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Anos 90

(Mid90s, 2018)
7,3
Média
72 votos
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Sua nota

Críticas

Cineplayers

Espelhos de um tempo

9,5

A estreia na direção de Jonah Hill parece perceber uma sensibilização do mesmo em relação aos temas que já lhes eram caros em suas escolhas primais como ator. A busca pela aceitação no duro caminho à vida adulta, lendo essa aceitação como amadurecimento, busca por paz interior, partilha de irmandade, além da própria definição em si, formam (pro bem e pro mal) um grupo de fatores intrinsecamente conectados presentes em suas escolhas artísticas, celebrando a relevância com a qual sua carreira vem sendo construída e solidificada. Do marco zero de sua exposição ('Superbad!') até as mais recentes incursões ('Cães de Guerra'), exala coerência em cada passo a partir da observação de seu currículo cinematográfico, além da própria evolução se valer também dentre essas escolhas.

O microcosmos observado em Anos 90 pouco tem de original, mas o material humano que é aplicado à receita tem uma docilidade característico de quem já trilhou aqueles caminhos. Em uma temporada onde entre os indicados ao Oscar tinha uma joia documental chamada Mind the Gap se embrenhando nesse mesmo universo liberto da ficção, Jonah entende a inadequação abordada, as tentativas de escapar da introspecção, as descobertas sobre um desconhecido carisma, e de se ver enfim maior do que sempre imaginou. Além disso, o filme também é a crônica de um tempo que ele reconhece e identifica, e sem qualquer exagero ou caricatura, a década surge na tela naturalizada e mesmo carinhosa - no Seal de Kiss From a Rose tocada no fundo, na camiseta de Beavis e Butthead, na própria eclosão do skate como ferramenta de inclusão e conexão entre tribos. Os significados são tão evidentes e definidores por serem tão sutis.

Todas as relações decalcadas no filme são fruto de apostas no afeto e no naturalismo, do núcleo familiar ao grupo de amigos, passando pelas auto observações (mal) escondidas num olhar ou numa atitude, que revelam o tanto de universos particulares filmados por trás de cada rosto, sem que Stevie precise deixar de ser o protagonista, apenas recheando cada tipo com miolo consistente; cada pessoa em cena tem importância real para sua narrativa e desempenha um papel importante, seja do tamanho que for, para nutrir a narrativa pretendida. O trabalho da autoralidade aqui também se traduz na forma orgânica com que o elenco se funde ao roteiro, criando um universo de credibilidade exemplar; a conexão dos dois atores experientes (Lucas Hedges e Katharine Waterstone) ao elenco jovem não-profissional capitaneados por Sunny Suljic é outro fator de excelência, unificando seu corpo de elenco a um denominador comum.

O filme também trata dos reflexos e projeções involuntárias que nossa formação como indivíduo promove. Existe uma roda de eventos situados na produção que vão sendo reproduzidas uns pelos outros, ações que reafirmam o poder da influência externa na vida de cada um ou celebram a catarse do oposto, quando categoricamente desenvolvem o antagonismo. Adolescentes precisam de aprovação alheia, e o filme capta tanto as tentativas dos mais jovens tentarem essa camada de aceitação quanto a desmistificação do amadurecimento - ele existe, mas é relativo. No fundo, todos queremos ser aceitos, em todas as fases. Os conflitos existem (entre irmãos ou entre colegas) para suprimir a forma como nos olhamos, e a questão da autoconfiança é trabalhada no roteiro como um objeto frágil que pode sucumbir a qualquer momento. Cada atitude reprovada acabará por ser copiada, quase como um bastão ruim que precisa ser passado adiante aos mais novos. 

A mise-en-scene de Jonah reinterpreta o conceito de 'close', os utilizando para observar o distanciamento de cada personagem filmado. Não a toa todo o núcleo jovem tem um monólogo pra si, onde revela seu mundo interior e acrescenta matizes ao trabalho exemplar do elenco. Além de ter criado um sem número de planos e sequências inesquecíveis (as surras entre irmãos, o tombo de Stevie, o momento em que o mesmo compreende a barreira familiar, o acidente de carro que prova o virtuosismo da montagem de Nick Houy), também manteve a tradição de diretores-atores serem sensíveis a seu grupo e os coordenarem à perfeição, faz parte da magia de 'Anos 90'. Atrás das câmeras, ele parece ter captado as nuances de todos os planos, tenham eles diálogos ou apenas corpos em movimento, cada detalhe filmado tem vida própria e merece a delicadeza da direção. Ainda sobre o jogo de espelhos da maturidade, as duas cenas onde Stevie segue na rodovia entre os carros com os amigos mostram a emancipação do protagonista, vivido com encanto genuíno por Sunny Suljic, em uma dessas performances definitivas que acontecem vez por outra. Ele capta todas as intenções que o projeto de Jonah pedia, da timidez inicial ao despojamento que a intimidade nos lega, e a própria inspiração vinda do diretor e sua jovem história, criatura e criador cuidam em reproduzir o tempo em tela, o que nos passa e que passamos sobre. 

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