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Críticas

Cineplayers

Bond totalmente reconstruído. Uma revolução para a clássica série.

8,5

Até 2002, quem entrava no cinema para assistir a um filme de James Bond sabia exatamente o que esperar. Durante quarenta e quatro anos, o espião mais famoso do mundo era sinônimo de cenas de ação exageradas e inverossímeis, vilões malucos com planos nada modestos, acessórios de última tecnologia, mulheres lindas e descartáveis e o eterno charme e elegância. Bond enfrentava todos os perigos sem estragar o penteado ou desarrumar o smoking.

Nada contra estas regras. Diversos filmes de Bond são extremamente divertidos – enquanto outros, diga-se de passagem. não passam de bobagens. No entanto, a franquia acabou adentrando num mundo quase fantasioso, onde as leis da natureza não tinham mais influência alguma. Assim, a série já tinha virado quase uma paródia de si mesma, na qual cada novo filme apenas fazia o espectador levar menos a sério as aventuras de Bond.

Por tudo isso, a franquia carecia de uma reformulação completa, de uma renovação aos moldes de Batman Begins ou Superman – O Retorno. E ela saiu muito melhor do que a encomenda. 007 – Cassino Royale é um filme diferente de qualquer outro da série, o que provavelmente vai decepcionar alguns fãs mais ardorosos do agente. O restante do público, porém, não terá motivos para reclamar.

Desta vez, tudo começa no início. A seqüência pré-créditos mostra como Bond conquistou sua licença 00 ao matar duas pessoas. Logo em seguida, ele é enviado à África para capturar um homem que pode conter informações sobre os verdadeiros responsáveis por financiar terrorismo no mundo. Após uma série de investigações, descobre-se que o principal suspeito, Le Chiffre, irá disputar uma multimilionária partida de pôquer em um cassino. Caso perca o jogo, Le Chiffre dará adeus à sua capacidade de investir e à confiança dos seus parceiros. Bond é enviado para jogar com Le Chiffre, sendo supervisionado por uma funcionária do Tesouro Britânico que derreterá o coração do agente.

Pela primeira vez em toda a história da série, há uma preocupação igual com o enredo, a ação e os personagens, construídos como nunca antes. A direção segura de Martin Campbell consegue equilibrar todos estes pontos e mantê-los sempre em alto nível, realizando uma obra que não é apenas o melhor filme de James Bond já produzido, mas uma grande obra cinematográfica por si só.

A proposta de 007 – Cassino Royale é fazer o espectador esquecer tudo o que se sabia sobre o personagem. Aqui, James Bond não é o melhor agente do mundo, que age com a razão e é praticamente infalível no que faz. O roteiro de Robert Wade, Neal Purvis e Paul Haggis consegue a façanha de transformar Bond em um ser humano. Em 007 – Cassino Royale, o espião se machuca, sangra, comete erros, sente medo e se apaixona. Como nunca antes, Bond aqui é um ser humano de verdade, que age diversas vezes pelo instinto e não consegue esconder seus defeitos.

Esta completa reestruturação de Bond traz a série para a realidade. Campbell deixa os carros invisíveis de lado e busca revelar quem é aquele homem capaz de arriscar sua vida para missões em nome de seu país. E o personagem realmente se arrisca. Em 007 – Cassino Royale, a idéia de que o espião sempre vai escapar ileso é deixada de lado. Bond, desta vez, é inconseqüente, um agente cuja autoconfiança é tamanha que ele parece esquecer do perigo que corre. Com isso, ele se machuca mais do que em qualquer outro filme da série e o personagem ganha maior dimensão. Quem diria que um filme da série seria um belo estudo de personagens?

Encarnando Bond como uma bomba prestes a explodir, Daniel Carig revela-se a escolha mais acertada para o papel. Sua virilidade e aspecto carrancudo transmitem constantemente um sentido de ameaça, como se a vida de todos ao redor do personagem estivessem em perigo. Ao mesmo tempo, Craig é eficiente nos momentos mais dramáticos, tornando-se um dos principais responsáveis por esta completa reestruturação do personagem.

Se o roteiro aborda o protagonista de modo diferente ao qual o espectador está acostumado, o mesmo pode ser dito da Bondgirl. Na realidade, Vesper Lynd não é uma Bondgirl propriamente dita. Seu papel não é apenas decorativo com outras mulheres deslumbrantes que passaram pela franquia. Lynd também é uma personagem bem construída, uma profissional extremamente capaz, embora ainda não preparada para o mundo violento no qual se mete. Campbell oferece boa parte da projeção para a personagem, tratando-a com sensibilidade, como na belíssima cena no chuveiro.

Dona de uma beleza estonteante (o que é o rosto dessa mulher na cena em que ela se maquia no espelho?), Eva Green foge do estereótipo das mulheres da série ao oferecer conteúdo a Lynd. Da mesma forma, ela convence o espectador de que Lynd seria capaz de conquistar o amor do até então inacessível agente – assumindo, portanto, um papel muito importante no filme, uma vez que o romance é ponto fundamental da história de 007 – Cassino Royale.

Mas talvez o ponto forte das atuações de Craig e Green seja a incendiária química entre os dois. A cada cena em que aparecem juntos, a tela parece se iluminar. Alguns dos momentos entre Bond e Lynd figuram entre os melhores de toda a série, com importantes – e inéditas – revelações sobre o personagem principal. É o caso, por exemplo, da primeira vez em que se encontram no trem e estabelecem um maravilhoso duelo de inteligência e sagacidade.

