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Críticas

Cineplayers

Kubrick e Spielberg. Diretores tão diferentes que, juntos, transformaram A.I. em uma obra-prima moderna.

8,0

É complicado falar de Inteligência Artificial por um motivo bem básico: ele foi projetado por dois diretores de visões bem diferentes do mundo. Por um lado temos Stanley Kubrick, pai de filmes como Laranja Mecânica e 2001: Uma Odisséia no Espaço, enquanto do outro temos Steven Spielberg, autor de filmes como Minority Report e Prenda-me se for Capaz, só para citar seus mais recentes trabalhos. Um é completamente pessimista, tem um visão fúnebre do mundo, enquanto o outro é um manipulador de emoções de primeira qualidade (segundo nosso próprio amigo Cyco_Clown). Essa mistura ficou claramente visível no filme que estamos analisando, mas vou evitar ao máximo comparações do tipo "Kubrick faria assim" porque vou analisar o filme pelo que ele é, e não pelo que deveria ser.

Antes de falar da história do filme em si, é bom falar um pouco da história que se tornou sua produção. Ela começou há mais de 20 anos, quando Kubrick mostrou o argumento baseado no conto "Super-Toys Last All Summer Long" (a história do filme, sem falas, isso é um argumento) para Steven Spielberg e lhe perguntou o que achava do que estava escrito. Spielberg, empolgado, falou que era uma das melhores histórias que ele já teve em mãos, e os dois começaram a manter um intenso contato para a realização do projeto. Só que a tecnologia da época não permitia que nada fosse produzido, então os dois ficaram só na constante troca de idéias realmente, inclusive Spielberg instalando um telefone de linha fechada com Kubrick por obrigação deste segundo para que nenhuma informação do projeto vazasse.

Somente quando Spielberg dirigiu Jurassic Park que Kubrick viu que, tudo o que ele imaginava, não era mais um sonho, e sim uma realidade. Assim as negociações recomeçaram. Com o desenvolver das conversas, Spielberg decidiu que não iria rodar o filme, e sim quem deveria fazê-lo era o próprio Kubrick, assim que ele terminasse o seu recente De Olhos Bem Fechados. Só que, em 1999, antes do início da fase de Pré-Produção do longa, Kubrick nos deixou. Sua morte deixou toda a responsabilidade do projeto nas mãos de Spielberg. Ou ele tocava o que haviam discutido para a frente, ou um projeto inédito de um dos melhores diretores da história do Cinema ficaria perdido para sempre em sua mente e, quem sabe no futuro, para sempre.

Devido a todas as conversas que teve com Kubrick, Spielberg resolveu ele mesmo escrever o roteiro, para não perder um tempo precioso passando todas as informações que tinha na cabeça para alguém, para depois essa pessoa perder mais tempo ainda escrevendo algo que ele já tinha praticamente pronto em sua cabeça. Desde seu Contatos Imediatos do Terceiro Grau que Spielberg não escrevia o próprio roteiro que dirigia. E, infelizmente, esse foi um dos pontos ruins do filme, onde diversas questões interessantíssimas tocadas pela historia ficaram superficiais demais, sem aprofundamento e até mesmo uma certa dose de inocência.

O filme começa com um plano de ondas, lembrando bastante os filmes de Kubrick antigamente. Logo depois nos vemos uma reunião onde os cientistas da época (futura, com diversas cidades inundadas depois do descongelamento da Terra pelo efeito estufa) discutem a produção de um novo tipo de Meca (robôs, mecânicos), que tivesse a possibilidade de amar. Não fisicamente, mas o sentimento, o mesmo que os seres humanos têm. O projeto segue e, vinte meses depois, o primeiro protótipo dessa tecnologia de última geração está pronto para ser enviado a um lar.

Na história há uma família, formada por Mônica (Frances O´Connor, de Códigos de Guerra) e Henry Swinton (Sam Robards, de Hamlet e Beleza Americana), que recentemente perderam seu filho, Martin Swinton (interpretado pelo garoto Jake Thomas). Um dia, Henry resolve fazer algo para tirar sua mulher da depressão da perda e resolve assinar o contrato de teste com esse novo Meca produzido. É aí que David (interpretado por Haley Joel Osment, de Sexto Sentido e Corrente do Bem; o menino é um gênio, falarei dele mais à frente) entra na história, com o papel de substituir o espaço deixado pelo filho do casal, já que eles não poderiam ter outro, pelo racionamento da população controlada.

Para o completo sistema de 'amor' do robô funcionar, é necessário que certas palavras sejam pronunciadas. Se o sistema for completo, o amor do menino será incondicional e irreversível, por isso é necessária a certeza dos humanos que forem ativar o sistema, ou a destruição do Meca será seu único destino (já que o processo é irreversível e não há como ele amar outra família, tornando-se inútil, caso devolvido). Mônica, com o desenrolar do filme, se apaixona pelo seu 'mais novo filho' e resolve ficar com o robô. Com o desenrolar da história, acontece algo que obriga a família a devolver David para seus fabricantes. Sabendo o que iria acontecer com seu mais novo filho, Mônica se recusa a devolvê-lo a fábrica e o abandona no meio de uma floresta para que ele não seja destruído.

O filme pode ser muito bem dividido em duas partes: a chegada de David e o momento que ele fica sozinho. Essa primeira parte é bem mais dramática, menos fantasiosa e aventureira, explorando o lado sentimental dos personagens e o contraste que eles tem com o sentimento artificial do menino. Por sinal, gostei muito mais. A segunda parte do filme é bem mais aventuresca, com David lutando por sua 'sobrevivência' no submundo e no mercado de peles local. David acredita que, se encontrar a fada azul da história do Pinochio (contada na primeira parte do filme), ele poderá se tornar um menino de verdade e Mônica passará a amá-lo igualmente a seu filho.

