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Artigos

Os grandes filmes do streaming em 2020 (até agora)

2020 não será igual a qualquer outro ano da nossa geração. Por todos os motivos já sabidos nesse momento, estamos afastados dos cinemas e mais, dos lançamentos dos cinemas; já faz mais de 4 meses que não há nenhum, algo sem precedentes desde... bem, desde que o Cinema foi criado.

Mas se estamos quarentenados há mais de 120 dias, teve uma fatia do show business que não nos deixou na mão esse ano e se preocupou nesse momento de crise mundial para tentar amenizar o isolamento são as plataformas de streamings e os canais a cabo, como um todo. Se estamos nos acostumando a uma cachoeira de produções vindas desses lados cada ano mais, essa temporada não foram apenas as séries responsáveis pelos debates (agora, estritamente virtuais) e a renovação do quadro de novidades cinematográficas. 

Vamos falar a verdade: nesses primeiros seis meses de 2020, fomos apresentados a filmes de todo o mundo, fenômenos de público inexplicáveis, outros completamente compreensíveis, astros e estrelas embarcando em propostas amplas de entretenimento e novidades que impressionaram. 

Nós do Cineplayers passamos o mês pensando e discutindo uma lista de destaques de inúmeras dessas produções, e, em meio a uma lista de 22 títulos que não podemos perder e que estrearam esse ano, separamos a metade para uma seleção comentada de 12 destaques incríveis que elevaram o nível dos filmes e dos lançamentos da temporada. 

Esperamos que gostem das dicas e dos textos de apresentação que montamos sobre esses títulos.


Casamento Sangrento

Plataforma: Telecine

Noiva inventa de casar com garotão rico e descobre que a excentricidade da família vai muito além do que a própria semântica da palavra afirma. A obra parte para um caminho de sarro para com a opulência de uma nobreza absolutamente esnobe banhada por uma psicopatia que justifique sua riqueza. Com muito deboche. Desde o acompanhamento inicial do casamento com música clássica ao humor ácido regado a sangue. Como se esta nobiliarquia fosse alimentada paulatinamente por uma estrutura velha e malditamente tradicional. Concernente naquilo que possuem. Não aprofunda nos temas citados acima – e nem precisa – e opta pelo humor acreditado como inveterado e busca fazer um misto do tradicionalismo citado com linhas modernosas da contemporaneidade, tanto em algumas músicas quanto nas ações dos personagens, sem encontrar um equilíbrio nisso tudo. A boa dose de violência diverte, mas não o suficiente para sustentar todo o humor proposto. Destaque para a fotografia entre o sépia e o verde lodo, dando uma aparência de algo nobre, tal qual uma pintura barroca dum Rembrandt, e tal como um esgoto asqueroso cheio de ratos no lodo.

Ted Rafael


Destacamento Blood

Plataforma: Netflix

Uma visão escrota acerca do racismo na guerra do Vietnã. Com a sagacidade do discurso do diretor aliada às escolhas estéticas grosseiras, e excelentes, que ele propõe. A linguagem usada em prol do discurso. Nada é mais sagaz que este último no cinema do Spike Lee. O racismo introjetado nos conflitos e como a carne negra se esfacela dentro destes. Lee mete fotos e vídeos de arquivo de forma crua, sem vernizes estéticos e alisamentos outros, uma escolha pela objetividade da informação e do choque. Lembrando, claro, da escolha para com a razão de aspecto da imagem, vilipendiando-a em três frentes. Entre o conflito vietnamita – num velho super oito abarrotado de ruído – propriamente dito no passado (4:3); o presente na chegada ao Vietnã (com toda luta de cores extravagantes e a guerra na cultura pop) após tantos anos e antes da nova missão (7:3); e a junção numa terceira frente (16:9) como uma permanência histórica brutal – com a secura sentida no inferno revisitado pelos personagens num equilíbrio de cores entre passado e presente. O resgate do descalabro. Com a imagem servindo como uma moldura da história, que caminha aos passos das escolhas obrigadas a serem tomadas que mostram na carne suas consequências. Tanto que a permanência histórica citada é crítica além da micro-história dos caras em sua empreitada, mas, sim, ainda refém de um racismo institucionalizado remanescente independentemente de qual garotão esteja no poder.

