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Críticas

Cineplayers

A catarse de Miike.

8,5
A intenção de Apocalipse Yakuza, nova obra de Takashi Miike, já é denunciada no título. Ícone de um exploitation moderno, saído do direct-to-video e tornado cult, o diretor não se exime de tornar de forma crescente seu filme a acepção popular do nome que carrega: Apocalipse Yakuza é de fato um apocalipse em forma de filme, misturando e dinamitando arquétipos, ignorando um mundo de plácidas narrativas convencionais e verossimilhantes e fazendo uma obra excessiva inteiramente pelo efeito cinematográfico.

O pano de fundo Yakuza mais uma vez na obra do cineasta deve-se à paixão do mesmo pelos arquétipos da “pessoa de ação”, como explicou em entrevista à VICE, aqueles indivíduos que não demoram para resolver conflitos de forma física. E ação externa é tudo em Miike: do terror gráfico ao filme infanto-juvenil, dificilmente a ação se dá de forma dialogada e introspectiva. 

Necessariamente, a atenção do diretor está toda dedicada a filmar embates, perseguições, ofensivas e resistências. Seus personagens sempre estão, de alguma maneira, pulando de um embate para o próximo, em tom galhofeiro, histérico, hiperbólico. Apocalipse Yakuza é feito dessa matéria prima com a qual Miike trabalha, com os recursos visuais, sonoros, visuais e dramatúrgicos desse cinema extremo sendo engrenagens dessa escalada over-the-top.

Quando Miike ergue a própria mitologia de um líder de gangue impossível de matar por ser na verdade um vampiro, está invadindo a própria formação do que se entende por cinema em uma visão popular, desestabilizando o arquétipo - não satisfeito apenas com o moderno filme referencial, intertextual por excelência, o diretor cruza a grande referência do cinema de crime (o bandido) com a grande referência do cinema de horror (o monstro), se apropriando de toda a sorte de elementos visuais - coreografias em cenas de luta, efeitos especiais gerados por computador, performances exageradas e intervenções satíricas de gramáticas populares, como melodramas e comerciais. 

Apocalipse Yakuza é, assim como outros filmes marcantes do diretor como O Teste Decisivo (Odishon, 1999), um carnaval de linguagem, onde para a fruição está a necessidade em entender o que se parodia e referencia, onde está sendo posta tal referência e com qual efeito, se esse efeito está jogado dentro do horizonte de expectativas ou se está sendo subvertido para além de nossas referências básicas de coerência. Se há uma língua cinematográfica que o público aprende a receber sensorial e intelectualmente e aí construindo a ideia de uma tradição de narrativas, os filmes de Miike não reutilizam o conhecido - horror, ação, comédia - para pertencer a um filme de “gênero”, mas para configurar-se como ponto fora da curva, insistindo que sua missão em matéria de construção é plantar expectativas comuns para colher aberrações. Nós não devemos esperar artifícios cômicos onde se caracterizou aceitável inserir, ou tempo dilatado para criar tensão por momentos esperados, com duração esperada. Se o cinema com sua gramática também é uma arte temporal, essa língua também fala sobre tempos e durações; e se estamos falando disso em um filme de Takashi Miike, é claro que o carnaval referencial também perpassa pela experimentação do quanto se pode repetir ou se estender o mesmo efeito, com as grandes sequências indo, e muitas vezes passando, do limite de tolerância acostumado.

Batizando a obra com o subtítulo “A Grande Guerra do Submundo”, entende-se que ele aborda um mundo particular: esse é um mundo alternativo àquele que conhecemos, separados do que seria o mundo “de cima”. Quando nos é apresentado o protagonista - o leal Yakuza que anseia tornar-se parte do grupo, mas é impossibilitado de se tatuar devido à pele sensível - e o seu destino - ver seu chefe ser brutalmente assassinado, herdar a condição vampírica e partir para vingança dos executores - não é para que aquele mundo inédito seja desvendado e comece a fazer sentido; antes, ele caminha junto conosco em uma jornada absurda, onde vilões cada vez mais esquisitos, histéricos e cômicos atravessam seu caminho; onde as lutas filmadas de maneira realista logo ganham um caráter fantasioso e os elementos que compõem a mitologia gângster ganham um status também fantasioso - a tatuagem que surge nas costas do protagonista após o mesmo se tornar vampiro não o identifica apenas como um membro de uma gangue Yakuza, mas também como a encarnação de um estereótipo de violência e ação.

