecker etc.

Enquanto a produção tentava mostrar que o roteiro não ofendia à moral e aos bons costumes, o estúdio começou a selecionar um diretor. Para Zanuck, o nome de Preminger era carta fora do baralho. Após ouvir um não de Walter Lang, Lewis Milestone e Irving Cummings, Zanuck acertou com Rouben Mamoulian.

Zanuck, Preminger e Mamoulian passaram, então, a escalar o elenco. Para o papel de Laura, o trio cogitou a atriz Jennifer Jones, que, por contrato, ainda devia um filme para a Fox. No entanto, em seu lugar, a produção optou por Gene Tierney, 24 aninhos e no auge da beleza. Vincent Price e Judith Anderson, atores de confiança do estúdio, foram escolhidos para viver os personagens coadjuvantes. O detetive Mark McPherson foi entregue a Dana Andrews (seu primeiro filme com Preminger), e Waldo Lydecker, ao ator do teatro, Clifton Webb.

As filmagens começaram em abril de 1944. Não demorou um mês para que Preminger e Mamoulian se desentendessem. A briga chegou aos ouvidos de Zanuck que, surpreendentemente, tomou o partido de Preminger e determinou as regravações de várias sequências. Mamoulian não agüentou a bronca e pediu pra sair (segundo a versão de Preminger, Mamoulian foi demitido). Sem um diretor para tocar o projeto, Zanuck foi obrigado a engolir em seco e pedir para Preminger assumir a função. A reação da equipe técnica e dos atores à troca dos cineastas foi péssima. Todos gostavam de Mamoulian e resolveram dificultar a vida de Preminger nos primeiros dias. Para mostrar quem mandava no pedaço, o novo diretor trocou o diretor de fotografia (Joseph LaShelle no lugar de Lucien Ballard) e a figurinista.

Ao contrário das recomendações de Zanuck, Preminger não tinha qualquer intenção de aproveitar o material filmado por Mamoulian. Isso obrigou o diretor a intensificar o ritmo de trabalho, de modo que as filmagens se encerrassem dentro do prazo. Foi o que ele fez. Em outubro, Laura era lançado nos cinemas, arrecadando U$ 2 milhões em solo americano, um lucro apenas moderado. Se a Fox não ficou plenamente satisfeita com o resultado, a aura de clássico que o filme conquistou ao longo dos anos certamente rendeu ao estúdio a montanha de dinheiro que dele se esperava na época.

Chegada a temporada das premiações, Laura recebeu cinco indicações ao Oscar, entre elas a de melhor direção para Preminger (sua primeira, das três que receberia na carreira). Na noite da entrega das estatuetas, no entanto, o diretor perdeu a disputa para Leo McCarey, por O Bom Pastor. Apesar do insucesso, o tempo foi passando e colocando Laura no devido lugar entre os melhores filmes noir já realizados.

Em abril de 1944, quando ainda batia boca com Rouben Mamoulian nos sets Laura, Preminger recebeu um chamado da Fox. Ele deveria assumir o lugar de Ernst Lubitsch na direção da adaptação da peça Czarina, escrita por Lajos Biro e Melchior Lengyel.  Lubitsch já filmara uma versão muda da mesma história em 1924, com Póla Negri no papel de Catarina, a Grande, mas quando estava prestes a iniciar a nova produção sofreu um forte ataque cardíaco que o impediu de tocar o projeto sozinho.

Assim que acabou sua participação em Laura, Preminger começou a escalar o elenco de Czarina. Para a protagonista, escolheu Tallulah Bankhead, que acabara de estrelar, com sucesso, Um Barco e Nove Destinos, de Hitchcock. Segundo Preminger revelaria mais tarde, Lubitsch teria tentado convencer a Fox a optar por Greta Garbo, que ele dirigira em Ninotchka, mas o estúdio se manteve fiel à escolha original. O principal papel masculino foi entregue ao desconhecido William Eythe, uma espécie de Tyrone Power sem grife (um dos pontos fracos da obra). Os demais personagens foram defendidos pelos coadjuvantes de sempre: Anne Baxter, Charles Coburn, Vincent Price e Mischa Auer.

As filmagens começaram em setembro de 1944. Mesmo acamado, Lubitsch freqüentava os sets e ensaiava alguns diálogos com os atores. Na hora de gravar, no entanto, Preminger assumia as rédeas e, segundo ele, tentava ao máximo se afastar do chamado "Lubitsch Touch". Czarina ficou pronto em janeiro de 1945. O filme estreou em abril, com a direção creditada a Preminger, mas com o nome de Lubitsch visto logo antes do título.