Ted Rafael


Happy Old Year

Plataforma: Netflix

Uma designer que preza pelo minimalismo: é interessante que o cineasta tailandês Nawapol Thamrongrattanarit (!) parta de um elemento contemporâneo tão específico e construa toda a sua história em torno disso, e com sucesso. O minimalismo pregado pela protagonista Jean está em suas vestes (uma blusa branca e uma calça escura sempre iguais) e, de forma crítica, na secura com que ela passa a encarar a vida como consequência de uma sucessão de traumas — que deriva de laços familiares e desaguarão em sua vida amorosa, em sua personalidade, em sua amargura. Assim, o que começa como uma satirização da figura dos acumuladores (e dos realities que exploram esse nicho) logo se transforma num olhar severo sobre os coaches de ambientes que pregam o desapego material de forma radical e soberba e evolui para uma reflexão que associa matéria e memória, que confronta passado e modernidade, e toma posição ao retratar a personagem principal como uma pessoa tão mal resolvida, incapaz de lidar com suas questões, mas também absolutamente humana. A abordagem minimalista do diretor e roteirista tailandês modula toda essa narrativa em tempos baixos, conflitos sutis, um drama bastante intimista e personagens que revelam suas complexidades (e falhas) nas frestas do texto e das interpretações de seu bom elenco. Happy Old Year é, enfim, um belo filme que fragiliza a ideia de que a Netflix só comporta tipos específicos de títulos e que seu catálogo não é versátil. Títulos orientais em especial têm proporcionado boas surpresas em seu garimpo. 

Rodrigo Torres


Indianara

Plataforma: Telecine

Documentários centrados em personalidades políticas frequentemente se colocam diante de um risco histórico e ideológico que faz parte do jogo de colocar essa figura em cena e de permitir que tanto a personagem quanto seu entorno performem a si mesmos para as lentes de um autoproclamado realismo. Indianara, dirigido por Marcelo Barbosa e Aude Chevalier-Beaumel, enfrenta esse risco. Focado na militante Indianara Siqueira, travesti e educadora, o filme passeia por entre as transformações políticas do país entre os anos de 2016 e 2018 e as movimentações de uma militância travesti no Rio de Janeiro. Mais do que o filme de uma personagem, Indianara é a escrita de um momento histórico muito particular, o princípio de uma das maiores crises ideológicas da história do país. Inteligentemente, a montagem reconhece esse aspecto de passagem histórica ao articular diferentes acontecimentos em uma linha temporal nem sempre linear, ao mesmo tempo que estabelece a Indianara em cena como uma personagem em contínua posição política, uma posição que ela agencia antes de o filme começar e que continuará ocupando após a última cena.

Cesar Castanha


Joias Brutas

Plataforma: Netflix

Deve ser dos grandes filmes recentes a evocar em toda a estrutura narrativa o mundo caótico de um personagem: as coisas nunca param em Uncut Gems; diálogos são amontoados em cima uns dos outros; personagens se recusam a ficar muito tempo no mesmo lugar, sempre em movimento; a tensão está sempre prestes a explodir; expectativas são criadas e quebradas a todo instante; tudo isso porque o protagonista vivido por Adam Sandler é exatamente assim. É um trabalho primoroso do uso da câmera, música, sons ambientes, movimento dos atores e etc para criar esse reflexo quase perfeito da vida do personagem na mise-en-scène. E apesar de chegar um momento em que o acúmulo de acontecimentos deixe claro que não haverá forma de tudo se resolver para o personagem do Sandler (ainda não falei o quão imenso ele está aqui? Está gigante!), até por ele nem ao menos querer que algo se resolva, e pareça que o final de sua jornada será trágico, Uncut Gems é surpreendentemente otimista já que o protagonista vence ao fim do filme, alcança seu único objetivo (que jamais foi a grana em si) que era ter a aposta vencedora  daí sair de cena com um sorriso no rosto. Ele venceu e não poderá arriscar a vitória em busca de outra em uma nova aposta, o Howard Ratner ficou para a posteridade como vencedor e ponto.

Pedro Lubschinski


O Rei de Staten Island

Plataforma: VOD

Certa vez, em uma entrevista sobre seu processo criativo, Judd Apatow disse que a primeira versão de seus roteiros nunca traz nada de comédia. Seu foco inicial está nos personagens, na história, em tornar o arco dramático interessante para os espectadores. As piadas vêm depois, nas versões seguintes. Essa maneira de trabalhar fica clara em cada um de seus filmes, que, mesmo trazendo personagens que beiram a caricatura, jamais adentram na seara do escracho e do lugar-comum. O Rei de Staten Island é mais um exemplo disso. Nas mãos de outro cineasta, a história do jovem com Síndrome de Peter Pan facilmente derraparia em piadas grosseiras e em personagens que jamais poderiam existir na vida real. Apatow, porém, é hábil ao evitar os clichês e transformar aqueles personagens em pessoas verdadeiras, vivendo situações críveis. Sempre que achamos que o filme pode se tornar um mero besteirol, o cineasta dá um passo atrás e insere um momento humano e verdadeiro, mostrando que estamos diante de uma obra que realmente tem uma história para contar. Apoiado em uma atuação bastante centrada de Pete Davidson, O Rei de Staten Island é um filme divertido e sensível, que toca pela honestidade e escapa com talento das armadilhas do gênero. Muito provavelmente, o trabalho mais sólido de Judd Apatow em anos.

