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A Retomada do Cinema Brasileiro

O cinema brasileiro na década de 80 é marcado por sua oscilação constante, variando entre as chanchadas e algumas obras-primas. A abertura política favorece a liberdade de filmagem e com isso nossos cineastas podem retratar temas jamais utilizados. Alguns filmes merecem destaque nesta década:

Eles Não Usam Black-tie, de Leon Hirszman
O Homem que Virou Suco, de João Batista de Andrade
O Homem da Capa Preta, de Sérgio Rezende
Pixote - A Lei do Mais Fraco, Hector Babenco
Cabra Marcado para Morrer, Eduardo Coutinho
Gaijin - Caminhos da Liberdade, de Tizuka Yamasaki
Pra Frente, Brasil, de Roberto Farias, primeiro filme sobre o conturbado período militar e suas famosas torturas

A década terminaria com o excelente Ilha das Flores (1989) de Jorge Furtado, e com este curta/documentário, alimenta as esperanças para uma futura década próspera para o cinema brasileiro.
 
O Brasil saia do período militar, e Fernando Collor tinha sido eleito pelo povo para presidir o país. Bem no começo de sua legislatura, Collor confisca toda a reserva particular e extingue a Embrafilmes, o Concine, a Fundação do Cinema Brasileiro, o Ministério da Cultura e suas leis de incentivos. Com o fim desses órgãos federais fica quase impossível de se fazer cinema no Brasil, chegando à quase sua extinção. A produção de documentários brasileira permaneceu constante, graças a possibilidade da gravação em vídeo e exibição em alguns restritos canais de TV educativos. Além dos documentários, os curtas-metragens continuaram firmes às imposições do governo Collor. Um fato curioso: em 1992, o Festival de Brasília foi adiado pela falta de filmes concorrentes, apenas A Grande Arte de Walter Salles (co-produzido com os EUA) foi inscrito.

Com a saída de Collor e a entrada de FHC, o Cinema no Brasil voltou às produções. No ano de 1994 foram lançados: As Feras, de Walter Hugo Khouri; Era Uma Vez, de Arturo Uranga; Foolish Heart, de Hector Babenco; Perfume de Gardênia, de Guilherme de Almeida Prado; Um Grito de Amor, de Tizuka Yamasaki; O Corpo, de José Antonio Garcia; Mil e Uma, de Susana Moraes; Sábado, de Ugo Giorgetti; e O Cangaceiro, de Carlos Coimbra. Mas foi a partir de 1995, com um forte investimento nas leis de incentivo e principalmente a Lei do Audiovisual, que se começa a falar numa "retomada" ou “renascimento” do cinema brasileiro.

Podemos considerar o filme Carlota Joaquina - A Princesa do Brasil (1994), de Carla Camurati como o estopim do inicio da “retomada”. O filme é uma falsa narrativa da vida da princesa espanhola Carlota Joaquina, que se casou em 1807 com o Infante João de Portugal. O filme ganhou grande destaque em festivais, concorreu a vários prêmios mundo a fora e trouxe de volta o cinema brasileiro ao cenário mundial.

Logo após a esse filme, que teve um grande sucesso de público para os padrões da época, Walter Salles lança Terra Estrangeira (1995) que consolida de vez o “renascimento” do Cinema Contemporâneo em nosso país. Um excelente filme, que retrata o desprezo pelo governo Collor. 

Para dar mais solidez a esse período do cinema nacional, grandes cineastas de épocas passadas voltam à ativa; como Nelson Pereira dos Santos, seus mais novos filmes são A Terceira Margem do Rio (1994), Cinema de Lágrimas (1995), Guerra e Liberdade (1998), Raízes do Brasil, cinebiografia do historiador Sérgio Buarque de Hollanda, e o mais recente Brasília 18% (2006).

Cacá Diegues é outro filho do Cinema Novo que voltou à ativa, em sua filmografia póstuma merecem destaque Tieta do Agreste (1996), adaptação do romance homônimo de Jorge Amado; Orfeu (1999); Deus é Brasileiro (2003) e O Maior Amor do Mundo (2006).

