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Críticas

Cineplayers

Quando é preciso ser outra pessoa para poder ser alguém.

6,5

A perversa Marquesa de Merteuil, personagem de Ligações Perigosas (Dangerous Liaisons, 1988), afirma que veio ao mundo para vingar seu sexo. Já Alex Forrest, a amante assassina de Atração Fatal (Fatal Attraction, 1987), enlouquece quando se dá conta de que depositou todas as suas chances de felicidade nas mãos de um homem que nunca a amou. Claire Wellington, por sua vez, cansou de lutar por direitos iguais em um mundo dominado por homens para assumir a identidade da típica esposa americana suburbana, em Mulheres Perfeitas (The Stepford Wives, 2004). E o ponto em comum entre todas essas personagens, além do feminismo latente na composição de cada uma delas, é Glenn Close. Uma das atrizes mais talentosas e incisivas de Hollywood, Close sempre emprestou muito de sua força e de seu temperamento às personagens complexas que sempre marcaram seu currículo, em especial àquelas que estavam à frente de seu tempo. Não é de se admirar então que por conta de Glenn Close o filme Albert Nobbs (idem, 2011) ganha uma força inesperada e muito bem vinda.

O diferencial de Albert Nobbs para as costumeiras personagens de Close é, além da óbvia questão da farsa em torno de seu sexo, a sua característica de omissão. Diferentemente da Marquesa de Merteiul, ou de Alex Forrest, Albert Nobbs é uma pessoa omissa, até mesmo covarde, que prefere assumir uma identidade falsa como via de escape para os seus problemas. Para Nobbs, é mais fácil deixar de ser quem é para assumir a vida um tanto menos complicada de outra pessoa. Mais precisamente, é muito mais fácil ser um homem na Irlanda machista do século XIX. Nobbs é um garçom discreto e muito eficiente, que esconde o segredo de na verdade ser uma mulher travestida. Presa nesse mundo de mentiras, omissão e solidão, essa mulher acaba conhecendo outra mulher travestida de homem, o pintor Hubert Page (Janet McTeer), como quem tem de dividir seu quarto. Para a surpresa de Nobbs, Page é casado e muito feliz, o que lhe desperta a vontade de enfim poder ousar tentar arranjar um cônjuge.

O fato é que depois de 30 anos interpretando um personagem, Nobbs acabou inevitavelmente se tornando essa persona que inventou para se esconder dos problemas que a rodeavam. Ser um homem passou a ser sua realidade, independente do seu sexo – um belo paralelo com a própria profissão de ator. E ninguém melhor que Glenn Close para mostrar na prática o quanto é possível ir além do ato de interpretar um personagem para de fato ser o personagem. Por conta desse paralelo, é muito fácil embarcar na proposta do filme e crer em cada situação ali presente – em especial quando as próprias travestidas da história decidem ser feliz ao lado de uma mulher.

Mas a grande questão por trás de Albert Nobbs é o feminismo frustrado que acomete suas personagens. É um filme de mulheres mascarado por falsos personagens  – o sexo masculino é apenas uma máscara. A direção de Rodrigo García faz questão de deixar claro que os homens da história são inúteis, que infelizmente têm o poder e o controle da situação, tornando-se inevitavelmente necessários para as mulheres da trama. Ter de admitir que, querendo ou não, precisam desses homens em um mundo que é regido pelas leis deles, é o grande sofrimento de nossa pobre Albert Nobbs – tanto que se viu obrigada a ser um deles para poder ser alguém. É esse mesmo mal que sempre acometeu mulheres de inúmeras gerações, como nos é mostrado em Shakespeare Apaixonado (Shakespeare in Love, 1998), quando a personagem de Gwyneth Paltrow é obrigada a se fingir de homem para poder exercer a sua tão sonhada profissão de atriz de teatro.

García já havia apresentado talento ao lidar com esse tema do feminismo em Coisas que Você Pode Dizer Só de Olhar Para Ela (Things You Can Tell Just by Looking a Her, 2000), onde inclusive dirigiu Glenn Close em um papel muito interessante. Mas o fato é que em Albert Nobbs o diretor acabou recorrendo ao piloto automático e deixando tudo por conta da atuação de sua protagonista. Como não podia deixar de ser, a atriz dá uma verdadeira aula, o que só realça o desequilíbrio de toda a produção. No fim das contas, ela esmaga o filme, que se limita apenas a orbitar sua volta (afinal, é o melhor papel de Glenn em muitos anos). Fica então essa sensação incômoda de ver uma grande atriz na pele de um grande personagem, mas sem filme o suficiente para portar tamanho peso. Resta-nos então apreciar esse show de atuação, pois nem Albert Nobbs é capaz de mergulhar em seu personagem com a mesma competência de uma atriz do cacife de Glenn Close.

Comentários (8)

Josianne Diniz | sexta-feira, 02 de Março de 2012 - 17:17

A Academia foi injusta premiando, com o Oscar, a Meryl Streep e não a Glenn Close?

Rodrigo Torres | domingo, 23 de Setembro de 2012 - 10:53

Heitor em mais uma ótima crítica!

Renan Fernandes | sexta-feira, 24 de Maio de 2013 - 11:32

A atuação da protagonista é fenomenal...bela crítica

Silvia Lima | sexta-feira, 12 de Fevereiro de 2016 - 23:56

Eh muita atriz pra um filme curto, mas mesmo assim não se perde a viagem.

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