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Críticas

Cineplayers

Reciclagem de Os Caçadores da Arca Perdida, o Tintim de Spielberg funciona apenas como um milionário comercial para uma nova franquia de produtos.

5,0

Tudo que Hollywood pôs a mão nos últimos tempos em termos de adaptação de quadrinhos para as telas invariavelmente fracassou a despeito das enormes bilheterias, e o novo filme de Steven Spielberg, As Aventuras de Tintim - O Segredo do Licorne (The Adventures of Tintin: The Secret of the Unicorn, 2011) no que pese o nome dos envolvidos, como Peter Jackson entre os produtores, não é uma exceção. Todo o universo do misterioso repórter belga (sem parentes, sem amigos, jornalista em que os artigos nunca aparecem, ninguém sabe de onde veio nem nada de seu passado) ficou parecendo uma versão desenho animado, teen e computadorizada de Indiana Jones (mesma história, mesmos cenários, mesmos carros, a cena do avião, vilões e até piadas). Quem vai gostar são os fãs de jogos eletrônicos: Tintim é um jogo eletrônico de ação filmado. Até as imagens já estão prontas nesse formato.

Primeiro vamos aos fatos e ao contexto. Spielberg divide seu tempo hoje em dia entre a DreamWorks, que dirige junto a Stacey Snider e um grupo de investidores indianos, e a Amblin Entertainement, para a qual produz suas choradeiras histórico-melodramáticas judaico-redentoras. Na DreamWorks, faz filmes “mais comerciais” distribuídos pela Walt Disney. Dessa lavra saíram os barulhentos Gigantes de Aço (Real Steel, 2011), a série Transformers e Caubóis & Aliens (Cowboys & Aliens, 2011), além de inúmeras séries, como Terra Nova, Falling Skies, The River e Smash. Na Amblin, faz projetos “mais pessoais”, distribuídos pela Paramount Pictures: estreia já em janeiro mais um chororô, Cavalo de Guerra (War Horse, 2011), história de um rapaz que sai à procura de seu cavalo durante a Primeira Guerra Mundial, enquanto filma o próximo projeto, Lincoln (Lincoln, previsão de estreia em 2012) com Daniel Day Lewis, sobre o presidente americano. Este ano esteve por trás também de Histórias Cruzadas (The Help, 2011) e Eu Sou o Número Quatro (I Am Number Four, 2011).

Ou seja, Tintim está mais para B, e não destinado aos cânones. Spielberg chamou os mesmos colaboradores que vêm trabalhando com ele nos últimos 30 anos: o editor Michael Kahn, o compositor John Williams (em mais uma pastiche) e os produtores-executivos Kathleen Kennedy e Frank Marshall. Tudo meio no controle remoto, um tanto fossilizado. (O jornal The New York Times insinuou numa reportagem que Spielberg decidiu assinar esse filme por achar que ganhou poucos Oscar na carreira e assim poderia tentar vencer o de animação). Sente-se a mão de Peter Jackson apenas quando o filme assume uma certa megalomania estridente, que tanto emperra os últimos filmes do diretor neo-zelandês.

Tintin exala um ar de algo pré-fabricado, como se alguém tivesse posto todos os feitos do diretor num software e gerado o filme. Mesmo a tecnologia, que capta dos movimentos dos atores para depois transformá-los em animação, já tinha sido utilizada na trilogia O Senhor dos Anéis, de Jackson (não é uma coincidência), e até o ator que “representou” Gollum e mesmo o King Kong no filme homônimo de Jackson, Andy Serkis, é o principal coadjuvante em Tintim. Os corpos resultaram um tanto atarracados, e as mãos excessivamente grandes (Avatar [idem, 2009] também usou a técnica e ainda continua imbatível). No entanto, em certos momentos, dá-se a impressão de que estamos vendo uma nova forma de cinema posta em prática – em especial nos sofisticados movimentos de câmera dentro do mesmo frame. Mas o encantamento vai durar uma hora apenas: daí em diante, o filme, caminhando para o final, transforma-se num sub-Indiana Jones computadorizado.

