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Críticas

Cineplayers

Para os amantes de Agatha Christie, um presente de Robert Altman. Uma bela sátira ao sub-gênero de detetive.

8,0

Os filmes de Robert Altman são facilmente reconhecidos, se você já assistiu a algum deles anteriormente: MASH, O Jogador ou mesmo Doutor T. e as Mulheres (talvez o pior de sua carreira) são filmes que utilizam a sua famosa técnica de filmagem, que é composta por imagens que parecem informais, câmera solta pelo cenário, deixando os personagens - quase sempre uma meia dúzia deles na mesma cena - soltos, sempre com muito improviso, com diálogos em vários planos diferentes, todos ao mesmo tempo. Seus filmes têm geralmente esse estilo todo próprio do diretor, e muitos críticos adoram isso (claro, outros detestam). Particularmente, eu adoro, e seu último lançamento, Assassinato em Gosford Park, traz tudo isso, com um roteiro interessante, cheio de sarcasmo e humor sutil - uma delícia de filme para ser assistido.

Este foi o filme surpresa no Oscar de 2001, tendo sido indicado para sete categorias distintas - Melhor Roteiro Original, duas indicações para Atriz Coadjuvante (Helen Mirren e Maggie Smith, Direção de Arte, Figurino, Diretor e, claro, Melhor Filme). Acabou levando apenas o de Roteiro Original. Como era o azarão desde as indicações, ninguém se sentiu ofendido por causa disso. Formado basicamente por um elenco enorme de atores ingleses - inclusive brincou-se muito na época do seu lançamento que a Inglaterra, quem diria, conseguiu lançar algo naquele ano além de Harry Potter, Assassinato em Gosford Park (o nome não é mencionado uma vez sequer no filme) é um filme que fala sobre a divisão de classes nos anos 30, mostrando um final de semana numa enorme mansão cheia de esnobes burgueses, que se reúnem para uma visita informal e uma caçada, levando consigo seus empregados.

O grande ponto positivo do filme é mostrar os dois lados - patrões e empregados, ou serventes - com a mesma igualdade e respeitabilidade por parte do roteiro. Tanto a parte esnobe, que é formada por um bando de madames "frescas", num ambiente embriagante de inveja, fofocas e arrogância; quanto a parte dos empregados que, de uma maneira diferente, é um ambiente tão nauseante quanto a outra parte, receberam um tratamento equivalente do diretor, e todos os personagens que se hospedaram na mansão acabam sendo bastante desenvolvidos, e o melhor, são todos bem interessantes. Os créditos do filme classificam as duas classes como "os das escadas altas" e "os das escadas baixas", fazendo referência ao local dos aposentos de cada tipo de personagem dentro da mansão.

O único inconveniente do filme em relação aos personagens é que, devido ao número grande deles, fica difícil situar as intrigas e fofocas que aparecem durante todo o tempo. Perto do final do filme, obviamente você já estará bem mais ambientado com todos, mas até lá será difícil entender algumas conversas. Felizmente, nenhuma dessas formam realmente o conteúdo importante que o filme deseja passar, afinal, são sempre as mesmas fofocas, seja do lado do patrão ou dos empregados: "você viu a noiva sem graça do fulano?", "sua patroa é boa com você?", "'milady', o sr. ciclano de tal deseja conversar com você", etc. e tal.

Mas o "assassinato" presente no título também não é tão importante quanto aparenta ser - creio que foi apenas mais uma jogada de marketing da distribuidora brasileira, pois o título original não traz nenhum "murder". Embora todo o filme lembre como nunca um dos inúmeros romances de Agatha Christie (incrível a semelhança, quem leu qualquer livro dela vai se identificar facilmente), e o filme envolva sim um assassinato, com o roteiro jogando vários suspeitos na sua frente, no final o caso é resolvido (não pelos detetives) de maneira fácil e você percebe que tais pistas foram totalmente supérfluas. Ou seja, o tal assassinato é apenas mais um dos vários assuntos tratados entre os convidados durante o final de semana em Gosford Park.

O elenco está simplesmente maravilhoso, com destaque para a veterana Maggie Smith, que interpreta a personagem mais irritante do filme, uma senhora idosa que anda com o nariz empinada e se irrita com qualquer coisa que não lhe agrade, ofendendo (sem querer) tudo e a todos. Uma cena em particular, onde ela, sempre série e formal, acaba rindo solta, é uma das melhores do filme, embora seja sutil e você deve estar atento a seu significado. Por falar em sutileza, o filme possui um humor sarcástico simplesmente delicioso, e você deve estar sempre atento, pois como foi falado logo no início, Altman possui em seus filmes inúmeras cenas com vários "níveis" ou planos de ação simultâneos, ou seja, ao mesmo tempo pode-se acompanhar um diálogo ou uma situação em primeiro plano, e bem no fundo da tela, estar ocorrendo outra situação ou diálogo tão ou mais interessante quanto o de primeiro plano. É uma técnica que confere um dinamismo e um ritmo ótimo à narrativa do filme, que já foi muito bem empregada também em vários de seus outros filmes, como já foi citado.

O filme termina quando todos os convidados despedem-se da dona da mansão, confirmando mais uma vez que, embora sejam tratadas várias histórias dentro do filme ao mesmo tempo - o caso da empregada com o figurão ricaço, o empregado órfão à procura de seu pai, o novo filme do produtor americano, etc. - nenhuma delas tem um fechamento (nem mesmo o caso do assassinato pelos investigadores). O filme fala, então, principalmente do relacionamento patrão-servente, pessoas que passam a vida todas devotas de outras, que não possuem vida própria, e estão lá para servir o tempo todo, sem receber o devido reconhecimento. É na verdade uma crítica sutil à burguesia inglesa (somente inglesa?) daquela época.

Contanto ainda com figurino e sets de filmagem de época muito realistas e bonitos, Assassinato em Gosford Park é também um bom filme tecnicamente falando, pelo menos dentro do modo de filmar de Altman. Com este filme, o diretor prova que ainda está em ótima forma, e se redime do vexame que foi Doutor T. e as Mulheres, em um filme que, mesmo longo em sua duração, é agradável e divertido de assistir. Contudo, não espere ver nenhum conteúdo que vai mudar a sua vida ou sua cabeça, no final você vai apenas acompanhar de camarote a vida fútil de alguns esnobes e seus pobres empregados, e como todo esse pessoal consegue criar, a partir de coisas simples, problemas gigantescos. Fica a recomendação!

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