A condução enigmática.
Quando uma pessoa possui uma elevação na sua carga mental, seja por trabalho ou por conflitos pessoais, sua mente se transporta para um lugar onde a truculência a domina, levando a mesma a fazer decisões incomuns sobre sua forma de viver. E o personagem principal de "Filme Demência" , acaba cruzando sua mentalidade com ambos os motivos que levam as pessoas a surtarem sobre a realidade e confundir esta com o surreal. Fausto é um industrial de cigarros falido, que por vez acaba sendo exilado de casa por sua esposa, e por si só, cria momentos caóticos que conduzem tanto ele, como nós espectadores, a um universo que se constitui da já citada truculência, mas também de demência, mas uma demência que ora se aparece de forma sutil, e ora de forma conturbada. E talvez o "charme" da obra de Carlos Reichenbach seja isso, as contradições geradas pelo personagem principal formam um roteiro que nos cria um ideal sobre o mesmo, mas depois desmente e transpõe nossas ideias para um complexo quebra-cabeças. E esse consegue ser enigmático na melhor medida, até chegar a um ápice narrativo que poucos filmes nacionais souberam fazer.
Fausto encontra, como na lenda, Mefisto, aparecendo-se entre distintas personalidades, enclausurando ainda mais Fausto e os espectadores para o seu cubículo de demência, que se diminui ao decorrer da trama, nos deixando cada vez mais presos nas mentiras e paradoxos criados por Fausto, criando momentos de alta tensão e aflição. E talvez seja isso o poder do cinema de Reichenbach, o poder da dúvida, recessão da mente e corpo, e o poder de desmentir sua trama de maneira constante, sem que nos cause desinteresse.
A estética de direção e narrativa se apresentam de um modo que eleva o nível de perturbação, mas sempre abrindo uma brecha para que nos tornamos viciados na mesma, de forma que os espectadores não se sintam afastados pela trama, deixando-os consciente sobre a mesma, sempre de forma surreal. O surreal domina o universo da trama e seu desenvolvimento esplendoroso é talvez o que forma a opinião emblemática que temos sobre ela, sendo construído e desconstruído de forma natural e ao mesmo tempo sofre uma metamorfose perturbada por ações estapafúrdias.
As atuações nos fazem crer na desesperança de Fausto na busca por sua consciência que se mantém perdida de forma deliberada pelo roteiro do filme, conseguindo guia-lo a uma jornada construída na base de decisões inconscientes, e principalmente por sua fúria dúbia pelos costumes de uma vida normal.
É o tal do cinema louco, o cinema de indefinições de trama, o cinema de dúvida, o cinema de critica minimalista, o cinema de perfil pitoresco, o cinema de final surpresa, o cinema de poesia grotesca, o cinema de..., bem, o cinema que constitui Filme Demência. E este constitui o que chamamos de puro cinema brasileiro de qualidade.
Genial...