Nessa segunda parte da aventura entra o famoso Gigolô Joe na história (interpretado por Jude Law, de Estrada para Perdição), que ajudará o menino em sua epopéia pela vida real. Jude está fantasticamente maquiado, parece um robô realmente, seu cabelo parece um lote de plástico, sua pele está realmente diferente, fantástico de verdade. Outro fator técnico realmente impressionante aqui são os efeitos visuais, que dão de mil em filmes mais atuais, como Star Wars Episódio 2 - O Ataque dos Clones e Homem-Aranha. Na cena inicial mesmo, onde o rosto da atriz se abre revelando o chip interno do robô está com uma sutileza impressionante e você não sente nada artificial por ali. Outra cena que também me chamou muita atenção foi quando chegaram na cidade inundada de "Man-Hattan" (onde as torres gêmeas estão presentes, o filme saiu pouco antes do atentado aqui no Brasil). Ali está tudo muito belo, os prédios, a água, tudo muito bem feito. E não são apenas acasos, o filme inteiro se vangloria dessa perfeição gráfica que estou falando, é um de seus grandes pontos altos. Spielberg arrisca também alguns belos ângulos de câmera, como por exemplo a primeira cena de jantar de David, onde a tomada é de cima, por dentre o lustre de luz. O ângulo deixa David enquadrado dentro do lustre, enquanto Mônica e Henry ficam fora do lustre, mostrando o isolamento do menino. Aspecto técnico nota 10 do filme.

Haley Joel Osment está fantástico. Para falar a verdade, ele é a alma do filme, disparado o melhor ator de sua geração, podendo alcançar títulos ainda maiores se continuar com esse nível de interpretações. Depois do dificílimo Sexto Sentido e de Corrente do Bem, que não o exigia tanto assim, o garoto faz algo completamente diferente. David o exige tanto quanto o filme de Shyamalan. Seus movimentos são duros, seu olhar é fixo e sem piscadas de olhos, que por sinal, foi idéia dele mesmo. Em uma entrevista, vi Spielberg dizer que Haley virou para ele e disse: "O que você acha de meu personagem não piscar? Ele pareceria mais real assim...". Spielberg gostou tanto da idéia que não só a implantou em David como em todos os robôs do filme. Tudo bem que um ou outro ainda falha, mas Haley é perfeito, nunca pisca. Sua expressão é segura, emociona. No momento que Mônica o aceita e ativa seu amor, a cena é tocante e muito bonita. Quando David implora para que não seja abandonado é algo memorável também, com certeza dois dos maiores pontos do filme. Kubrick tinha em mente utilizar um robô de verdade para o papel, já que demorava muito a fazer seus filmes e não queria começar com uma criança e terminar as gravações com um adolescente nos sets. Talvez esse tenha sido um dos maiores empecilhos que ele encontrou para tacar o projeto para frente, mas Spielberg acertou em cheio ao usar Haley e seu carisma.

O personagem de Law, apesar de excelentemente interpretado, é muito superficial. Um amante cybernético pode ser a solução sexual para muitas pessoas hoje em dia, imagina daqui a alguns anos? Ele poderia ser muito mais explorado, o achei vazio por causa disso. Sua máquina sexual poderia ser muito mais aprofundada, a homens mesmo (já que ele sofria mutações), homossexuais, crianças... Enfim, a todas as pessoas, sem exceções ou preconceitos. Só que Spielberg não arrisca, ele prefere deixar o personagem bem definido (nem sinais do que eu falei são encontrados no filme), mas não quero ficar comparando a Kubrick, como falei no início de minha análise. Só que aqui Spielberg poupa os espectadores, algo que com certeza Stanley não faria.

Não que eu não goste do Spielberg, pelo contrário, está entre meus diretores favoritos, só achei que a história poderia ter sido mais aprofundada. O mercado de pele então, parecia até um circo, eu queria ver mais melancolia e desespero ali, pois é isso que a descrição do lugar propõe. Só que ainda não falei do ponto fraco do filme ainda... O final foi estendido para deixá-lo mais feliz. Nossa, como ficou chato! Vinte minutos de monotonia, uma viagem ainda maior que o filme já havia feito e parado, muito chato mesmo. Se o filme tivesse terminado quando o menino caiu na água depois de encarar as conseqüências da realidade, o filme teria sido melhor, com certeza. Tudo bem que ele foi uma realização pessoal até mesmo egoísta, mas ficou mal encaixado no contexto.

Tudo deve ter sido opção de Spielberg, vale lembrar, mas novamente reforço que não entrarei nesse tipo de comparação com Kubrick. O essencial está lá, a ótima mensagem de até onde o amor humano pode chegar, mesmo que de forma mais simples e menos crua.

A.I. - Inteligência Artificial é um ótimo filme, que com certeza fará você pensar, emocionará e será um ótimo entretenimento para as pessoas que curtem um bom drama ou ficção. Se não fosse o medo de arriscar, seria melhor ainda, pois o aspecto técnico e as interpretações estão perfeitas, o que é uma pena. Não é um pipoca que Spielberg costuma fazer, é algo mais profundo, íntimo e reflexivo. E é justamente nisso a falha de A.I. Não que o filme seria melhor se fosse pipoca, longe disso, é justamente o contrário que estou tentando dizer. Se não houvesse essa marca toda do espírito pipoca de Spielberg no filme, ele seria mais solto e, com certeza, agradaria ainda mais. Agora que há material para fazerem diversos filmes sobre o tema, isso há...

Comentários (2)

Cristian Oliveira Bruno | sexta-feira, 22 de Novembro de 2013 - 14:14

Esse filme é tocantemente divertido. Será Tido Como clássico daqui há uns anos. Me cobrem.

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