Como previsto por Preminger, Czarina não se pagou nas bilheterias. Para ele, o resultado negativo era uma mostra de que o público americano amadurecera, e que as comédias leves de Lubitsch já soavam anacrônicas naqueles tempos de conflitos mundiais. Se Zanuck não tinha consciência e nem estava preparado para essa mudança de ares, Preminger resolveu que, a partir dali, sua carreira estaria voltada para projetos essencialmente ligados à realidade social da época. 

Logo após se livrar de Czarina, Preminger embarcou na adaptação do romance de suspense Anjo ou Demônio?, escrito por Marty Holland. A Fox comprou os direitos do livro em 1944, antes mesmo da sua primeira publicação. Tanta pressa deve ter sido motivada pelo fato de Zanuck ter percebido as semelhanças entre aquela história e Laura, cujo sucesso já se anunciava. A trama de ambos girava em torno do assassinato de uma mulher que era o objeto de desejo de vários homens.

Para escrever o roteiro, Preminger trouxe Harry Kleiner, um de seus alunos da Yale School Drama. Kleiner preparou a primeira versão em março de 1945. Em abril, o estúdio anunciou a contratação de Alice Faye para viver o papel de June Mills, a moça rica e recatada, que mora com a irmã, e que se apaixona pelo forasteiro Eric Stanton. Faye fora uma das maiores estrelas da Fox da década anterior, protagonista de vários musicais ligeiros (muitos deles ao lado de Carmen Miranda), e alguns dramas de temática social (como No Velho Chicago). Mas aos 30 anos, a atriz já demonstrava sinais de cansaço e seus dias no topo pareciam coisa do passado. Para interpretar a personagem da garçonete Stella, Zanuck já havia escolhido a jovem Linda Darnell, uma das suas eternas apostas. Darnell, então com 21 anos, estivera em A Marca do Zorro e Sangue e Areia, dois recentes sucessos do estúdio. Apesar disso, aquele rostinho bonito – e um pouco gordinho – ainda estava longe de ser considerada uma atriz de ponta. Já o papel de Stanton ainda permanecia vago. Faye sugeriu o nome de Dana Andrews. O ator leu o roteiro mas o achou de mau gosto e inverossímil. Preminger insistiu, ameaçando-o, inclusive, de suspensão. Acuado, Andrews juntou-se ao elenco.

As filmagens começaram em maio. O clima era tenso. A intempestividade e falta de educação de Preminger contribuíam para isso. Alice Faye o considerava uma pessoa muito difícil para se trabalhar. Linda Darnell o detestava. Sua aversão pelo diretor era tão conhecida, que, três anos depois, durante as gravações de Quem é o Infiel?, quando precisou extrair dela uma expressão de nojo, o cineasta Joseph L. Mankiewicz lhe mostrou justamente a foto de Preminger virada de costas para o público (apesar disso, Darnell voltaria a trabalhar com Preminger em mais três filmes). O que menos sofreu foi Dana Andrews, já escolado com a fera por tê-lo enfrentado set de Laura.

A produção se encerrou no final de junho de 1945. Após assistir a uma primeira versão, Zanuck não gostou do final, que foi refilmado por Preminger ao longo de julho. Além disso, por ordem do chefão, muitas das cenas dramáticas de Faye foram eliminadas numa segunda montagem, na mesma medida que se privilegiava a participação de Darnell na trama. Pra compensar, Zanuck deixou passar ilesa uma sequência em que Faye cantava na igreja, que servia para atender aos fãs da atriz que ainda a viam como a estrela de antigamente. Faye só voltaria a trabalhar no cinema 17 anos depois, numa ponta no musical Feira de Ilusões. Anjo ou Demônio? estreou nos EUA em dezembro de 1945, mas não conseguiu reeditar o mesmo êxito de critica de Laura.

Nem bem acabara seu trabalho em Anjo ou Demônio? e Preminger já sabia qual seria seu próximo projeto: Noites de Verão. O filme era uma adaptação musical do livro escrito em 1943 por Albert E. Idell. A história se passava em 1876 e era ambientada no estado da Pensilvânia. A narrativa se concentrava na família de classe média Roger que tem sua tranquilidade perturbada com a chegada de Zenia, a cunhada da Sra. Roger.

O primeiro roteiro, de autoria de Michael Kanin, datado de janeiro de 1944, não previa um filme musical. Zanuck leu e não se satisfez por completo. Kanin voltou a colocar a mão na massa e transportou a história para o período presente. Zanuck revisou o texto em outubro e, tentando aproveitar o sucesso dos espetáculos Feira de Ilusões e Oklahoma! que estavam em exibição nos palcos americanos, transformou o material num filme musical.