A jornada do filme para o total desabrochar do filme é lenta. Enquanto recebemos pequenos insights bizarros - os demônios vindos em formas bizarras, performados por atores em fantasias toscas, brincam com a nossa suspensão de descrença, nos afastando de início pela ferramenta do ridículo mas logo nos convidando a acompanhar as longas sequências - como quando conhecemos o grande antagonista do filme desferindo golpes em uma fantasia de sapo antropomórfico. Sua persona é ridícula, mas também violenta, e seu protagonismo cada vez mais crescente do filme adquire uma importância quando entra em rota de colisão com o vampiro Yakuza.

E se esse filme é todo pelo efeito, todo pela catarse, cada elemento bizarro introduzido volta furioso em seu clímax, onde Miike filma personagens se acabando em lentas disputas de resistência; a epidemia vampírica que espalhou a consciência Yakuza por todo bairro, gerando conflito entre os vampiros e os Yakuzas “batizados” em discussões e conflitos físicos dignos de um slapstick, atingindo seu ápice de hipergrafismo com protagonista e antagonista se enfrentando em uma longa luta onde cada um se tornará mais forte e mais resistente que o outro, e mais uma vez, e mais uma, e mais uma… Até o filme acabar em cima da marca do pênalti de um possível novo confronto final, pois uma vez que o vampiro Yakuza, o violento protetor contra o violento invasor, já se tornou um mito para Miike, a luta do que avança contra aquele que resiste irá se repetir indefinidamente.

Aos olhos dos preocupados do efeito com intenção específica, do cinema pela mensagem, do significado além da tela, o cinema de Takashi Miike é mesmo louco, desvairado, perverso. Intenta utilizar referências como um ponto de partida onde o ponto de chegada é desconhecido, talvez por correr de maneira cíclica, de capitular autodescoberta e violência de maneira cíclica, ainda que progressiva, e irá subir de tom o quanto der sem se comprometer necessariamente em ter um fim, concluir uma ideia. Há o efeito sugerido; há a sensação física em resposta e dessa relação, há a catarse, tudo com o que Miike sonha.

Quando disse que pretendia voltar ao tema para fazer com que os filmes “bobos e chatos” de Yakuza fossem esquecidos, já podia esperar-se o volume máximo da fascinação máximo pela ação. Não há nada que a câmera de cinema não externe, traga para a fora, e não há nada que seja externado que Miike não possa tornar ainda mais hiperbólico. É fora de nossos costumes, fora de nossas narrações, fora de nossas expectativas; mais do que um submundo, um mundo paralelo, é um apocalipse, o fim de todos os conceitos - ao menos como nós julgamos conhecer. A catarse não pode ser intelectual; há de ser visceral. Se não desestabilizasse, se não estivesse sempre em busca do gozo, do ápice, da explosão, jamais seria Miike.

Comentários (5)

Francisco Bandeira | quarta-feira, 16 de Dezembro de 2015 - 16:14

To doido pra ver esse filme. Imagine depois de ler esse texto. HAHAHAHA

Bruno Bernardes | domingo, 27 de Dezembro de 2015 - 00:02

Péssimo filme com uma narrativa ruim e cenas de ação jogadas na tela desprovidas de sentido algum. Personagens nada cariscamaticos, enfim, duas horas perdidas da minha vida.

Lucas Nunes | quinta-feira, 22 de Setembro de 2016 - 20:17

Primeiro ato maravilhoso, segundo ato besta e arrastado além da conta e terceiro ato incompreensível. Outra porcaria de Takashi Miike!

Bernardo D.I. Brum | quinta-feira, 22 de Setembro de 2016 - 21:50

A meiuca dava pra melhorar mesmo, mas curti muito a pirada de vez do final hahaha

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