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Críticas

Cineplayers

Agente 86 tem o elemento principal de uma boa comédia: bastante diversão.

7,0

Com a crise de roteiros de que Hollywood parece sofrer atualmente, muito dos recentes remakes e adaptações costumam aniquilar a essência e as boas lembranças mantidas pelo público em relação às histórias originais. Portanto, como geralmente acontece entre os fãs saudosos, vários deles devem ter revirado os olhos ao saber da adaptação da icônica série dos anos 60, Agente 86.  E eu fui um deles. Apesar de ter nascido quase duas décadas depois da série ir ao ar, aprendi a admirar, graças justamente às influências saudosistas de meu pai, tudo aquilo que ela representava, desde as boas críticas que fazia a Guerra Fria até todo repertório nonsense criado por um dos gênios da sátira, Mel Brooks.

Motivos eram vários para que o filme terminasse por estragar diversos elementos que eram símbolos de Agente 86. O simples fato de ela retratar uma época particularmente simbólica da história recente do século XX, com o embate entre comunismo e capitalismo, entre Estados Unidos e União Soviética, seria um problema para uma adaptação moderna. Acabariam caindo na fixação do terrorismo do Oriente Médio. As próprias piadas baseadas nessa conjuntura da Guerra Fria e as brincadeiras feitas com outras séries de espionagem e com personagens como James Bond corriam o risco de se perder completamente. Havia ainda o problema da identificação do público com os personagens. Maxwell Smart, o personagem-título da série, foi imortalizado pelo ator Don Adams que o interpretou por cinco anos.

É lógico que esse tipo de preocupação recai sobre aqueles que, conhecendo a série, criaram uma expectativa (mesmo que ruim) em torno do filme. Mas, para chegar logo ao ponto, sim, o filme acaba funcionando, para o meu parcial alívio. É inevitável a sensação de que uma coisa ou outra acabou faltando (algo relativamente comum às adaptações). A história, felizmente, foi mantida: o conflito entre as organizações de agentes secretos, o CONTROLE, americana, e a KAOS, russa. Maxwell Smart (Steve Carell), então um pacato e burocrático analista de dados, acaba sendo alçado ao status de Agente 86 quando o CONTROLE  se vê no meio de uma crise.

A manutenção desse pano de fundo já contribui para o clima do filme e o ajuda a não se tornar uma versão atualizada no seu sentido extremo. Como eu disse, eles poderiam apelar para a idéia do terrorismo árabe (não que a KAOS não cometa atos terroristas) ao tentar uma adaptação completamente moderna, mas inclusive isso é aproveitado e incorporado como piada em uma cena que mostra uma conferência do presidente dos Estados Unidos com os chefes de vários departamentos do governo. E talvez essa fosse justamente a maior das preocupações: as piadas. A questão seria se o filme manteria o mesmo tipo e nível de humor do seriado e se as antigas piadas seriam aproveitadas continuando a gerar risadas. Agente 86 não só é engraçado em geral como também consegue se aproveitar das falas clássicas de Maxwell Smart utilizando-as nos momentos certos, agradando fãs e neófitos. E graças não só a isso, o humor é mais inteligente do que a média das recentes comédias, paródias, etc. As piadas são bem sacadas e com um bom timing.

Justiça seja feita, parte da graça vem sim do elenco, principalmente de Steve Carell. Cada vez mais provando ser um comediante versátil e até mesmo maduro, sem ter que apelar para caras e bocas e interpretações espalhafatosas, ele soube incorporar o personagem. Sua interpretação é quase que em respeito a Maxwell Smart evitando criar um “Agente 86” próprio. Por outro lado, Dwayne “The Rock” Johnson como o Agente 23, por mais que tente se livrar da alcunha de “The Rock”, não conseguiu me convencer muito. Continua passando a impressão de muitos músculos e pouco cérebro. Apesar disso, ele não chega a comprometer o filme. E Anne Hathaway, bem, sua beleza realmente impressiona e ela definitivamente conseguiu se mostrar uma femme fatale proporcionando um verdadeiro trabalho de equipe com Steve Carell. A relação entre os dois realmente funcionou. No final, talvez o grande revés do grupo seja Terence Stamp como o vilão Siegfried. Ele mostra não ter a mínima aptidão para a comédia sendo completamente frio. Em filmes como esse o vilão em si geralmente é motivo de graça, como na série original Siegfried realmente o era, sendo esteriotipado e apresentando um sotaque caricatural além de sua incompetência como antagonista conseguindo falhar diante de outro incompetente como Max.

E falando na incompetência de Max, esse foi um ponto que incomodou um pouco. Acredito que, no filme, o personagem tenha um número considerável de acertos para quem sempre conseguia triunfar baseado em golpes de sorte. Na verdade, no final isso acaba acontecendo, mas só que aqui ele se torna mais um homem de ação do que na história original e tirou um pouco da “lerdeza” do personagem. Esse maior foco na ação serve para o agrado do público em geral e serve justamente aos propósitos do filme. Como um blockbuster do verão americano, Agente 86 é logicamente uma peça de puro entretenimento. Mas bem que as resoluções para algumas situações poderiam ser substituídas por idéias mais inteligentes no lugar de longas cenas de ação (que, admito, apesar disso, também conseguem incluir boas piadas).

Bom, no que importa Agente 86 sabe ser: divertido. Isso tanto vale para os velhos (e não tão velhos) acompanhantes da série, como para quem ainda não a conhecia. Salvo alguns deslizes próprios de adaptações, comparando ao que pelo menos eu esperava, o resultado foi satisfatório. E se por um momento me senti contrariado ao pensar que nem a música-tema nem a abertura original seriam aproveitadas (ainda bem que elas estão lá!), é bom lembrar que ainda assim existem coisas que devem permanecer intocadas. Sempre é hora de Hoolywood tentar se renovar um pouco.

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