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As comédias românticas americanas dos anos 1990

Sem dúvida você já se deparou com esse filme antes: a mulher solitária, que por fora diz não acreditar nessa bobagem de amor, mas que lá no fundo sonha em encontrar alguém legal, com quem possa dividir um café, um cinema, talvez uma cama, quem sabe uma vida. As comédias românticas americanas contaram ao longo de décadas essa mesma história inúmeras vezes, com poucas variantes, mas que por algum motivo nunca perderam o interesse e continuam a arrancar suspiros até mesmo dos mais céticos.

Se no início do cinema elas enfatizavam a ascensão feminina num mundo de homens, oferecendo protagonismo às mulheres em uma indústria machista e refletindo o crescimento delas no mercado de trabalho e em outras esferas para além da vida doméstica, com o passar dos anos as comédias românticas deram voz a muitas (e muitos) que sentiram o baque da solidão que de costume vem acompanhada do sucesso profissional ou a noção de independência, individualidade e liberdade. A busca por um equilíbrio entre vários campos da vida, sendo o amor o mais problemático deles, é o grande conflito do indivíduo ocidental e seus pequenos sonhos de completude.

Nos anos 90, o cinema americano focou especialmente suas comédias românticas para a vida de mulheres independentes em grandes centros urbanos, cada qual realizada em um campo da vida, mas inevitavelmente solitárias no amor. Seja Meg Ryan e seu perfil doce e sonhador, seja Julia Roberts com seu jeito de moleca, ou mesmo Sandra Bullock e o humor melancólico – todas, a seu modo, arrebataram uma geração apaixonada pelos filmes românticos que assistiam na TV. Pulando alguns títulos mais óbvios, como Uma Linda Mulher (Pretty Woman, 1990), o grande sucesso de bilheteria do gênero na década, ou Shakespeare Apaixonado (Shakespeare in Love, 1998), o mais premiado pela crítica nesse período, vamos nos voltar para uma seleção mais modesta de alguns filmes que, grandes ou não, conquistaram um espaço nos corações irremediavelmente apaixonados de plantão durante os anos 90.

Benny & Joon - Corações em Conflito (1993)

Ainda com ecos do que foram as comédias românticas dos anos 1980, focadas em adolescentes ou jovens adultos desajustados e fora de qualquer padrão de popularidade e beleza, Benny & Joon se destaca principalmente pela química bizarra, mas muito funcional, entre Johnny Depp e Mary Stuart Masterson. A presença de uma terceira pessoa como ponto de equilíbrio entre o casal, vivida por Aidan Quinn, completa essa história que evoca a fisicalidade das comédias do cinema mudo e enaltece o amor como um elemento de ordem e sintonia em um mundo habitado pelas pessoas irreversivelmente danificadas pela solidão de ser diferente.


Sintonia de Amor (1993) e Mensagem Para Você (1998)

Impossível falar de comédias românticas dos anos 1990 sem citar o casal 20 da década. Não, não falo de Richard Gere e Julia Roberts, mas sim de Tom Hanks e Meg Ryan, que já haviam se encontrado antes em Joe Contra o Vulcão (1990), mas que só fizeram sucesso de fato quando se cruzaram por manobra do destino no Empire State Building, nos momentos finais de Sintonia de Amor, uma das histórias mais adoráveis do cinema romântico da década, na qual o casal principal mal contracena, mas o tempo todo emana uma química transcendental. Não contente com tamanha afinidade, a diretora Nora Ephron voltaria a usar o destino como ferramenta para unir esses dois em 1998, com Mensagem Para Você, um filme ainda mais adorável e emocional, que o tempo todo se comunica com o anterior através de diálogos complementares, músicas em comum na trilha sonora, e o plot do casal que se apaixona sem de fato se conhecer. Evocando clássicos como Tarde Demais Para Esquecer (1957) e A Loja da Esquina (1940), essas duas comédias românticas sobrevivem apenas do amor no sentido mais ingênuo e old fashion do cinema americano, com o tão sonhado beijo ocorrendo somente na cena final.


Só Você (1994)

Algo de muito mágico e especial ocorreu no momento de encontro de Robert Downey Jr. e Marisa Tomei na comédia romântica Só Você. É fato que, em um filme do gênero, mais de 50% do fator de sucesso se encontra na afinidade do elenco, e nesse ponto o filme acabou tão famoso que os atores ficaram para sempre atrelados um ao outro na mente do público. Se eles já haviam contracenado em Chaplin (1992) e voltariam a se ver no Universo Marvel mais de duas décadas depois, é em Só Você que Marisa e Robert passam mais tempo juntos em cena e se eternizam como um casal especial do cinema. Talvez o filme force a barra no romantismo e pieguice, mas quem resiste a uma dose extra quando o assunto permite tanto sonho e paixão?


A Teoria do Amor (1994)

De tão complicado, o amor chega a confundir um gênio absoluto como Albert Einstein na divertida romcom A Teoria do Amor, estrelada por Meg Ryan. Nesse universo reimaginado, a sobrinha do famoso físico (vivido por um inspirado Walter Matthau) está tão absorta em suas pesquisas acadêmicas, que mal percebe estar perdendo tempo com um noivo metódico demais e britânico demais. Cabe a Einstein abrir os olhos dela para além dos cálculos e fórmulas e fazê-la perceber que o verdadeiro amor está na figura do mecânico bronco e doce que a ama de verdade, vivido por Tim Robbins. Apenas um dos muitos romances bobinhos estrelados por Ryan na década, como Surpresas do Coração (1995) e A Lente do Amor (1997), esse se destaca pelo argumento criativo e pela busca por um cinema ingênuo há muito perdido.