Silvio Pilau


Resgate

Plataforma: Netflix

Resgate é mais uma prova do quanto os Irmãos Russo se tornaram "valor de produção" para o cinema de entretenimento ainda que os novos produtos tenham impacto mais diluído que os projetos que os colocaram no mapa (a série Community e os quatro filmes para a Marvel). E após assinarem a produção do thriller policial Crime Sem Saída e do terror dramático Relic, Joe Russo assina o roteiro desse Extraction, filme de ação que aposta no filão de John Wick  ou seja, pouca história, muita ação. Nenhum demérito aí, é claro. Também à moda dos filmes de Keanu, a produção é comandada por um dublê (Sam Hargrave, em seu debute cinematográfico), que torna o modo como os conflitos se resolvem altamente encenados, historietas violentas muitas vezes mais interessantes que seu miolo central. Russo começa pegando pesado, prometendo uma atmosfera perigosa e violenta e pouco alívia para o protagonista interpretado por Chris Hemsworth (Thor: Ragnarok). É imperfeito, tem suas derrapadas no ritmo (a participação de David Harbour "breca" o ritmo insano que o filme seguia até então) e o alucinado plano-sequência não é tão impressionante assim por abusar um tanto da computação gráfica (o que tira o realismo de tal proposta de filmagem), mas, entre (muitos) mortos e (inúmeros) feridos, Resgate honra a estampa do seu gênero com uma ultraviolência estética que incomoda positivamente desde a primeira cena.

Bernardo Brum


Sob o Sol do Oeste

Plataforma: Telecine

Há muita coisa interessante nesse Sob o Sol do Oeste, filme menor em um gênero hoje quase infértil e que, se não fosse a ascensão do streaming e as oportunidades criadas pela pandemia que se alastrou por 2020, provavelmente não teria a mesma visibilidade. A primeira talvez seja sua estética na imagem, que, entre planos abertos de montanhas desérticas e lagos verdes e férteis a que o faroeste já está acostumado, constrói paisagens interessantes e não tão comuns a ele, tais como um mar agitado em que o protagonista desembarca no Oeste ao invés dos tradicionais meios. A segunda é unir o que é clássico ao gênero com a modernidade de uma narrativa mais jovem e ágil, sempre em busca de surpresas para manter o interesse e de acontecimentos que subvertam expectativas para construir uma história menos linear e mais inesperada. E a terceira é popular, este Oeste menos grandioso com algo mais pessoal e de fácil identificação, tal como o amor de um homem que tenta resgatar sua noiva sequestrada – mas, claro, sem nunca ser tão simples assim. A cereja do bolo são atores jovens e talentosos, tais como Pattinson e Wasikowska. Não reinventa a roda e não tem metade da pretensão dos maiores westerns já feitos, mas pelo menos tem muita identidade e diverte do início ao fim.

Rodrigo Cunha


Tempo de Caça

Plataforma: Netflix

A Coreia do Sul é uma máquina. Após passar um ano varrendo o globo com o fenômeno Parasita, o país nos apresenta o jovem autor Sung-Hyun Yoon, que constrói com pulso uma narrativa non-stop de fluxo impressionante sem deixar de montar uma metáfora muito contundente sobre a natureza do medo irracional. Quando um grupo de amigos assalta uma casa de apostas num futuro próximo coreano, eles não sabiam que estariam mergulhando em universo de desconfiança, perseguição, perigo e uma sensação ininterrupta de ameaça que eles não conseguem medir. Ou mesmo ver. Em processo de desespero crescente, o filme articula uma reflexão sobre decadência social e moral mergulhada em adrenalina constante, com um senso estético primoroso cuja ênfase nos tons de vermelho esquentam e ameaçam todos os ambientes. Montado e fotografado com mestria, Tempo de Caça radiografa a escalada da violência em paralelo ao sutil retrato da melancolia diante da decadência. Saiu do Festival de Berlim merecidamente louvado.

Francisco Carbone


Tropa Zero

Plataforma: Prime Video

É por causa de filmes como Tropa Zero que meu amor pelo cinema nasceu e perdura até hoje. Sensação em Sundance e rapidamente adquirido pela Amazon Studios, trata do universo infanto-juvenil de maneira muito honesta e sensível. No caso, sobre uma jovem solitária cercada de adultos fracassados e que sofre bullying pela fama de urinar na cama. A leitura sobre a sociedade como estrutura vem de uma pequena cidade nos EUA, onde há os grupinhos favorecidos que vivem e se beneficiam de aparências, excluindo aqueles que não se enquadram nos padrões vendidos da American Way of Life dos anos 70. Christmas Flint cria uma relação com os astros no céu na esperança de ser ouvida por alguém, não importa se distante ou em outro planeta. É quando a NASA decide enviar as Vozes da Terra ao espaço e nossa carismática protagonista vê com empolgação a chance de finalmente poder deixar de ser invisível, unindo-se a outros excluídos como ela, cada um com sua característica única. É interessante como a narrativa sempre dá um passo à frente na construção de universo, dramas e personas, no contraste entre a grandiosidade do universo com o mundo em particular das crianças, entre o sonho de quando se é jovem versus a desilusão do mundo real adulto, fazendo com que isso tudo se encaixe bem em um final verdadeiramente emocionante.