Preminger entrou na jogada em abril de 1945. Àquela altura, o elenco principal já estava escalado: Jeanne Crain, Linda Darnell, Cornel Wilde, William Eythe e Dorothy Gish. Nenhum deles sabia cantar. As filmagens começaram em setembro. Acostumada a ser dirigida pelo seu marido, D.W. Griffith, Gish reclamava do clima tenso que Preminger trazia diariamente para os sets. Wilde também não tinha o diretor em alta conta. Apesar da insatisfação geral, ambos voltaria a trabalhar com Preminger no futuro.

As gravações se encerraram em novembro de 1945. Zanuck viu uma primeira montagem e determinou a inclusão de algumas cenas. Preminger, que não acreditava no projeto, não ofereceu resistência e as filmou no piloto automático. O extenso cronograma de filmagens, a inserção de novas sequências, e a opção pelo uso do tecnicolor, transformaram Noites de Verão no filme mais caro da carreira de Preminger. O lançamento ocorreu em junho de 1946, com críticas desanimadoras.

Se Noites de Verão custara muito dinheiro, nada se comparava ao que a Fox estava prestes a gastar no filme seguinte de Preminger: Entre o Amor e o Pecado. Poucos filmes da Fox - e de Preminger - tiveram uma produção tão conturbada. O romance em que ele se baseava (Forever Amber, de Kathleen Winsor) trazia a saga de Amber St. Clair, uma jovem inglesa do interior que sonha em atingir uma posição na mais alta classe social da Inglaterra do Século XVII. Durante sua jornada, ela foge da casa dos pais ao lado de Bruce Carlton, seu grande amor, é deixada de lado por ele em seguida, torna-se atriz de teatro, casa-se com homens ricos, atravessa ilesa as milhares de mortes ocorridas na Europa durante a Grande Peste, e é escolhida pelo próprio do Rei Charles II como uma de suas amantes. Era evidente que uma história como essa, recheada por adultério, filhos gerados fora do matrimônio, assassinatos e casamentos de conveniência, não tinha qualquer chance de ser aprovada pela Administração do Código de Produção. Mesmo assim, a Fox resolveu ir em frente e o filme entrou em fase de pré-produção.

Philip Dunne foi contratado para revisar o rascunho do roteiro que já circulava pelo estúdio. Após várias negociações com os censores, em outubro de 1945 chegou-se a uma versão possível de ser filmada. Ao mesmo tempo, Peggy Cummings e Cornel Wilde foram anunciados como os protagonistas. Ambos estariam sob a direção de John M. Stahl, velho especialista em melodramas da Fox, e que acabara de estourar com Amar Foi Minha Ruína. O estúdio anunciou um cronograma de 100 dias de filmagens e um orçamento superior a U$ 3 milhões, o mais caro até então.

Em abril de 1946, a produção não andara praticamente nenhum centímetro. Zanuck percebeu que a coisa estava indo para o vinagre e resolveu suspender as filmagens por tempo indeterminado. Stahl foi escolhido como o culpado da vez e substituído por Preminger. Peggy Cummings também não durou muito e, em seu lugar, o estúdio chamou Linda Darnell (Preminger preferia Lana Turner, mas foi voto vencido). Cornel Wilde, por sua vez, ao saber que seu desafeto Preminger assumiria a direção (eles não se falavam desde Noites de Verão), condicionou sua permanência no projeto a um substancial aumento de salário (Wilde se tornaria o terceiro nome mais alto na folha de pagamento da Fox, atrás apenas de Tyrone Power e Betty Grable). Por fim, Preminger, já na condição de diretor, escalou Ring Lardner Jr. para revisar o roteiro de Dunne, e o diretor de fotografia Leon Shamroy, com quem voltaria a trabalhar em mais cinco filmes. Mesmo não tendo saído do zero, Entre o Amor e o Pecado já era o filme mais caro da história da Fox (até então, o recorde pertencia a O Fio da Navalha, de Emund Goulding).

As filmagens começaram em outubro de 1946 e se estenderam até abril de 1947. Em 20 de junho, o filme recebeu a aprovação da Administração do Código de Produção. Quando a Fox achou que o sinal estava verde, a Legião Católica da Decência anunciou forte oposição à fita. Os motivos eram basicamente os mesmos. O estúdio sabia que essa rejeição traria conseqüências desastrosas nas bilheterias, e foi obrigado a ceder. A versão final, que agradava a gregos e troianos, ficou pronta em novembro. Entre o Amor e o Pecado arrecadou U$ 8 milhões em solo americano, a 4ª maior receita entre os filmes de 1947, mas insuficiente para suprir os enormes custos de produção.

