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Críticas

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Uma declaração de amor a um dos maiores filmes anti-guerra já feitos na história.

10,0

No coração de todo homem há um conflito entre o racional e o irracional, entre o bem e o mal e nem sempre é o bem que sai vencedor.
 
Em 1979, já um diretor consagrado, Francis Ford Coppola assumiu uma tarefa que quase tirou-lhe a sanidade. As filmagens de Apocalypse Now foram um pesadelo, com enfarte do protagonista, furacões e outros incontáveis problemas. Mas valeu a pena, ao menos para os milhões de cinéfilos em todo o mundo. Apocalypse Now revelou-se, sim, um pesadelo, porém um pesadelo magnífico, um dos mais arrebatadores e poderosos filmes do Cinema. Mais de vinte anos depois, Coppola decidiu entrar na onda do momento e lançar sua versão definitiva para a obra, acrescentando quase 50 minutos de cenas que ficaram de fora da versão original. Eis Apocalypse Now Redux.
 
O exército ensina nossos jovens a matar e soltar bombas, mas os comandantes não permitem escrever “foda-se” nos aviões porque é obsceno.
 
Baseado na obra Heart of Darkness, de Joseph Conrad, Apocalypse Now conta a história do capitão Willard, um combatente no Vietnã que recebe uma missão especial e confidencial: encontrar e matar um homem no meio da selva vietnamita. O problema é que o homem é o coronel Walter Kurtz, um dos mais condecorados e respeitados oficiais do exército americano, que parece ter enlouquecido e formado uma própria seita onde é tratado como Deus por seus seguidores. Willard e sua equipe partem em um barco ao encontro de Kurtz e de si mesmos, enquanto presenciam os horrores e a estupidez da guerra.
 
Você não tem o direito de me julgar. Tem o direito de me matar, mas não de me julgar.
 
Apocalypse Now é normalmente tratado como um dos melhores filmes já realizados e o maior protesto anti-guerra já posto em celulóide. Isso não é mentira, mas restringi-lo a apenas essa definição chega a ser um sacrilégio. Apocalypse Now é uma jornada psicologicamente devastadora e surreal. É um complexo estudo sobre a dualidade e o conflito existente em cada ser humano. Uma análise pungente e hipnotizante sobre o frágil cordão que divide o nosso lado racional e irracional.  É muito mais do que um filme sobre a estupidez da guerra, assumindo a posição de uma profunda reflexão sobre o ser humano e seus limites.
 
Há dois de você: aquele que mata e aquele que ama.

Dessa maneira, a viagem de Willard e sua equipe rio acima para encontrar Kurtz é uma metáfora sobre a jornada de cada pessoa para conhecer a si mesmo e compreender o sentido de sua existência em meio ao caos. Através de contornos oníricos e surreais, Apocalypse Now retrata o quão fácil é liberar o lado irracional de nosso ser, mesmo que seja através da mais desprezível forma de auto-conhecimento existente no mundo: a guerra.
 
Como você chama assassinos que acusam assassinos?
 
Com o objetivo – alcançado, diga-se de passagem – de propor tantas reflexões e análises, Coppola e o roteirista John Milius mostram inteligência ao optar por fazer de Apocalypse Now um filme de questionamentos e não de respostas. Todas as definições e idéias que fervilham na mente do espectador após as mais de três hipnóticas horas de filme saem através de nossas próprias percepções a respeito daquilo que nos é mostrado. Coppola não exige que todas as pessoas saiam com o mesmo pensamento após assistir ao filme, preferindo oferecer apenas a base necessária para o espectador realizar tais ponderações, o que os leva, conseqüentemente, a compreenderem a si mesmos. Essa é a causa principal de Apocalypse Now ser uma experiência tão emocionalmente profunda e marcante, em oposição a “apenas” um belíssimo exemplar da sétima arte.
 
Eu assisti uma lesma rastejar pela lâmina de uma navalha e sobreviver. Esse é meu sonho. Rastejar pela lâmina de uma navalha e sobreviver.
 