Ruy Guerra, importante cineasta da década de 60, teve a oportunidade no ano 2000 de adaptar um livro de Chico Buarque, e filmou o excelente Estorvo.

O "meio argentino, meio brasileiro" Hector Babenco filmou o misterioso Coração Iluminado (1998) e o grande sucesso de público Carandiru (2003).

O lendário Rogério Sganzerla também teve a oportunidade de filmar. Idealizou o fantástico O Signo do Caos, um anti-filme que prega toda uma anti-estética e um modo totalmente peculiar de se fazer cinema, algo poucas vezes visto em terras tupiniquins. Além deste, filmou Tudo é Brasil (1998) continuidade da obra de um de seus grandes mestre: Orson Welles que em 1942 pretendia filmar o famoso carnaval carioca no documentário It´s All True, que infelizmente não se concretizou.

O conturbado Sérgio Bianchi também expôs suas garras na volta do cinema brasileiro, cada vez mais cético. A grande jogada de seus filmes são seus excelentes roteiros e sua grande visão analítica da sociedade em si, verdadeiros socos na barriga do brasileiro. Cronicamente Inviável (2000) e Quanto Vale ou é Por Quilo? chocaram a sociedade a um certo ponto que consolidou de vez um dos segredos estéticos do sucesso do cinema brasileiro.

Os filmes que participaram de festivais, concorrendo a prêmios em sua maioria abordavam problemas sociais do Brasil contemporâneo (Sérgio Bianchi faz esse estilo como ninguém) como é o caso do consagrado Central do Brasil de Walter Salles e o belo Cidade de Deus de Fernando Meirelles. O grande O Que é Isso Companheiro?, filme do experiente cineasta Bruno Barreto, que se passa em plena ditadura militar, retrata a história do seqüestro do embaixador americano também teve grande aceitação mundo afora.

O cinema experimental também teve seus momentos, Marcelo Masagão é um dos grandes nomes deste estilo; diretor conhecido por seus belos curtas-metragens, no ano de 1999 teve a oportunidade de idealizar seu primeiro longa: Nós que Aqui Estamos por Vós Esperamos, documentário experimental sobre a morte no século XIX, construído todo com imagens de arquivo e sem nenhuma fala ou narração, apenas música, imagem e frases que vão aparecendo na tela. Além deste, também concretizou Nem Gravata nem Honra (2001) e no ano de 2003 filmou 1,99 - Um Supermercado que Vende Palavras.

Júlio Bressane, um dos líderes do Cinema Marginal, também se arriscou na elaboração de longas experimentais como o caso do complexo Dias de Nietzsche em Turim (2000). Outro filme de Bressane que merece destaque é São Jerônimo (1999).
 
Não só de ficções e experimentais vive o cinema brasileiro, outro grande gênero trabalhado por nossos cineastas é o documentário. Eduardo Coutinho, o mais influente dos documentaristas brasileiros, realizou, na retomada, cinco longas-metragens - Santo Forte (1999), Babilônia (2000), Edifício Master (2002), Peões (2004) e O Fim e o Principio (2005). Enquanto Cabra Marcado para Morrer, o documentário de Coutinho mais festejado da história do país, estacionou nos 200 mil espectadores, os filmes mais recentes do cineasta não chegaram a 100 mil. Outro importante nome neste ramo é João Moreira Salles. Notícias de uma Guerra Particular (1999) e Nelson Freire (2003) são seus mais recentes filmes.

Sílvio Tendler é outro renomado documentarista brasileiro que voltou com a retomada. É conhecido como "o cineasta dos vencidos" ou "o cineasta dos sonhos interrompidos" por abordar em seus filmes personalidades como Jango, Glauber Rocha, JK, entre outros. Silvio é, antes de tudo, um humanista, já produziu cerca de 40 filmes, entre curtas, médias e longas-metragens. Tendler é detentor das três maiores bilheterias de documentários na história do cinema brasileiro. Seus mais novos filmes são Encontro com Milton Santos (2006), Glauber - O Labirinto do Brasil (2002) e  Castro Alves - Retrato Falado do Poeta (1998).

