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Artigos

O cinema de Tobe Hooper

Com participação de Bernardo Brum e Vlademir Lazo

Uma das perdas mais significativas para o cinema em 2017 foi a do cineasta Tobe Hooper, conhecido pelos filmes de terror e um dos principais expoentes da geração de novos diretores que no fim dos anos 1960 e início dos anos 1970 revolucionaram o cenário do cinema americano do gênero, junto de nomes como George A. Romero (que também nos deixou este ano), Wes Craven, Joe Dante, John Carpenter e Larry Cohen, entre outros. 

A maior contribuição de Hooper nesse cenário de mudanças e filmes mais políticos, sanguinários e realistas, é também um dos maiores clássicos de todos os tempos: O Massacre da Serra Elétrica (The Texas Chain Saw Massacre, 1974). Se tivesse feito apenas este filme, o diretor já teria seu nome consolidado na história do cinema, contudo há muitos outros títulos menos famosos em seu currículo que merecem reconhecimento. 


A distribuidora Obras-Primas do Cinema lançou recentemente uma coleção em DVD que reúne quatro filmes do diretor e um conteúdo extra de mais de três horas, incluindo um documentário inédito sobre o caso real que inspirou O Massacre da Serra Elétrica. O filme de 1974, inclusive, é um dos títulos da coleção e pela primeira vez é lançado no Brasil em qualidade de imagem restaurada, algo que os fãs esperam há décadas. Os demais filmes também estão restaurados e em ótima qualidade, e todos vêm acompanhados de cards que reproduzem a arte original dos pôsteres. Confira a seguir um pequeno texto para cada filme dessa incrível coleção:


O Massacre da Serra Elétrica (1974)

Com câmera trepidante, iluminação rudimentar e película de documentário, Tobe Hooper levou o horror realista ao seu ápice nos anos 70, com sua abordagem sendo imitada até hoje na hora de invocar uma atmosfera de que os lugares outrora idílicos (o campo e o interior, grandes reservas morais do imaginário americano) agora são perigosos, distorcidos, no limite entre o humano e o bestial. Marilyn Burns entrega a performance de uma carreira em seu segundo filme como Sally, a mais abalada das scream queens - enquanto em outros os personagens encontram-se em estado de desconfiança e paranoia, a sobrevivente aqui é levada ao limite da própria sanidade. Leatherface funde o background realista (a inspiração em Ed Gein) com a loucura delirante de um pesadelo, tendo epifanias com o horror que inspira. A trama em si mostra muito pouco gore, com a violência acontecendo em grande parte off-screen, mas o suficiente para aumentar o impacto de alguns dos closes de reação mais sufocantes do cinema. Tobe fez grandes obras depois, mas seu terceiro filme que alavancou sua carreira é a sua magnum opus; nunca mais aliaria de forma tão intensa a abordagem grosseira com uma narrativa simples, funcional e sem penduricalhos. Junto a Halloween e Psicose, O Massacre da Serra Elétrica é o ápice dos filmes de assassino.

Bernardo Brum


Devorado Vivo (1976)

Assim como havia demonstrado em O Massacre da Serra Elétrica, Hooper não tem medo do sujo e do grotesco, e em Devorado Vivo faz um filme doentio e ainda mais radical, trocando o gore de uma serra elétrica pela presença chocante de um crocodilo faminto. Com uma dramaturgia menos realista e mais caricatural, ele reúne em um hotel decadente uma típica família americana e um maníaco que se revela quase uma versão mais extravagante e violenta de Norman Bates. Para driblar o baixo orçamento, o diretor aplica um jogo de luzes bastante fake, fazendo dos cenários interiores um show de vermelho vivo, enquanto o externo se mergulha às vezes em um amarelo berrante e outras numa escuridão quase total. A estrutura narrativa de Eaten Alive é toda delineada pelo estado de sanidade cada vez mais ínfimo do gerente do hotel, de modo que toda a concepção visual parece ceder àquele espiral de loucura e Hooper mergulha de vez nesse universo demente e sombrio. Como todos os diretores de horror de sua geração, ele transforma a falta de recursos em uma vantagem e desenha um retrato muito pessimista e cruel do americano médio, suas relações e gradual desestrutura física e emocional perante o cenário político, social e econômico decadente que o rodeia.

