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Críticas

Cineplayers

O Sonho do Outro.

7,0

3 Belezas é um surto. Misses disputam ferrenhamente o título de garota mais bela da Venezuela. Desde cedo garotas competem em concursos do gênero, até mesmo em escolas. Aqui assistimos uma disputa entre irmãs. De início, aparentemente, estamos frente a uma comédia com um potencial humor negro. E de fato é até certo ponto, quando tudo vira e se transforma num longa de horror. Mas na verdade foi um horror o tempo inteiro com crianças entregues aos caprichos de uma mãe frustrada, cujos sonhos de ter uma filha miss lhe acarretaram comportamentos pra lá de doentios. A obsessão em cena abandona a recreação experimentada para ser devastadora em diferentes pontos de vista e períodos, da infância a maioridade, quando os limites transcendem passarelas e a fama devora o bom senso e a dignidade.

Fabiola Arace e Josette Vidal são duas belezas venezuelanas. As moças vivem irmãs que desde pequenas andam de salto alto, fazem rigorosas dietas, depilação e outros tratamentos estéticos. A cena inicial é bastante marcante e logo elucida a ideia de seu plot. Crianças brincam e depois adentram numa realidade que não deveria ser delas. A infância lhes foi roubada pela mãe que encontra justificativa para seus feitos em todas as circunstâncias que vive. Essa mãe fora miss, mas nunca alcançou o mais alto posto. O tempo lhe tirou oportunidade, então que outra geração lhe presenteie com tal sonho. É o que almeja. Uma derrota nos desfiles significa muito mais do que perder uma faixa.

Dividido em capítulos, a obra apresenta dois momentos da vida dessas personagens. Em ambos os momentos eles estão sob controle de algo externo: os concursos, a necessidade de beleza, a religião ou o sexo. Um arco se constrói num detalhe ainda na infância, quando o irmão das garotas entra no quarto e manipula uma Barbie. Uma atitude ingênua ecoará no futuro enquanto elemento simbólico de um filme recheado de polêmica, capaz de permanecer no imaginário do espectador em diferentes âmbitos, seja pela finalidade dos concursos que obrigam garotas a mudarem partes do corpo – isso é visto de forma crua driblando o humor que persiste ao longo de toda projeção enquanto deboche – ou com o resultado das competições traumáticas que levam a circunstâncias exageradas, brutais e possíveis. Isso é o que aterroriza.

Do cômico ao trágico, a obra surpreende em seus capítulos. Também é um grande estudo de comportamentos, sobre a estética, as possibilidades de beleza e os limites que implicam na busca do corpo perfeito. Tal idealização é compartilhada em todo local do mundo, não serão poucas as pessoas que se identificarão com algumas cenas.  Não é um ou outro, mas todos os personagens de 3 Belezas estão aficionados e inseridos nesse meio sofrendo alguma consequência. Como outra discussão, o filme levanta o questionamento sobre o papel da mulher naquele contexto: ora, foram vários anos de pesquisa realizado pelo diretor Carlos Caridad-Montero. Na Venezuela tais concursos são demasiado tradicionais.

Fabiola Arace com seu sorriso harmonioso chama toda atenção para sua personagem Carolina enquanto Josette Vidal e seu olhar inclemente deixa transbordar ciúmes, já que é preterida pela irmã segundo as decisões de sua mãe, Perla (Diana Peñalver). O embate é justificável na curta duração. As meninas cresceram para serem belas e caso não sejam consideradas bonitas dentro de um padrão proposto vão para as salas de cirurgias. Concursos de beleza e cirurgias plásticas espessam o roteiro contrariando a perspectiva de que trata-se de um filme vazio devido a sinopse e o tom bem humorado com o qual nos fora apresentado em seu ato inicial. Igualmente as garotas, o filme se transforma costurando-se tal como um vestido, tal como a pele.

Carlos Caridad-Montero coordena bem a maioria das cenas, investe em planos detalhe e outros que dimensionam aquele universo estético. O problema do filme está em sua estrutura: dividido em capítulos que priorizam personagens ou momentos, a narrativa se confunde com os subgêneros. Drama, comédia e horror se confundem impedindo que ambos não alcancem devida profundidade. Com as cenas bem filmadas, o ritmo se quebra nas várias nuances. A chegada de um pastor brasileiro e sua igreja vem como um alívio cômico desnecessário. Por mais ridículo que seja sua igreja e suas ações criminosas, tudo fica somente no humor sem função especial para levar a ideia do filme adiante. Diante esse deslocamento, a emancipação das personagens centrais se opondo garante nossa profunda atenção e nos prepara para um desfecho eletrizante pendendo para o trágico e para o bizarro.

Visto na 38ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

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