José Padilha e Felipe Lacerda filmaram Ônibus 174 (2002). Marcos Prado dirigiu Estamira (2006). Atualmente o Brasil é um dos grandes idealizadores no quesito documentário, com certeza um dos melhores países neste ramo.
 
Voltando à ficção, mais recentemente merece destaque o global Luís Fernando Carvalho com o seu sensual, belo e quase perfeito Lavoura Arcaica (2001). Outro importante nome que surgiu é Karim Ainouz que dirigiu o perturbado Madame Satã (2002) e o original O Céu de Suely (2006). Cláudio de Assis é outro nome em destaque, filmou o forte Amarelo Manga (2003) e em 2007 lançou Baixio das Bestas.

Beto Brant é um dos nomes mais cultuados do momento, se consagrou com os filmes: Os Matadores (1997), Ação entre Amigos (1998), O Invasor (2001), Crime Delicado (2005) e seu mais recente Cão Sem Dono (2007).

Jorge Furtado, diretor de Ilha das Flores, após quase 20 anos carreira, realizou seu primeiro longa-metragem: o diretor gaúcho dirigiu Houve uma Vez Dois Verões, O Homem que Copiava, Meu Tio Matou um Cara e no ano de 2007 deve lançar Saneamento Básico - O Filme. Furtado é parceiro do pernambucano Guel Arraes, importante diretor que enfatiza comédias e filmes populares. Destacam-se O Auto da Compadecida (2000), Caramuru - A Invenção do Brasil (2001), Lisbela e o Prisioneiro (2003) e A Grande Família - O Filme (2007).
 
O maior sucesso de público do renascimento pertence a Fernando Meirelles e seu magnífico Cidade de Deus, filme que o consagrou de vez e posteriormente lhe permitiu partir para produções mais audaciosas e com maior apoio financeiro. Em 2005 filmou o também excelente O Jardineiro Fiel que ganhou vários prêmios em festivais. Possui ainda o esquecido Domésticas (2001), que enfoca a profissão das secretárias do lar, como o próprio nome já diz. Antes de Cidade de Deus, nosso maior sucesso de público pertencia a Xuxa Popstar, Tizuka Yamasaki e Paulo Sérgio de Almeida.

O feminismo na direção tomou conta da retomada, algo jamais visto antes no cinema brasileiro, dezenas de novas diretoras surgiram. Entre elas, merecem destaque Carla Camurati, Tatá Amaral, Tizuka Yamasaki, Eliana Café, Sandra Kogut entre outras impuseram o lugar da mulher no cinema brasileiro.

Felizmente o cinema nacional está em uma fase de euforia e inovação, cada vez mais original. O abre-alas de tudo isso são os curtas-metragens. O Brasil é um grande produtor de curtas e possui vários festivais de importância que acabam consolidando e descobrindo novos aspirantes de cinema.

Um dos grandes problemas do cinema nacional é seu financiamento. Os filmes são feitos com dinheiro público. São os trabalhadores, com seus impostos, que pagam estes filmes. Ironicamente, eles não têm dinheiro para ir ao cinema. Cinema, no Brasil, é feito para os ricos, com dinheiro dos pobres. Precisa-se de investimentos e iniciativas do setor privado para este tipo de arte, que gera muito dinheiro (basta olhar para Hollywood). Outro grande problema é a pós-produção. A distribuição é extremamente precária, pouca divulgação, os cinemas não cumprem a lei da obrigatoriedade de exibição do produto brasileiro. Cinemas precários, públicos piores ainda. Em 2006 o maior público que tivemos com nossos filmes foi com Zuzu Angel de Sérgio Rezende que quase chegou a 800 mil espectadores.

Muitas injustiças foram cometidas neste texto, muitos bons filmes não foram citados, excelentes diretores sequer foram citados, talvez fique para um “A Retomada do Cinema Brasileiro - Parte II”. Futuramente escreverei sobre a pós-retomada, o período mais atual do cinema brasileiro.

Comentários (2)

César Barzine | quarta-feira, 14 de Dezembro de 2016 - 07:55

Texto bem informativo, parabéns. [2]

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