Toda essa inteligência de Coppola e Milius pode ser percebida nas frases e diálogos inesquecíveis que entraram para a história do cinema – como aqueles que permeiam esse texto – e na maneira com que deixam espaço para as reflexões do espectador. Dessa forma, o público passa o filme inteiro procurando suas próprias respostas para questões como: Kurtz é louco como os oficiais afirmam ou apenas atingiu um nível de compreensão sobre tudo o que o cerca que ameaça os superiores? Qual o verdadeiro sentido da viagem que a equipe de Willard faz? O quanto diferente deles próprios é Kurtz? Se Willard sabe – e acredito que ele saiba desde o início – que está entrando em uma viagem sem retorno, o que o motiva a seguir adiante? Qual a razão de todo o caos em que se encontram envolvidos?
 
Eu estava indo para o pior lugar do mundo e não sabia.
 
A versão original de Apocalypse Now era muito mais focada na compreensão da personalidade de Kurtz, procurando mostrar o receio de Willard em gradativamente se transformar no próprio homem que persegue à medida em que o compreende melhor. Em Redux, a experiência de assistir ao filme é muito mais rica, pois, além de contar com a trama sobre Kurtz, a visão agora é muito mais ampla, adquirindo contornos políticos e analisando a hipocrisia do governo americano e o papel dos Estados Unidos na Guerra do Vietnã. Por exemplo, em um momento que não aparecia na versão original, um homem diz a Willard: “Vocês estão lutando pelo maior nada da História”. É mais uma camada que se acrescenta à já magnífica história e que termina por engrandecer o filme.
 
Um dia esta guerra vai acabar. Para os garotos do barco, está bom. Eles não querem nada mais do que encontrar um caminho para casa. O problema é que eu já voltei e sei que aquele lugar não existe mais.
 
Um aspecto que é praticamente impossível de acreditar é como, mesmo com uma produção tão tumultuada, Coppola conseguiu a façanha de criar alguns dos momentos mais memoráveis já vistos em qualquer tela de cinema em qualquer lugar do mundo. O encontro de Kurtz e Willard, que em Redux ocupa quase uma hora, é o mais próximo que o Cinema já chegou de se transformar em poesia. As cenas possuem um lirismo, tanto visual quanto textualmente, que transcendem a definição de cinema que todos conhecemos, dirigindo-se a um ponto obscuro e adormecido na mente de cada espectador.
 
Nós os cortávamos ao meio e depois dávamos um band-aid. Foi a maneira que encontramos de viver com nós mesmos.
 
O mesmo pode ser dito da cena de abertura do filme, uma das mais famosas de toda a história, com helicópteros entrando e saindo de quadro enquanto uma floresta é destruída, ao som de The End do grupo The Doors, ditando o tom para o que será o resto de Apocalypse Now. Dentre outras várias, é impossível deixar de citar a majestosa seqüência do ataque a uma aldeia vietnamita com os helicópteros dançando ao som de A Cavalgada das Valquírias, de Wagner. Simplesmente de tirar o fôlego.
 
- Você é um assassino?
- Sou um soldado.
- Não é nenhum dos dois. É apenas um mensageiro, enviado para coletar uma dívida.

Contando com atuações irrepreensíveis de todo o elenco, além da magnética presença de Marlon Brando, Apocalypse Now e, principalmente, Apocalypse Now Redux são obras praticamente indefiníveis, já que não ouso chamá-los meramente de filmes, pois acredito que seria diminuir seu imenso valor e alcance. Coppola realizou, além do maior libelo anti-guerra de todos os tempos, uma das experiências cinematográficas mais arrebatadoras que jamais teremos a chance de acompanhar. E foi de sua mente que saiu a idéia e a concepção da cena onde um dos maiores atores que o cinema já conheceu define, com apenas quatro palavras, tudo aquilo que é a guerra:
 
O horror, o horror.

Comentários (10)

Marlon Tolksdorf | segunda-feira, 11 de Agosto de 2014 - 16:11

Pra mim é a do Robocop, do Bernardo.

Marcos Freitas | segunda-feira, 11 de Agosto de 2014 - 18:36

Ótima crítica, de um dos melhores filmes já realizados na história do cinema. 😁

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