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Críticas

Cineplayers

Constrangedor festival de caricaturas faz filme parecer novela da Globo.

2,0

O Amor nos Tempos do Cólera é uma película com uma quantidade erros tão grande que chega a ser tarefa difícil enumerá-los todos. Em primeiro lugar, é importante salientar que esta análise é feita apenas a partir do filme, ou seja, deixa de lado o livro de Gabriel García Márquez para se deter nos 139 minutos da (descuidada) produção cinematográfica. É impressionante a capacidade que se teve de conseguir passar emoção nula e, em vez disso, trazer à tela apenas uma quantidade de tipos rasos e insípidos.

Para falar dos erros grosseiros, há pelo menos dois que saltam aos olhos como se o filme fosse em 3D. O primeiro deles é o idioma. Claro que será sempre um dilema essa escolha em produções que se passem em países que não falam inglês. Afinal, há três opções: usar atores locais falando o próprio idioma (no caso, latinos falando espanhol), dispor dos mesmos atores falando inglês ou, ainda, escolher um elenco que fale inglês fluente. A primeira opção, sem dúvida, seria a mais indicada para esse filme, se fosse o objetivo manter o clima latino e contar uma história passional e desesperada – em vez de fria e caricata. A terceira opção, por sua vez, teria como vantagem, sendo falado em inglês, a universalidade e, tudo bem, seria possível conseguir um elenco de bons atores de origens latinas (ou com esse traço) que fosse fluente no idioma anglo-saxão.

No entanto, a escolha foi pela opção mais pavorosa das três, que faz o espectador se sentir numa sala de aula do Yázigi. Uma italiana, um espanhol, uma brasileira e muitos outros latinos falando um inglês tenebroso é algo que traz prejuízo sério à experiência de assistir ao filme – não só soa falso como, de fato, incomoda –, é abusar da paciência do público. Somado a isso, uma segunda escolha infeliz contribui para esse clima artificial que há no filme: a lógica da idade dos personagens é mandada para o espaço. Primeiro, um Javier Bardem ridiculamente velho para a idade que representa. Depois, um elenco que intercala pessoas que não envelhecem nada com algumas em que é aplicada uma maquiagem constrangedora para exibir alguns anos a mais. Sim, a maquiagem é de um grau de pobreza que chega a parecer que se trata de (mais uma) piada dos produtores.

Com essas duas fraquezas sérias, o filme já começa comprometido desde o início. Aí que vem mais um elemento a jogar junto das outras duas (e contra o público): a quantidade de cenas caricatas é (in)digna de novela de tevê. A primeira delas, quando o personagem morre ao tentar pegar, sabe-se lá por que motivo, um papagaio, já prepara para o pior que está por vir. Depois, são dezenas delas, com grande destaque negativo para a cena com a “viúva Nazaret”, com humor pobre e artificial como os piores momentos de uma novela das sete.

Aí surge outro ponto que só pode gerar incredulidade: em que estavam pensando ao tentar substituir um possível texto sério, com altas doses de drama e desespero, por uma história contada de maneira superficial e caricata, beirando o ridículo, com piadas constrangedoras e de uma pobreza inaceitável para uma produção que carrega tantos nomes de respeito? Por que motivo foi escolhido deixar de lado a carga dramática da imensa dor que o personagem Florentino carregava em troca de uma série de piadas ruins que o tornam superficial e afastam qualquer possibilidade de que o público se compadeça de sua agrura? Pois isso seria fundamental para o filme funcionar: que o espectador se visse tomado pela aflição do homem. No entanto, a quantidade de escolhas infelizes garante a impossibilidade de que isso aconteça e proporciona o certo naufrágio do que poderia ter sido (e acredita-se que fosse esse o objetivo) uma bela história de amor.

Para comprometer ainda mais, o roteiro tem problemas sérios. Há personagens que não se explicam, que somem da história, subtramas sem sentido e totalmente desnecessárias. A própria figura da mãe de Florentino, em interpretação bizarra de Fernanda Montenegro, jamais acrescenta algo, jamais consegue se justificar. O momento que poderia trazer alguma riqueza e tom dramático – sua morte – só serve para fazer uma piadinha no funeral. E nada mais.

Assim, toda a possibilidade de paixão é alijada. É desesperador ver uma personagem tão mal construída, tão vazia de sentido como a Fermina – que deveria ser responsável por mover a trama e não passa de um bibelô, pois jamais é explorada uma emoção sua sequer, um momento que mostre o que ela sentia, que a fizesse humana. Com isso, na cena em que ela despreza Florentino, tudo soa gratuito e sem motivo. Afinal, a essência da personagem foi sonegada. Assim, restam apenas marionetes, figuras caricatas e totalmente destituídas de humanidade. Exatamente como em uma novela de tevê. Em tempos de premiações e listas, O Amor nos Tempos do Cólera seria um perfeito candidato à Framboesa de Ouro.

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