Ainda envolvido com as refilmagens exigidas pela pós-produção de Entre o Amor e o Pecado, Preminger assumiu a direção de Êxtase de Amor, baseado no romance de Elizabeth Janeway. A Fox viu um bom potencial na história do conturbado triângulo amoroso entre uma mulher (Daisy Kenyon), um homem casado e um ex-combatante de guerra, e resolveu comprar os direitos de adaptação em 1945 antes mesmo do lançamento do livro. O estúdio pretendia filmá-lo logo no ano seguinte, mas foi obrigado a esperar alguns meses, até que Preminger estivesse com a agenda livre. Isso só aconteceu em março de 1947, quando o roteiro já estava pronto.

Durante alguns meses, Zanuck, Preminger e Hertz tiveram que negociar com a Administração do Código de Produção, que cismava com a visão depreciativa da instituição do casamento. As disputas demoraram alguns meses, até que o texto se adequasse às exigências dos censores.

Superado esse problema, Preminger começou a se preocupar com a escalação do elenco. O papel principal foi entregue à Joan Crawford (que se interessara em comprar os direitos do livro e partir para uma produção independente, mas perdera no braço de ferro com o estúdio). Por insistência dela, a escolha dos personagens masculinos recaíram sobre Henry Fonda (ele estava prestes a começar sua participação em Sublime Devoção, de Henry Hathaway, e teve que ser substituído às pressas por James Stewart) e Dana Andrews (seu terceiro filme com Preminger).

As filmagens transcorreram numa clima de tranqüilidade, com Preminger se enturmando rapidamente com Crawford e Fonda. Os trabalhos se encerraram em agosto de 1947. Mais alguns meses para a gravação da trilha sonora de David Raksin e a montagem final, e Êxtase de Amor estava pronto. A estréia ocorreu em dezembro com críticas apenas razoáveis. O público acompanhou o desânimo geral e o resultado nas bilheterias ficou bem abaixo do esperado.

A carreira de Preminger se cruzou novamente com a de Lubitsch no seu projeto seguinte: O Leque. O filme era baseado na peça de Oscar Wilde e já havia sido adaptada para o cinema em 1925, justamente pelas mãos de Lubitsch. Contava a história da Sra. Erlynne (Madeleine Carroll) que, no espaço de um dia, precisava comprovar a propriedade de um leque colocado à venda numa casa de leilões da Londres pós 2ª Guerra Mundial. Isso a levava a procurar Lord Darlington (George Sanders), um dos seus amigos do passado, e a relembrar, por meio de vários flashbacks, do relacionamento entre o casal Lord e Lady Windermere (Richard Greene e Jeanne Crain).

Em outubro de 1947, Preminger convenceu Zanuck a comprar os direitos da obra. Em seguida, Walter Reisch foi contratado para escrever o roteiro, cuja primeira versão ficou pronta em janeiro de 1948. Após as revisões de praxe (feitas por Dorothy Parker e, claro, pelo próprio Zanuck), O Leque estava pronto para ser filmado. Em maio, Gene Tierney, que interpretaria Lady Windermere, ficou grávida e pulou fora do projeto. Preminger não perdeu tempo e trouxe a bela – e hoje esquecida – Jeanne Crain, com quem ele já trabalhara em duas oportunidades.

As filmagens transcorreram de forma extremamente rápida, com Preminger usando e abusando dos planos-seqüências (a cena do baile de aniversário de Lady Windermere foi filmada numa única tomada de cinco minutos, e exigiu um planejamento de um dia inteiro de trabalho). Difícil dizer se esse artifício foi uma forma de Preminger mostrar o seu lado "autor", ou se ele estava simplesmente evitando o estouro do orçamento. O fato é que as gravações terminaram quase um mês antes do previsto. O filme estreou em abril de 1949, com um resultado razoável nas bilheterias e uma reação morna na crítica americana.

O filme seguinte de Preminger, A Ladra, era baseado no romance Methinks the Lady, de Guy Endore. A história era sobre uma socialite cleptomaníaca que é acusada pelo homicídio de uma das pacientes de seu marido psiquiatra. A Fox adquirira os direitos da obra em 1945, já com Preminger acertado para a direção.

