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Críticas

Cineplayers

Conheça o filme que impulsionou a carreira internacional de Antonioni.

8,5

Cinéfilos nunca concordam em nada, mas quando a questão é decidir qual o melhor filme de Michelangelo Antonioni, os admiradores do diretor italiano costumam dividir-se em dois grupos. O primeiro deles prefere um de seus filmes em inglês, ou seja, sua obra-prima seria ou Profissão: Repórter, com Jack Nickholson (sobretudo por conta do virtuosístico plano-seqüência do final), ou Depois Daquele Beijo, com Vanessa Redgrave (nesse caso, os brasileiros sofreram muito, pois somente no ano passado foi lançada a versão original, com a metragem e as cores imaginadas pelo cineasta; antes só havia disponível uma cópia da Warner editada e esmaecida à disposição).

O segundo grupo prefere como auge da carreira de Antonioni um dos três filmes da chamada Trilogia da Incomunicabilidade. Neste caso, os cinéfilos brigam entre três filmes: A Aventura (os americanos são os que mais gostam), A Noite (a maioria dos cinéfilos, é seu filme mais conhecido) ou o desfecho, O Eclipse (considerado o mais radical de seus filmes). Para os brasileiros, essa escolha foi praticamente impossível, pois a Trilogia nunca fora antes lançada em vídeo (VHS ou DVD). Exceto A Noite, sempre presente em mostras pelo país, os outros dois filmes eram raridades em Pindorama.

Pois a Versátil acaba de corrigir esse defeito 45 anos depois do lançamento do lançamento da Trilogia. Os DVDs podem ser comprados ou alugados, finalmente, no Brasil. Bom, antes tarde do que nunca. É interessante notar que as distribuidoras estão sempre dispostas a lançar no país os mais infames filmes de Hollywood e nunca clássicos como esses. Antigamente chamavam isso de “imperialismo”, mas a palavra saiu de moda e agora se diz “lógica de mercado”.

A Aventura conta a história de um grupo de seis burgueses entediados (três casais) que partem para um cruzeiro a uma ilha inabitada e isolada da Sicília. Uma das moças, Anna, em briga constante com o namorado e com o pai, desaparece. Não se sabe se ela simplesmente foi embora por tédio ou se tentou o suicídio. O filme se deterá na busca à mulher e o impacto que o desaparecimento teve em seus amigos – que é quase nenhum.

Um dos grandes achados do filme é usar as ilhas, rochas, igrejas, cidades abandonadas e outras maravilhas arquitetônicas e naturais do sul da Itália como metáfora visual do vazio existencial das personagens.  A melhor amiga da desaparecida, Claudia (Mônica Vitti), e seu namorado, Sandro (Gabriele Ferzetti), partem à procura da cidadã em cidades vizinhas. Logo se tornam amantes, não se sabe se por atração física ou se porque não tinham nada melhor mesmo para fazer.

A Aventura venceu o Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes de 1960 e catapultou a carreira internacional de Antonioni. Entre as cenas que poderíamos chamar de chocantes são os atos mesquinhos cometidos pelos endinheirados sem explicação, apenas por tédio. Um deles deixa cair um vaso histórico e valioso. Sandro derruba a tinta de um pintor só para iniciar uma briga. Nenhum deles deixa de freqüentar a festa à noite, mesmo sabendo que a amiga poderia estar morta naquele momento ou precisando da ajuda deles.

O mistério do desaparecimento não será revelado, de forma que a trama de suspense importa pouco no filme. Pode-se entender o desaparecimento de várias maneiras, mas, em vista do pouco interesse dos demais na morte da amiga, o melhor talvez seja mesmo o de não prestar atenção ao sumiço e focar-se no mundo de futilidades, de sexo apenas para passar o tempo, da sensação de poder que sentem os habitantes da alta classe italiana e a manipulação que eles podem fazer a si mesmos e com os outros.

Antonioni faria na seqüência A Noite com Marcello Mastroianni e Jeanne Moreau vivendo um casal entediado que vê o casamento acabar por falta de estímulos. Passado numa única noite, Mastroianni encontrará numa festa chique uma igualmente entediada Mônica Vitti e com ela tentará dar um sentido nas relações amorosas.

Atriz e diretor fariam ainda a parte final da trilogia, O Eclipse, com o galã francês Alain Delon, e o primeiro filme em cores do diretor, Deserto Vermelho. Era a época da industrialização da Itália e Antonioni filmou as transformações físicas e sociais em curso. Delon interpreta um ambicioso negociador da Bolsa de Valores obcecado em ganhar dinheiro. Em Deserto Rosso, a musa Vitti é a depressiva burguesa que vaga sem rumo portos italianos recém-construídos a procura de algo – não precisamente nada.

Depois da Trilogia e Deserto Vermelho, Antonioni faria seus próximos filmes para grandes estúdios americanos e ingleses com o produtor Carlo Ponti, marido de Sophia Loren, dando início a uma segunda fase em sua carreira sempre tão discutida, amada e detestada com fúria, mas felizmente não mais ignorada (afinal, os DVDs foram lançados).

Comentários (2)

Ygor Amarante Rodrigues Gouvêa | sábado, 04 de Outubro de 2014 - 02:39

Cara, tem passagens interessantes no seu texto, e os personagens podem sim fazer sexo por não ter nada pra fazer, por tédio, mas é muito raso dizer as coisas dessa forma. Digo o mesmo para o lance da briga. Eis minha opinião:

Para mim é filme real, delineado pela angustia dos personagens, pelo comodismo, pelo egoísmo, pelo medo de olhar pra si mesmo, de de fato viver e com isso os mesmos vivem em fuga, maquiando suas realidades. Por isso acertadamente escolheram a denominação "Trilogia da incomunicabilidade", os personagens estão longe de comunicar consigo mesmos e consequentemente com os outros. Vamos voltar ao exemplo da briga, o personagem tinha a pouco falado sobre seus sonhos frustrados na arquitetura, e sem olhar pra si mesmo, simplesmente se sentiu incomodado com o fato de alguém novo estar contemplando a mesma. Como se só ele importasse. Pensa agora no fim, fica a pergunta "Será que naquele momento a ficha caiu pra eles?", podem ter apreendido ou simplesmente fechado os olhos.

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