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Amanda

(Amanda, 2018)
7,6
Média
30 votos
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Sua nota

Críticas

Cineplayers

Aula de resistência.

9,5
Tem uma expressão francesa popular, 'joi de vivre', que designa uma forma de viver a vida da maneira mais feliz possível, radiante, pra frente, com prazer máximo. Entrei na sessão de Amanda sabendo apenas que o filme estava sendo devidamente gostado e que seu diretor, chamado Mikael Hërs, é um nome promissor/a se observar com atenção; sinopse, nem traço. E essa expressão típica me assolou no que é construído imagética e narrativamente pelo cineasta. David é um homem a margem da realização, mas, muito jovem, a preocupação imediata não é essa. Na verdade David faz parte de uma parcela da sociedade que ainda não cresceu e isso não é necessariamente um problema aos 24 anos. Aos 24 anos, só que os anos passam rápido... e o tempo de amanhã definitivamente não é o mesmo de hoje. Quando você menos espera, Amanda não é mais nada disso. Ou a expressão francesa dá lugar a tal preocupação, que uma hora tem de chegar.

Maurice Pialat fez alguns filmes sobre amadurecimento, e sua sombra paira sobre o longa de maneira positiva. A produção de Hërs também não é sobre isso exatamente... seu talento está em descortinar seu filme paulatinamente, camada a camada, e deixar cada nova fase incorporar os elementos da anterior para encorpar a estrutura. Se o filme provavelmente já não seria um projeto vazio se seguisse sua diretriz inicial apenas, fica claro a quantidade de novas propostas ganhas a cada milimétrica nova curva, que o filme abre com extrema fluidez e parcimônia. A intenção é acompanhar David no rio que corre por sua vida em cada dúvida.

Como dito, o longa busca no fluxo de acontecimentos a própria matéria-prima para sua narrativa naturalista ao extremo, em consonância do que tem feito cineastas como Mia Hansen-Løve; ao situar seu protagonista como agente passivo dos acontecimentos que o cercam, Hërs não apenas constroi uma partitura cinematográfica, como também traça um perfil da adolescência alargada de hoje, que é quase um estado de espírito. David tem uma rede de suporte que o permite ser um jovem adulto, já com responsabilidades, ditas contas a pagar e uma independência financeira, em contra partida não amadureceu ainda emocionalmente, vive próximo a irmã, que funciona como uma âncora afetiva. Um diálogo sobre uma possível volta da mãe que os abandonou crianças faz vislumbrar um David em vias de criar asas, decepadas por um evento inesperado e terrível. 

O roteiro também é de autoria de Hërs (ao lado de Maud Ameline) e conseguimos perceber a autoralidade que liga os pontos. Com um brilhante elenco que compreende as curvaturas de cada sutileza e joga o jogo da naturalidade que o filme pede, todo o contexto de uma produção dessa advém de um equilíbrio delicado de intenções e realização. A mudança da atmosfera em determinado momento é fundamental para reconfigurar o futuro de David, que precisa ser rearranjado. Há uma habilidade muito rara em criar novas etapas de uma vida em momento de ebulição, destruição e reconstrução, que passa por um novo processo de estruturação sem querer. Para isso, a química genial de todos os cena é parte fundamental do esquema, e em especial a conexão adquirida entre Vincent Lacoste e a pequena Isaure Multrier, a personagem título que revoluciona a vida do tio em todos os sentidos - em um filme que na ânsia de contar histórias tão mínimas se torna tão atual, universal e urgente, inclusive imageticamente. De impacto emocional mas também com a urgência do nosso tempo.

Filme visto no Festival de Cinema do Rio de Janeiro

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