Para dar a ambientação europeia original dos quadrinhos, transportou-se tudo para a Inglaterra, de forma que Tintim chegou às telas com sotaque britânico (de Jamie Bell) e morando em Londres. Os roteiristas (todos britânicos, Tintim nunca fez sucesso nos EUA) seguiram à risca os manuais do tipo Sid Field e, depois da apresentação dos personagens (30 minutos), tem a primeira virada de roteiro (40 minutos), seguida da tradicionalíssima segunda virada na história, que faz o filme caminhar para o ápice (mais 35 minutos). É tão esquemático que soa um tanto tolo se analisado depois da projeção. A ação ininterrupta é turbinada excessivamente pela montagem feérica, de forma que a suntuosidade das imagens, ainda mais vistas em Imax, tendem a ficar confusas. (Não perca seu dinheiro vendo o filme em 3D, não acrescenta rigorosamente nada ao filme, só atrapalha). O que antes era a atração, despertava a curiosidade, aos poucos vai se tornando supérfluo e por fim redundante.

Como as personagens são fracas e repetitivas, o filme torna-se desinteressante com seu desenrolar – algo impensável num filme da Pixar. Tudo é físico e corre-corre, não tem tensão psicológica. No início, enquanto se manteve com uma certa aura de “velha escola” dos desenhos animados, com minuciosos cenários explorados em ângulos inusitados, o filme desperta interesse. Sua história meio “antiquada” causa uma certa apreensão (será que se sustentará?), mas ao mesmo tempo é reconfortante, com um andamento peculiar e saboroso. No que Tintim é sequestrado e começa a zoeira da “primeira virada de roteiro”, tudo descamba. Na parte final, o filme estará irremediavelmente perdido. A ação barulhenta e anabolizada era para ser o grande trunfo do filme – mas é, na verdade, seu ponto fraco.

Convenhamos que tudo isso nem é culpa do Spielberg: 90% dos filmes de ação hoje seguem o mesmo estilo. No que o diretor quis apenas fazer um filme mais tradicional, eficiente, diversão descompromissada, apenas seguiu o que o mercado pede. E Spielberg entregou. Tanto faz se Tintim é a bola da vez (como já foram os heróis da Marvel e da DC Comics). Inútil portanto discutir a inevitável americanização do personagem surgido em 1929 e mantido com garra pelo criador Hergé até 1983. Spielberg até fez um filme honesto em suas baixas pretensões – o final, anticlimático, é incômodo, pois escancara de vez esse rebaixamento da proposta. Há sim bons elementos em Tintim, mas é seu lado amorfo e sem fulgor, diria até negligente, que fica na memória, como os vinhos ruins, que parecem bons quando se começa a beber, mas deixam aquele traço amargo da qual você se lembra toda vez que vê a garrafa.

Correspondente do Cineplayers no Canadá.

Comentários (51)

Carlos Saldanha | quinta-feira, 26 de Janeiro de 2012 - 00:22

Assisti o filme hoje, e é ótimo. Posso dizer que vc é um babaca, como crítico.

Eduardo da Conceição | segunda-feira, 06 de Fevereiro de 2012 - 14:17

Sinceramente, ainda quero entender o Demetrius. Alguém que posta "que canseira" em "Os Bons Companheiro", filme onde alguém leva um tiro na cabeça a cada 5 minutos, tem sérios problemas. Isso sem contar os comentários a Kill Bill.
Quanto ao filme, temos aqui exatamente o contrário ao que ele falou. O filme é, sim, "inteligente", não a ação barata e preguiçosa de filme de Michael Bay. Todas as cenas de ação são deliciosamente dirigidas e exageradas dentro de seus limites. É gostoso perceber que o próprio Steven Spielberg se diverte com o filme e a falta de uma câmera física (poucas vezes tão bem usadas quanto nesse filme). Isso sem contar todas as sequências de ação milimetricamente planejadas e os ótimos planos.
A história é simples? É, porém aqui é até uma vantagem, mas não chega a ser simplória. Tem o problema do final anti-climático e os inspetores desnecessários, mas, ainda assim, é uma das melhores diversões que podem haver.

Vinícius Aranha | quinta-feira, 03 de Maio de 2012 - 15:38

"Reciclagem de Os Caçadores da Arca Perdida"
Óbvio, né, o filme é uma meia-homenagem aos tempos Indiana Jones do Spielberg e o cara acha que vai ser a coisa mais original do mundo. Furo de lógica, hein, grande Demetrius?

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