“Por favor, aceite o mistério”. Esta frase norteia o filme dos irmãos diretores Joel e Ethan Coen. Indicado a dois Oscars nas categorias de Melhor Filme e Melhor Roteiro Original em 2010, “Um Homem Sério” é uma comédia de humor negro, que testa a paciência do seu protagonista, o professor Larry Gopnik, numa interpretação magnífica do desconhecido Michael Stuhlbarg, ao mesmo tempo em que critica o racionalismo exagerado e as explicações religiosas.
O filme inicia com uma parábola judaica sobre um casal que se encontra com um “dybbuk”, que segundo o folclore judeu, é um espírito maligno que possui o corpo dos homens mortos. Os diálogos travados entre o marido e a esposa mostram o que está por vir no filme, um constante debate entre o ceticismo e a crença nas tradições da religião judaica. Quando o dybbuk vai embora da companhia do casal, vai com ele toda a possibilidade de resposta, já mostrando ao espectador que ele deve aceitar o mistério.
Ambientado em 1967, nos Estados Unidos pré-explosão da contracultura, o professor de física da Universidade de Midwestern, Larry Gopnik, acha que tem tudo que um homem sério deve ter, um emprego estável, uma esposa que cuida da casa (ao mesmo tempo em que tem um amante), dois filhos em boas escolas (que geralmente estão trocando farpas), um irmão problemático (que mora junto com ele), além de freqüentar uma sinagoga, e morar numa comunidade judaica rígida.
Após descobrir uma quantia de dinheiro em um envelope supostamente deixado por um aluno asiático que necessita passar em sua matéria para continuar a ter uma bolsa de estudos, a vida de Larry vira de cabeça para baixo. Sua esposa, Judith Gopnik (Sari Wagner Lennick), conta que tem um amante, o companheiro de trabalho e de sinagoga de Larry, o efusivo Sy Ableman (Fred Melamed). Judith pede para que Larry e o irmão deixem a casa, além de exigir um divórcio dentro da religião, para poder se casar de novo.
Enquanto isso, a filha mais velha, Sarah Gopnik (Jessica McManus), rouba dinheiro da carteira do pai para conseguir uma plástica no nariz; o filho mais novo, Danny Gopnik (Aaron Wolff), se prepara para o bar mitzvá, ao mesmo tempo em que precisa conseguir pagar o traficante da escola pela maconha, e o irmão de Larry, Arthur Gopnik (Richard Kind), atrapalha a vida de todos na casa, tentando terminar seu livro e sendo preso pela polícia.
A partir daí, Larry vai morar em uma pousada barata com o irmão, enquanto tem que manter o aluguel da velha casa para os filhos morarem. Simultaneamente, é ameaçado de processo pelo pai do aluno asiático, tem que lidar com a instabilidade emotiva do irmão, precisa pagar pelo bar mitzvá do filho mais novo, recebe cartas que comprometem sua integridade como professor, fica “chapado” com a ex-vizinha, a bela sra. Samsky (Amy Landecker) e tem que pagar o enterro de Sy Ableman, quando o amante de sua quase ex-esposa morre.
A desconstrução do personagem é inevitável diante de tantos acontecimentos que não parecem ter o mínimo de sentido na vida, antes tão regrada e previsível do cético professor de física, prevendo a explosão de contracultura que vai acontecer em 1968. Larry Gopnik é a sociedade conservadora norte-americana, que tenta encontrar coerência e ser resistente em um mundo agitado pelo psicodélico, pelo amor livre e por toda contestação de valores.
A última esperança de Larry é a religião. Ele tenta encontrar refúgio na sabedora dos rabinos, para poder entender o que está acontecendo na vida dele, apesar de escutar apenas histórias tão sem nexo quanto a sua própria vida atual. No bar mitzvá de Danny, seguindo o ritual judaico, o menino que acabou de se inserir plenamente na comunidade deve receber conselhos do rabino mais velho. “Quando a verdade é considerada mentira, e toda a alegria dentro de você morre” recita o velho rabino para Danny, a letra de “Somebody to Love” da banda de rock psicodélico Jefferson Airplane, coroando assim a falta de sentido, e mostrando de certa maneira, os novos tempos que estão por vir.
O final é tão misterioso quanto o começo e o meio, mas não deixa de ser magnífico como todo o filme. É o anúncio da total destruição e inovação, de uma maneira interna e externa. O 14º longa-metragem dos irmãos Coen não pretende dar resposta alguma sobre a vida de Jó que Larry Gopnik passa a levar, mas mesmo assim, continua brilhante, numa carreira já cheia de sucesso dos irmãos diretores, estando no mesmo patamar de filmes como “Queime depois de ler” e “E aí, meu irmão, cadê você?”.
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