Enquanto Você Dormia (1995)

Lucy, a personagem de Sandra Bullock, deve ser a mais representativa protagonista típica de uma comédia romântica noventista. Mora numa cidade grande, mas em um apartamento minúsculo, tem um emprego ok, poucos amigos, e vive uma rotina pequena, sem grandes emoções. Dentro de si, no entanto, sonha em conhecer o mundo, e quem sabe se casar com o cara bonitão que encontra todo dia na estação de trem, mas que nem repara em sua existência. O destino dá um literal empurrãozinho e Peter, o homem de seus sonhos, cai nos trilhos, de modo que ela, sem pensar, salta atrás dele e o salva de ser atropelado. Enquanto Peter está desacordado e se recuperando do acidente, Lucy acaba se apaixonando pelo irmão dele, Jack, vivido por Bill Pullman. Casal improvável em um filme simples e piegas, Bullock e Pullman encarnam tão bem o tipo comum que convencem qualquer um a comprar o absurdo do argumento. Reside nessa simplicidade a mágica que o cinema operava em produções do tipo.


Feito Cães e Gatos (1996)

Uma protagonista impensável, a Abby de Janeane Garofalo é a mulher moderna em sua totalidade: independente, autossuficiente, bem sucedida no emprego, mas ao mesmo tempo insegura com a própria imagem. Radialista de um programa veterinário, sua voz conquista o coração de um cara bonito e amante de animais, mas a insegurança dela a obriga a pedir que Uma Thurman assuma sua identidade no encontro face a face com ele. Enquanto sua amiga conquista o coração de seu amado fingindo ser ela, Abby é obrigada a viver seu grande amor por trás de uma máscara. Com uma protagonista fora do padrão de beleza vendido por Hollywood, fica difícil não se identificar com o drama dela nessa linda e engraçadíssima história de autoaceitação.


Rosas da Sedução (1996)

Um dos títulos mais desconhecidos ou pouco lembrados dentre as comédias românticas dos anos 1990, o independente Rosas da Sedução conta com Christian Slater e Mary Stuart Masterson em um romance inesperado entre um florista e uma jovem executiva. O que começa como um plot típico de qualquer historieta romântica, logo se revela um estudo sobre o passado de cada um e o que os levou até aquele momento. As flores, tão simbólicas em qualquer filme do tipo, se chocam com a percepção prática e realista que o filme insiste em trazer para o gênero, e a concepção visual caprichada finaliza a atmosfera apaixonante dessa história de amor.


Um Dia Especial (1996)

Etérea e adulta demais para encarnar a protagonista de uma comédia romântica, Michelle Pfeiffer surpreende no papel de uma mulher que tenta equilibrar a maternidade e a carreira ao longo de um dia estressante em Nova York, em que tudo o que pode dar errado acaba dando. Quando seu caminho se cruza com o de George Clooney, também na pele de um pai solteiro, o campo de batalha se arma e os dois passam a maior parte do tempo mais trocando farpas do que demonstrando qualquer sinal de afeto ou interesse. Nesse argumento manjado de casal que começa se odiando para depois se descobrir apaixonado que o filme se estabelece e tira suas maiores sacadas, sempre em um ritmo frenético que acompanha a correria dos dois, que não param um minuto para assimilar que ás vezes a vida dá um jeito muito louco de colocar alguém importante em nosso caminho no momento mais inesperado.


O Casamento do Meu Melhor Amigo (1997)

Embora tenha ao longo da década reinado em filmes como Uma Linda Mulher (1990), Noiva em Fuga (1999) e Um Lugar Chamado Notting Hill (1999), Julia Roberts brilhou mais nesta que deve ser a melhor das comédias românticas dos anos 1990. Ao interpretar uma protagonista atípica, que age na verdade como vilã da história, Roberts esbanjou carisma e sentimento ao tentar recuperar o amor de seu melhor amigo, que está de casamento marcado com uma patricinha de Illinois. As falcatruas e sabotagens que Julianne trama para impedir o casamento sem deixar transparecer suas verdadeiras intenções dá origem a um show de humor, principalmente a partir do ponto que ela envolve o melhor amigo gay no rolo. Elenco afiado, trilha sonora inesquecível, coadjuvantes engraçadíssimos, uma atriz principal em seu auge de carisma e beleza, e momentos de genuína emoção e afeto fazem deste um dos filmes mais completos e amados do gênero.


A Razão do Meu Afeto (1998)

No auge de sua carreira como a protagonista Rachel Greene, da sitcom Friends, Jennifer Aniston tentava em paralelo decolar no cinema em comédias românticas de fácil apelo, como Paixão de Ocasião (1997) e este A Razão do Meu Afeto. Diferente dos outros filmes citados nesse artigo, no entanto, sua personagem calha de se apaixonar por um cara sensível, bonito e íntegro, mas que no fim das contas não se mostra o homem ideal. O mocinho vivido por Paul Rudd pode ter todas as qualidades do mundo, mas não serve para Aniston pelo pequeno detalhe de ser gay. Por tratar de uma amizade que a todo tempo ameaça ser rompida pela vontade de uma das partes em avançar para algo além, o filme aborda de forma sensível as relações entre amigos e a aceitação da sexualidade do próximo. Ao mesmo tempo, mostra também que nem sempre o amor da nossa vida precisa ser necessariamente um amor romântico.

Comentários (1)

Pedro | quarta-feira, 16 de Outubro de 2019 - 17:29

eu gosto de comédias românticas quase tanto quanto o Heitor, mas se tem um filme que eu não consigo gostar é Sintonia de Amor. O mais legal nelas é a interação entre o casal protagonista e acho que nesse só tem 3 minutos em que a Meg Ryan e o Tom Hanks contracenam. muito sem graça.

E uma que devia ter feito a lista é Frankie and Johnny, Al Pacino e Michelle Pfeiffer. uma jóia esquecida.

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