Heitor Romero


Invasores de Marte (1986)

Numa época em que o cinema de gênero hollywoodiano foi predominantemente dominado por slashers ou então por fantasias de ficção cientifica com um toque de magia e efeitos num padrão a lá Spielberg & Lucas, os que Tobe Hooper fez para a Cannon infelizmente resultaram em fracassos financeiros e críticos. Força Sinistra guarda certa originalidade e notável mistura de ficção científica, horror e thriller policial, aproveitando-se de um clássico literário moderno (Vampiros do Espaço, de Colin Wilson), seguido por esse Invasores de Marte, que tenta atualizar um filme com mesmo título e história, produzido nos anos cinquenta, com invasores alienígenas se apossando do corpo dos humanos (uma clara metáfora de inspiração ideológica, sobre a infiltração comunista na sociedade americana). Razoavelmente fiel, mas não enxuto como o filme original, investindo mais no terror; poderia ter alterado coisas como a ambiguidade em torno do sonho do jovem protagonista, um dos muitos elementos que só reforçam o deja vú da película em relação ao gênero. Acrescenta muitas cenas ambientadas em colégio (uma constante nos diversos filmes adultos protagonizados por garotos nos anos oitenta) e na metade final com as tentativas de defesa por parte de soldados militares. Tanto a concepção visual quanto os monstros vindos do espaço impressionam, mas terminam por se revelarem cafonas. Contando ainda com um elenco pouco cativante, não deixa de ser uma oportunidade perdida por parte do cineasta, ao querer homenagear um de seus filmes antigos favoritos. 

Vlademir Lazo


O Massacre da Serra Elétrica 2 (1986)

O que Hooper faz em O Massacre da Serra Elétrica 2 parece para alguns um ultraje, e para outros um passo de gênio. Abandonando o terror atmosférico e trabalhado no suspense e luzes naturais e ar documental do primeiro filme, o diretor dá uma guinada de 180º e pula para uma comédia de autossátira ambientada em cenografia e iluminação fakes e personagens histéricos presos a protótipos de slashers vagabundos. Sempre transitado no over, aqui ele assume seu verdadeiro cinema para o bem e para o mal, desconstruindo tudo o que o consagrara no primeiro filme e trabalhando somente com ferramentas de choque e apelo, no limite da sanidade e num ritmo frenético impossível de se assimilar por completo. Enquanto o filme de 1974 fazia parte de um cenário de mudanças no terror americano, sendo um dos maiores influentes da nova geração, o segundo já vem como produto derivativo e influenciável por esses trabalhos pioneiros, configurado como um autêntico slasher oitentista e feliz dentro de todos os vícios dos quais tem direito, só que ainda mais subversivo e inconsequente, limando todo o respaldo moral e lidando apenas com o horror bruto, sanguinário, chocante e de alguma forma também engraçado. 

Heitor Romero

Comentários (4)

Ted Rafael Araujo Nogueira | quinta-feira, 21 de Dezembro de 2017 - 05:39

Excelente edição. Já adquiri o meu. Extras notáveis, principalmente o documentário da escrota feitura do primeiro Massacre da Serra Elétrica em 73/74.

Tobe Hopper manteve-se como um cara de extremos. Seu cinema não abriga tantas concessões como sua participação em poltergeist poderia ensejar. Foi um cara que abraçou o horror como forma de expressão clássica da podridão humana, seja na direção do abuso da linguagem documental ou do escracho da mesma, ou por outra ponta o sarro numa época onde o exagero era o oásis esculhambatório da moda.

Matheus Gomes | quinta-feira, 21 de Dezembro de 2017 - 22:33

Onde vocês realizaram essa compra? Estou interessado.

Heitor Romero | quinta-feira, 21 de Dezembro de 2017 - 22:38

Matheus, vc acha em lojas como Saraiva, Livraria Cultura, Livraria da Folha, Livraria Leitura etc. Aqui tem o site deles com mais informações 😉

http://obrasprimasdocinema.com.br/

Matheus Gomes | sexta-feira, 22 de Dezembro de 2017 - 14:58

😕
Muito obrigado, Heitor!

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