E então saiu um dos filmes mais aguardados do ano. Também pudera, depois de dirigir o longa mais adorado por boa parte dos cinéfilos em 2008, “Batman – O Cavaleiro das Trevas”, as expectativas para o novo trabalho de Christopher Nolan não poderiam ser outras. Desta vez, ele aposta numa trama de ficção científica que mistura sonho e realidade.
Conta a história de um homem capaz de invadir a mente das pessoas para roubar segredos do subconsciente durante o sono. Visado pelo mundo da espionagem, ele agora é um foragido que para ter a chance de retornar aos Estados Unidos e reaver a guarda de seus filhos, aceita um trabalho diferente: em vez de pegar um segredo, ele deve implantar uma idéia na mente do herdeiro de uma mega empresa.
Pois bem, a verdade é que Nolan decepciona na direção no que diz respeito à elaboração do mise-en-scene, pois é i-dên-ti-co ao de “The Dark Knight”. É impressionante, a fotografia escura, as tomadas aéreas com fundo musical (Paris à noite parecia Gotham City!), os enquadramentos, os closes (nos mesmos momentos, esperando os mesmos tipos de fala e reação), a câmera que pouquíssimas vezes pára de se mexer completamente, a edição (personagens conversando / ação ocorrendo), a trilha sonora (parente bem próxima) e a forma como é usada (sempre ali como pano de fundo, na mesma batida), tudo executado de forma tão igual ao “Cavaleiro das Trevas”, que o déjà vu é inevitável, a impressão é que "Inception" é um irmão gêmeo. Não que seja ruim, pois o objetivo é alcançado: a ação ininterrupta e a mistura de sonho e realidade funcionam bem. Mas não deixa de ser um trabalho visivelmente preguiçoso e sem inspiração, onde fica evidente que Nolan leva muito em consideração o ditado: “Em time que está ganhando não se mexe”; ou simplesmente que já mostrou tudo o que sabe fazer. O que piora a situação é justamente o fato de o antecessor ser um filmaço. Em “Batman”, todos os fatores de composição supracitados (manejados de forma que não haja perda de ritmo em momento algum) atingiram e representaram o auge da carreira e do estilo do diretor. Aqui ele ainda investe em artifícios visuais bacanões, tais como a cidade dobrável, a falta de gravidade, que são bem legais, mas só tentam ofuscar o resto comum (e até conseguem por alguns momentos).
Se em termos de direção ele se repetiu, no texto ele continuou na linha. As características e elementos que ele gosta de trabalhar estão lá (o herói envolvido em dilemas nos quais está o seu affair; a cartase; os diálogos que não perdem o pique; a valorização dos coadjuvantes; etc.), e inseridos em mais uma boa proposta (apesar de não ter praticamente nada de original, chupando um bocado da obra-prima "Paprika", de Satoshi Kon) bem desenvolvida. O as da questão é que aqui não há uma força-motora tão avassaladora e interessante quanto um Coringa, que deu margem a inúmeras reviravoltas (surpreendentes) e possibilitou a abordagem de diversos assuntos trabalhados em cima de cada personagem, o que fez de The Dark Knight a trama avalanche tão deliciosa que é.
E as qualidades do seu texto permaneceram. Nolan conduz bem a história, trabalha corretamente seus personagens, constrói a atmosfera de mistério (não tão bem quanto em “O Grande Truque”, diga-se de passagem), entretanto termina da mesma maneira que muitos e muitos outros (deixando aberto a interpretações e reassistidas). Mas é no núcleo envolvendo o passado do protagonista que ele tem seu momento mais feliz, onde levanta questões interessantes (a utilidade do método do sonho conjunto e que conseqüências ele poderia trazer) e melhor se utiliza da manipulação.
No elenco, Leonardo DiCaprio está muito melhor em “Ilha do Medo”; Joseph Gordon-Levitt é a cara do Heath Ledger; Ken Watanabe, Ellen Page e Cillian Murphy vão bem; mas quem brilha novamente é Marion Cottilard (homenageada pelo diretor através da canção da Edith Piaf que lhe rendeu merecidíssimos prêmios, inclusive o Oscar), mas não poderia ser diferente, sendo a mais talentosa do elenco e interpretando o melhor personagem.
Com uma boa premissa (apesar de derivar de muitas outras), Nolan repete tudo o que fez em seu trabalho anterior (sem nada a acrescentar além de algumas firulas) e entrega um filme que poderia ter sido muito melhor não fosse a sua falta de vontade (ou mesmo incapacidade) de mudar minimamente que fosse a forma (visual e narrativa) de contá-la, mas que vale a pena principalmente pelos minutos finais, bastante divertidos. Entretanto, “Ilha do Medo” continua sendo tranqüilamente o melhor filme de mistério do ano.
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