Claro que nestes momentos brilham também os ótimos diálogos elaborados pelos roteiristas. Sempre priorizando a inteligência e respeitando os personagens, as falas ajudam a estabelecer a dinâmica entre o casal, soando não apenas reveladoras de suas personalidades, mas extremamente divertidas de acompanhar. Isso graças ao sarcasmo devastador de Bond, repleto de falas memoráveis e sempre com uma resposta na ponta da língua. Como se não bastasse, os roteiristas ainda encontram espaço para se divertir com a mitologia da série: em certo momento, o agente pede um Martini e o garçom indaga se ele vai querer batido ou mexido. Bond só olha para ele diz: “E eu com isso?”.

Até o vilão de 007 – Cassino Royale não é o típico antagonista de Bond. Interpretado com frieza assustadora pelo dinamarquês Mads Mikkelsen, Le Chiffre não tem como objetivo conquistar ou destruir o mundo. Aliás, ele não é nem o verdadeiro objetivo da busca de Bond, mas acaba revelando-se um oponente quase letal para o espião. Le Chiffre, na verdade, não passa de um financiador de atos terroristas, uma motivação muito mais real e de acordo com a nova proposta realista do filme.

Realismo, aliás, é a palavra chave de 007 – Cassino Royale. Desde as brigas cruas e até desajeitadas, passando pelas cenas de ação que cansam e machucam os personagens e chegando à trama com os dois pés no chão, tudo parece possível de acontecer. É um fato novo e extremamente bem-vindo a uma série que se acostumou com o exagero.

Enquanto isso, as cenas de ação são nada menos que fabulosas. O realismo impresso por Campbell em cada fotograma de 007 – Cassino Royale reflete nos momentos com mais adrenalina do filme, aumentando a emoção por incutir no espectador uma verdadeira idéia de perigo. Por mais que se saiba que Bond sobreviverá, é a primeira vez que ele aparece realmente vulnerável. Em conseqüência, as cenas de ação resultam em momentos incrivelmente empolgantes e bem realizados. A perseguição a pé no início impressiona, assim como a seqüência no aeroporto (duas cenas que ainda destacam outra característica do novo personagem: a persistência).

Campbell, porém, não se destaca apenas nas cenas de ação. Como já mencionei antes, o cineasta é bem-sucedido ao balancear os diversos gêneros pelos quais o filme passa. Além disso, demonstra talento na condução da história de amor, desenvolvida com um cuidado maior do que o comum para um filme de ação, culminando em uma cena tocante entre Bond e Lynd passada no hospital.

Da mesma forma, Campbell se sai espetacularmente bem em um dos maiores desafios narrativos de 007 – Cassino Royale: o jogo de pôquer. Ocupando boa parte do filme, a partida era o risco que o cineasta corria de perder o ritmo da obra. No entanto, Campbell mantém a tensão sempre alta, alternando os momentos mais parados com outras cenas agitadas nos intervalos das partidas. Nestes intervalos, há ainda um dos momentos mais icônicos de toda a série, quando Bond lava o sangue diante de um espelho e realmente parece refletir sobre tudo o que faz.

Se há algo que não funciona 100%, é a trama em si. Ainda que consiga surpreender e demonstre coragem em ousar, a história acaba se tornando confusa algumas vezes, com certas mudanças deixando pra trás problemas de lógica. Além disso, o processo de investigação de Bond é tratado de forma preguiçosa, com o agente descobrindo pistas rápido demais (até agora não sei como ele chegou ao sr. White).

Ainda assim, 007 – Cassino Royale é um grande filme. A reformulação completa da série não poderia ter vindo em melhor hora e em melhores mãos. Apesar de longa, a obra não cansa em momento algum, mantendo o ritmo e a inteligência até o fim. Provavelmente, a abordagem de Campbell vai irritar os puristas defensores do personagem. Mas quem gosta de cinema não terá do que reclamar. O melhor filme de toda a série.

Comentários (4)

Vinícius Oliveira | segunda-feira, 22 de Abril de 2013 - 04:03

Concordo, assim que o filme terminou eu disse a minha irmã que também é fã de 007, "melhor bond que eu já ví". Talvez tenha sido simplista, foi o melhor filme da franquia que já havia visto, isso até assistir Operação Skyfall. Da mesma forma que foi proposto na crítica acima, pessoas irão divergir entre o conservadorismo dos filmes de 007, e a nova política de realismo e violencia, que por sinal, me agradou bastante. Um espião não é só um cara superdotado de inteligência e sorte, mas também de força física, intenso e passível de muitos equívocos. Acho que só os mais nostalgicos não aprovarão a mudança de rumo, e vejo como inevitável para a a franquia continuar nesse caminho, até pela conquista de dois oscars por OPERAÇÃO SKYFALL, coisa que até pouco tempo, era impensável para um filme de 007, especialmente pelos 2 ultimos filmes ainda com Pierce Brosnan como Bond, que por sinal, foram fraquissimos!!!

Cristian Oliveira Bruno | sexta-feira, 22 de Novembro de 2013 - 13:39

Sou fã incondicional de 007 e essa foi a maior e melhor surpresa de toda a franquia: Daniel Craig se tornou James Bond!! Humanizou-o e nos brindou com o melhor Bond do cinema!! Connery, Brosnan e CIA que me perdoem.

Marlon Tolksdorf | segunda-feira, 27 de Abril de 2015 - 15:50

"o processo de investigação de Bond é tratado de forma preguiçosa, com o agente descobrindo pistas rápido demais (até agora não sei como ele chegou ao sr. White)."

Olha, já assisti o filme mais de 4 vezes, podem me chamar de burro, mas também não saquei, e nem lembro desse personagem ter aparecido antes, quem é ele?

Ainda assim, considero o melhor filme da série. Nota 10!

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