Pelos três anos seguintes o projeto passou por várias revisões de roteiro, todas elas reprovadas. A coisa começou a tomar corpo em março de 1949, quando Andrew Solt preparou uma versão que se aproximava daquilo que Zanuck queria. Para dar uma nova polida no texto, Preminger contratou Ben Hecht, que concluiu seu trabalho em maio. A essa altura, Gene Tierney, Richard Conte e Jose Ferrer já estavam escalados para viver os três personagens principais. As gravações começaram em junho e se encerraram menos de dois meses depois, sem maiores turbulência nos bastidores. O filme estreou em novembro de 1949. Apesar de não receber muita atenção da crítica e de passar em branco na época da entrega das premiações, A Ladra viu sua fama crescer ao longo dos últimos anos.

Preminger logo se envolveu em novo projeto, o filme noir Passos na Noite, adaptação do romance Night Cry, escrito por William L. Stuart. Otto ficou sabendo do romance por intermédio de seu irmão, Ingo, que representava o produtor independente Frank Rosenberg, o dono dos direitos do livro. Ele gostou do que leu e convenceu Zanuck a falar com Rosenberg para fazer negócio. 

Superado esse problema, Passos na Noite logo entrou em pré-produção. A primeira providência foi a contratação do roteirista. Para a função, a Fox resolveu não correr riscos e chamou novamente Ben Hecht. Hecht entregou a minuta inicial em dezembro de 1949. Como de hábito, Zanuck fez algumas observações relativas ao desenvolvimento da trama, que foram incorporadas na montagem filmada.

Enquanto isso, o elenco se formava: para os papeis principais, a Fox escalou Danna Andrews como o violento detetive Mark Dixon (seu quarto filme com Preminger) e Gene Tierney, como a esposa de um viciado em jogos, que é acidentalmente assassinado por Dixon (seu terceiro filme com Preminger). A dupla de Laura estava de volta. Os personagens coadjuvantes foram entregues a Gary Merrill (como o gângster Scalise), Karl Malden (como o tenente que investiga o crime de Dixon), Tom Tully (como o pai de Gene Tierney, em papel que foi recusado por Lee J. Cobb) e Craig Stevens (como o marido de Gene Tierney).

As filmagens se iniciaram em 27 de dezembro, duraram três semanas e foram ambientadas em Nova York e Los Angeles. Como sempre, houve desentendimentos no set. No caso, entre Preminger e Karl Malden. Segundo o diretor, Malden era um novato que não sabia a diferença entre cinema e teatro. Malden, que de principiante não tinha nada, escreveu em sua autobiografia que foi humilhado por Preminger logo na gravação da sua primeira cena.

Preminger encerrou as gravações em março de 1950. Zanuck analisou um primeiro copião e determinou uma série de refilmagens. Hecht completou as revisões no final do mês e Preminger as filmou em seguida. Além de cinco sequências inéditas, a nova versão trazia uma justificativa para comportamento destemperado do detetive Dixon. Essa mudança aproximava a história de Passos na Noite da peça Chaga de Fogo, de autoria de Sidney Kingley, cujos direitos já haviam sido adquiridos pela Paramount e que William Wyler adaptaria para o cinema no ano seguinte. A Paramount tentou demover a Fox da sua decisão de alterar tão drasticamente o roteiro, mas o resultado foi em vão. Muito provavelmente Zanuck viu ali uma oportunidade de ganhar pontos sobre a concorrência, já que Passos na Noite chegaria ao cinema no mínimo um ano antes. É difícil dizer se Passos na Noite se beneficiou com essa estratégia. O fato é que o filme estreou nos EUA em julho de 1950, obtendo uma recepção positiva da crítica americana.

Em maio de 1950, Preminger renovou seu contrato com a Fox, pelo qual se obrigava a fazer quatro filmes num período de quatro anos, recebendo U$ 110mil por cada um. O primeiro desses trabalhos foi Cartas Venenosas, refilmagem de O Corvo, clássico francês de 1943 de Henri-Georges Clouzot. O elenco contava com Charles Boyer, Linda Darnell (seu último filme com Preminger), Michael Rennie e Constance Smith. O roteiro, de autoria de Howard Koch, contava a história de uma pequena comunidade que tem sua tranqüilidade perturbada quando vários moradores começam a receber cartas anônimas e desabonadoras sobre a vida de determinadas pessoas do local. Mais que um filme-noir, Preminger trabalhou num registro mais próximo ao de Hitchcock, construindo o suspense em torno da identidade do remetente das cartas.

Se Cartas Venenosas é um filme meio esquecido dentro da filmografia de Preminger, para o diretor ele tinha um gosto especial: foi durante a sua realização que Otto conheceu a modelo novaiorquina Mary Gardner. Eles se casariam em dezembro de 1951.

Continua...

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