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Críticas

Cineplayers

Um roteiro desastroso.

4,0

Heitor Dhalia começou carreira promissora ao fazer cinema de forma mais autoral. Com O Cheiro do Ralo (2006), chamou a atenção com a excentricidade de Selton Mello, sujeito cômico no tom ideal. Fugiu do óbvio e trouxe um humor de nível ao cinema brasileiro acostumado ao pastelão. Depois realizou À Deriva (2009), um retrato tocante do desejo carnal como objeção ao amor tradicional, tanto na fase adulta quanto na adolescência. Antes disso tudo, dirigiu Nina (2004). Agora, em 2012, joga quase toda a expectativa em torno de seu nome no lixo com esse enlatado norte-americano chamado 12 Horas.

Digo quase porque Dhalia provou com seus primeiros trabalhos saber exatamente como explorar a linguagem de cinema de maneira mais inteligente, tanto na forma quanto no teor das obras. Somam-se a isso, as entrevistas dadas pelo diretor sobre 12 Horas. Ele assume a total interferência do produtor e o desejo de abandonar por diversas vezes a produção. Não deve ter feito por pura questão contratual, multa e afins, mas o preço por embarcar nessa Dhalia já pagou: ter a completa noção da porcaria que fez.

A lógica de boa parte do cinema norte-americano é, desde sempre, o mercado. Até aí nenhum problema. Muitos filmes rentáveis comercialmente são ricos do ponto de vista artístico – ou ao menos, não são pobres. O mais contraditório é o total fracasso nas bilheterias dos Estados Unidos mesmo com o roteiro esquemático, pronto para captar a atenção de adolescentes desesperados para ver o óbvio. Mas parece que o óbvio foi excessivo.

12 Horas não consegue sequer manter o mistério. Logo no começo, a indelicadeza geral da atenção dada a um determinado sujeito faz as apostas recaírem imediatamente sobre ele. A vontade de torcer até o final por uma surpresa digna é grande, mas a opção é dar o final mais comum. O que é pior neste caso: a lição, a mensagem, é estarrecedora de tão reacionária. Para se chegar lá, passa-se por todos os elementos básicos de um thriller deste calibre.

A protagonista desacreditada por todos e tachada de louca precisa provar sua sanidade enquanto corre contra o tempo para ser a heroína do enredo. Mas, coitada, nem a polícia quer apoiá-la e ela precisa fazer justiça com as próprias mãos. Em meio a isso, um novato da lei acreditará nela e outros tantos personagens serão inseridos como forma de tentar abrir o leque de possíveis culpados – na possibilidade de Jill estar sã, claro. Tudo isso para salvar a irmã, acredita-se, raptada pelo mesmo homem que um ano antes teria levado Jill para o meio de um reserva florestal com o intuito de matá-la. Para nosso desespero, entretanto, a garota escapou, dando origem ao filme. 

Enfim, para enrolar o espectador por 90 minutos com essa trama, toda a sorte de absurdos poderá ser vista. A começar pelos diálogos terríveis – o roteiro é o grande ponto negativo. As formas pelas quais Jill consegue outros dois carros para continuar com a busca são risíveis. Mas, ok, o roteiro não iria dificultar ainda mais a vida da pobre heroína. Se for para ajudá-la, pode contar com o texto de Allison Burnett. 

Quanto à polícia, plausível que investigações fracassem e que a vítima seja desacreditada por seu abalo psicológico. Mas não precisava exagerar no número de profissionais incompetentes, o que se estende para uma espécie de analista e assistente social. Mas cabe aos policiais o show de bananice, tanto dos investigadores, como dos soldados. Chega a ser ridículo a espera de dois deles por reforço para abordar o carro de Jill estacionado em uma loja quando a garota começa a se tornar problema para as autoridades. Pior ainda é a fuga.

Além disso, na tentativa de manter na mente do público a pergunta: “ué, estaria essa menina mesmo louca?”, o roteiro investe em um problema de alcoolismo da irmã com o único intuito de haver a possibilidade de ela ter tido uma recaída. Isso levantaria suspeitas sobre a veracidade de seu possível rapto.

Mas ainda pior é toda a lógica que permeia a história. As situações que movem a garota à frente são estapafúrdias. Mas sua competência, claro, poderia lhe render uma vaga na fraca polícia local. Deveriam abrir vagas urgentemente, por sinal. 12 Horas, infelizmente, é totalmente incapaz de surpreender e de sair dos contratempos e tipos comuns. O final e sua lição são absurdos... Assim como o começo e o meio.  

Dhalia não é o grande culpado. O produto inicial já era fraco. A partir disso, até que investe em uma direção comum e pouco arriscada. Fez o possível dentro do excesso de limitações, mas se contentar com isso parece muito decepcionante para quem surgiu chamando a atenção pela qualidade.

Comentários (4)

Angelão | terça-feira, 17 de Abril de 2012 - 13:07

Se o filme é tão péssimo assim isto não significa o fim da carreira do diretor... Nunca vi os filmes de Hitch da época em que Selznick os produzia mas dizem que, como excessão de Rebecca, não chegavam nem perto do que ele viria a fazer depois...

Liliane Coelho | quarta-feira, 18 de Abril de 2012 - 12:47

"Para nosso desespero, entretanto, a garota escapou, dando origem ao filme."

😏😏😏😏

Pena que às vezes um diretor de talento tenha que se submeter ao puro comercialismo, aquele que acha que os espectadores são idiotas e que vão pagar por qualquer coisa.

André Costa | quinta-feira, 19 de Abril de 2012 - 17:53

Amanda Seyfried estrelando filmes medíocres como de praxe... 😕

Vinícius Aranha | sexta-feira, 01 de Junho de 2012 - 23:40

O cinema não vive só de roteiro. 12 Horas é muito bom, o trabalho de Heitor Dhalia dentro das convenções hollywoodianas é ótimo. Explora muito bem os sentimentos interiores e exteriores da protagonista.

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