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Críticas

Cineplayers

Postos lado a lado: a morte de um cinema e o nascimento de outro.

9,0

Há um restrito círculo de filmes distribuídos parcamente ao longo destes mais de 100 anos que, ao menos em relação a algo, podem-se dizer acima (ou à frente) de todos os outros. Obras que leem o momento com a autoridade de um alquimista, de quem olha para a história tendo visto milênios além daquele momento. Um exemplo óbvio são os filmes referentes à morte do western (que Leone e Peckinpah retrataram lindamente, mas que apenas Anthony Mann viu acontecer). Ou Michele Soavi velando o horror italiano em Pelo Amor e Pela Morte.

Ascensor Para o Cadafalso é um noir de acidentes. Não apenas na superfície dos fatos, mas na estrutura. Se partirmos da matriz americana, ele começa no terceiro ato; é quebrado, interrompido e invadido pelo espírito inconseqüente da juventude francesa naquela mistura irresistível de infância e tragédia como que prelúdio do fim de um capítulo e do início de outro / introdução à nouvelle vague e epílogo do film noir.

O anti-herói típico comete um erro patético que o mantém preso no elevador da cena do crime quase o filme inteiro; a femme fatale vaga sem rumo pelos bares madrugada afora à procura de seu amante. Enquanto isso, os jovens roubam o filme para si e tecem uma sub-trama que, pelos ‘imprevistos planejados’ por Malle, ascende ao status de ação dominante. O desenvolvimento do noir é lento, lamentado, obscuro (sempre revestido pela trilha de Miles Davis que parece conferir uma classe melancólica a todas as coisas); enquanto que a aventura do jovem casal transcorre impulsiva e cheia, contaminada, atingida fatalmente pela paixão.

Malle encena em Ascensor Para o Cadafalso não apenas o desvanecer de uma era nem a suave transição desta para outra, mas o seu quase atropelamento. Talvez não por coincidência - já que o noir e o western representavam um só espírito - o ano de 1958 tenha lançado também O Homem do Oeste. E A Marca da Maldade.

O último terço é uma trégua entre os gêneros. O dia amanhece, a resolução dos fatos entra em cena (na pele do invariavelmente marcante inspetor da polícia, nesse caso vivido pelo fodástico Lino Ventura) e os “sub-filmes” que antes seguiam paralelos, cruzando um a frente do outro, agora convergem para o que parece ser um acordo elegante proposto por Malle (e seguido / perseguido na mesma época por Jean-Pierre Melville), cujo final coloca na mesa uma regra entre cavalheiros: no cinema, os autores mudam, as eras passam, mas a verdade (enquanto instituição) seguirá propriedade irrevogável da imagem.

Comentários (7)

Darlan Pereira Gama | quarta-feira, 29 de Janeiro de 2014 - 09:59

Me enganei com a foto rsrsrsrs, então Parabéns Boaventura.

Francisco Bandeira | quarta-feira, 29 de Janeiro de 2014 - 11:59

Moreau dá um show em cena, fotografia perfeita e a trilha sonora dispensa comentários! Filmaço!

Francisco Bandeira | quarta-feira, 29 de Janeiro de 2014 - 14:54

Kind of Blue é um de meus álbuns favoritos, citei quando falei da trilha sonora de Trapaça. Hehehe

Reunião de gênios nesse filme, só poderia sair OP!

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