Rodrigo Cunha


A Vastidão da Noite

Plataforma: Prime Video

Guardem esse nome: Andrew Patterson. Um estreante em todos os sentidos, ele dirigiu, montou, produziu e escreveu junto do igualmente calouro Craig Sanger uma pérola de sugestão, criatividade e amor ao audiovisual, como um todo – e também ao áudio e ao visual, essas mídias em separado. É um daqueles raros momentos em que o espectador se sente feliz ao observar um prato tão arrojado e ao mesmo tempo tão acessível, cujo artesanato requintado não apaga o estado de tensão que cria no público, e vice-versa. Herdeiro direto de programas como Além da Imaginação e absorvido por um imenso coração que pulsa no ritmo que sua dupla de protagonistas envolve a narrativa, A Vastidão da Noite poderá no futuro ser apontado como um trabalho de estreia exemplar. Ao misturar de maneira singela e absolutamente humana uma crônica de costumes do passado que gradativamente se transforma em uma jornada pelo desconhecido, a produção do Amazon Prime surpreende por sua riqueza técnica em todas as áreas, ao mesmo tempo em que nos faz reféns do carisma que explode de sua dupla principal, nunca desfazendo dos seres para privilegiar a ação; tudo funciona porque há atenção equilibrada para tudo.

Francisco Carbone


Ya No Stoy Aqui

Plataforma: Prime Video

Ya No Estoy Aqui é um filme que vai buscar através da dança, como a própria Kolombia de Monterrey propõe, um encontro com o cinema de Victor Gaviria. Toma para si não somente o ritmo musical do país sulamericano, mas o caminho cinematográfico que Rodrigo e seus amigos sem futuro ocupam nas ruas da Colômbia dos anos 90. Fernando Frias apodera-se da dança para construir a identidade de um personagem complexo, completamente agarrado a suas raízes. Apesar disto, o sistema o fantasmagoriza, não valoriza a sua própria cultura. Ao contrário, tem nele a figura de mais um de seus monstros obrigado a seguir o padrão da miséria imposto aos excluídos. Ya No Estoy Aqui aqui significa a insistência dos “terkos”. A única forma de resistência. Desde o começo Frias declara "Terkos para siempre". 
A arte é a forma de representar a teimosia de um povo massacrado pelo esquecimento, e explorar os limites impostos pelo despertar destes jovens sonhadores.
 A proposta imersiva na cultura marginal de Monterrey deixa consigo uma série de perguntas, mas a mais vital delas é: quantas armas ainda calarão o ritmo dos Rodrigos, dos Ulisses e dos Benés do nosso continente?

Igor Guimarães


Outras dicas:
  • 7500 (Prime Video)
  • Aeroporto Central (VOD)
  • As It Was (Telecine)
  • Atleta A (Netflix)
  • Crip Cramp (Netflix)
  • Ninguém Sabe Que Estou Aqui (Netflix)
  • Pequenos Monstros (Telecine)
  • Rédeas da Redeção (Telecine)
  • Revelação (Netflix)
  • Você Nem Imagina (Netflix)

Comentários (7)

Carlos Eduardo | terça-feira, 28 de Julho de 2020 - 12:42

Destacamento Blood pra mim acima de todos do streaming que assisti, mas a lista deu uma dicas bem legais.

Pedro Henrique | sábado, 01 de Agosto de 2020 - 02:09

Happy old year não está no site?

Adorei a dica, ótimo filme e perdido no algoritmo da netflix para mim kkk

ISRAEL ACORDI DO NASCIMENTO | sábado, 01 de Agosto de 2020 - 04:36

Happy Old Year precisa ser cadastrado no site. Por sinal, eita filme lindo da porra.

Herbert Engels | terça-feira, 04 de Agosto de 2020 - 15:37

Levando em consideração o como essa pandemia pontuou os serviços de streaming para um passo inevitável do áudio visual no meio CINEMAtográfico (na sua cara acadêmia)... se algo desse naipe passar vai ser um último pregão dos cinemas aqui do Brasil:

https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/08/04/ministerio-da-economia-se-diz-favoravel-ao-fim-da-meia-entrada.ghtml

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