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Críticas

Cineplayers

Uma grande pessoa e um grande esportista fazem desta uma boa cinebiografia.

7,0

Há uma discussão que parece ser eterna, de quem é o principal atleta do século XX. Enquanto muitas publicações e críticos esportivos consideram Pelé o dono desse título, outras tão importantes quanto consideram Muhammad Ali o principal esportista do século passado. A verdade é que dentro de seus respectivos esportes, os dois são lendas e jamais serão esquecidos. Os dois tiveram grandes dificuldades para chegar no topo, tiveram altos e baixos em suas carreiras, mas entre eles, sem dúvida a pessoa mais complexa foi Ali. Talvez por estar envolvido em um cenário conturbado e difícil para uma pessoa como ele, mesmo assim conseguiu se tornar um ídolo não apenas nos Estados Unidos, mas em vários países do mundo, e um ícone para os negros norte-americanos, que nos anos 60 e 70 sofriam altíssima discriminação racial.

Ali – o filme – é dirigido pelo competente Michael Mann, diretor que já provou ter estilo próprio em O Informante. O tom dado à sua nova película é o mesmo tom documental do filme estrelado por Russel Crowe, com câmera tremida, imagem bastante crua, mas ainda assim de fotografia marcante. O diretor, após ter sido indicado ao Oscar, resolveu filmar um roteiro extremamente difícil, em um filme que foi bastante criticado. Filmar Ali deve ter sido tão complexo quanto a personalidade do lutador. O filme se passa em diversas locais, e toda a parte final dele é rodada na África, em países como Zaire e Moçambique. Tudo para dar o tom mais real possível à vida dessa personalidade.

A história começa já com Ali perto de seu auge, em 1964, quando derrotou, contrariando todos os prognósticos, facilmente o campeão mundial até então invicto de sua categoria, e virou notícia no mundo esportivo. Não há apresentação nem referência à vida anterior de Cassius Clay (seu nome até a conversão para a religião islâmica), e nem seria necessário. Após ganhar fama e se tornar o “campeão do povo” (como se auto-intitulara), o filme mostra o complicado relacionamento de Ali com as pessoas que o ajudaram a chegar no topo, com o seu grande envolvimento com a religião, que tanto influenciou na sua vida, com suas amizades (Ali conhecia Malcolm X, um dos mais importantes líderes negros já existentes, inclusive muitos o chamavam de Cassius X), e com os problemas que teve ao se recusar participar da Guerra do Vietnã, por motivos religiosos, perdendo o direito de lutar por muito tempo.

O maior problema que o filme encontra é esse: sendo uma biografia de um homem cheio de crenças, afetos e desafetos, sua vida pessoal é tão importante quanto sua vida profissional. Colocar tudo isso simultaneamente, no mesmo pacote, pode ser bastante complicado, mesmo para um diretor com tamanha habilidade documental que é Michael Mann. Para o público leigo de Ali, muita informação e a razão de muitos de seus atos passarão despercebidas, o que é um grande problema. O filme tem mais de duas horas e meia de duração, mas para ser melhor explicativo, deveria ter no mínimo três. Ao mesmo tempo, essa duração tão longa atrapalha e deixa o ritmo do filme bastante instável às vezes, mesmo com tanta coisa interessante a ser vista.

No final, você vai conhecer razoavelmente a fundo o homem e o profissional que foi Ali, mas não conhecerá muito bem o porquê de todas as suas ações. Alguns pontos de sua vida são tratados apenas superficialmente, como o fato dele ser infiel, e também o seu relacionamento conturbado com o pai, que era contra a troca de nome do filho. Tudo isso nos leva a imaginar o trabalho enorme que Mann e sua equipe teve para levar essa biografia aos cinemas. O resultado, não aprovado por muitos críticos, acabou fazendo com que Ali, que era uma grande promessa no mundo do cinema, acabasse saindo de cartaz rapidamente, e chegando aos cinemas brasileiros modestamente, em circuito limitado.

Para os fãs de boxe e ação, vale destacar a qualidade técnica das lutas. No filme, são mostradas várias das lutas consideradas históricas por fãs de boxe, como o duelo onde perdeu a sua primeira luta para Joe Frazier, e o confronto no Zaire contra Foreman, uma luta assistida por uma multidão enorme onde Ali recuperou seu cinturão de campeão mundial, retirado injustamente por causa da desistência do lutador em não querer participar da guerra. As lutas são muito bem filmadas e bem interpretadas. Will Smith fez um trabalho excelente de preparação física para ganhar massa muscular, e consegue se passar muito bem por um lutador de boxe profissional. Michael Mann mostra que consegue lidar com cenas de ação, saindo finalmente das cenas de conversação intermináveis (mas altamente interessantes), que marcaram O Informante e também fazem parte de Ali.

O filme é, além de extremamente competente na parte técnica, muito bom na parte artística. Além da belíssima atuação de Will Smith (que foi indicado a vários prêmios importantes), Jon Voight dá um show como o repórter e amigo de Ali, Howard Cosell. Outros coadjuvantes se destacam, como Mario Van Peebles, que interpreta Malcolm X (de costas, lembra Denzel Washington, que interpretou o personagem no filme-biografia de Malcolm).

Ali é uma excelente cine-biografia. O problema é que seu personagem principal é mais complexo do que um simples filme, por melhor realizado que seja, é capaz de mostrar. Vale como uma boa lição de história, de esporte e também como entretenimento de bom nível técnico e artístico. Quem sabe um dia resolvam filmar a biografia de Pelé (planos iniciais para isso já existem, mas deve demorar ainda). Não vou ousar aqui dizer quem foi mais importante no mundo do esporte, mas pessoalmente, como prefiro futebol, prefiro o Pelé. Embora, depois de assistir a este filme, Ali tem meu respeito mais do que nunca. Foi um grande campeão!

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