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Críticas

Cineplayers

O encontro marcado.

10,0

É rara a certeza de estar diante de uma obra-prima. Agora, ver o filme com todo o frescor de sua estreia, na primeira fileira do cinema, com som e imagem impecáveis, é algo simplesmente impossível de descrever. Foi em estado de êxtase que saí da sessão de La vie d'Adèle (2013). Totalmente desconcertada, sem saber o que dizer nem pra onde ir. Nesses momentos, talvez o recolhimento e o silêncio sejam a melhor escolha. Vou descansar os olhos por hoje.

Desde a primeira cena, soube que seria um grande filme. Ele é grande, inclusive, na duração. São 2h55 que passam suavemente – aliás, com algum sofrimento, pois não queremos que o filme acabe. Consola o fato de haver uma continuação anunciada, inclusive com a estranha ausência de créditos finais. O nome em inglês, Blue is the warmest colour, remete com mais evidência à história que originou o roteiro. Kechiche adaptou, junto de Ghalya Lacroix (que trabalha também na montagem), a HQ francesa de Julie Maroh, publicada em 2010, intitulada Le bleu est une couleur chaude (O azul é uma cor quente, um pouco diferente do que ficou a tradução em inglês). Azul é a cor dos cabelos de Emma, estudante de Belas Artes que Adèle conhece ainda no colégio. Azul é a cor dos olhos de Emma, olhos atentos e curiosos, que vão assistir à transformação de Adèle.

Adèle desabrocha diante da vida, do sexo, da homossexualidade. O filme não dá muitas pistas sobre a idade da protagonista, e despudoradamente promove elipses sem preocupar-se em medir as passagens de tempo. Vemos o que importa, o que é essencial à história: os acontecimentos que levam Adèle ao encontro consigo mesma. Abandonamos os personagens e os trajetos que não são decisivos para a formação da sua identidade e sensibilidade. Por isso a narrativa é bastante concisa, apesar de longa. E por isso o rosto de Adèle nunca sai por muito tempo de quadro.

É também sem pudor que Kechiche filma os corpos respirarem, dormirem, comerem e foderem – perdoem-me as almas puras, mas não há melhor palavra para dizer das cenas de sexo explícito do filme. São corpos vorazes, que se alimentam de comida e sexo, que se sujam e se colorem. Que sugam, chupam, lambem, mordem, engolem – e transbordam. Existe uma atenção à animalidade do homem, ao que existe de mais instintivo e visceral, de uma forma que nunca vi antes representado no cinema. Daí também a abundância de lágrimas, de saliva, de ranho, e de insistentes closes nos olhos, nas bocas, nas aberturas do corpo para o mundo. Adèle está sempre com fome: devora o mundo, seus corpos e alimentos.

“A flor também é ferida aberta”, diz uma canção de Chico Buarque. Desabrochar é abrir-se para a descoberta, o prazer, o amor, mas também é expor sua própria sensibilidade ao sofrimento e ao vazio. A cor vibra, a vida pulsa, e as lágrimas escorrem. Adèle chora de felicidade e tristeza. Ela se descobre, se procura, continuamente se perde e se encontra – como bem diz a sinopse. Resta-nos a dor e a beleza de presenciar esse encontro.

Visto no 66º Festival de Cannes

Comentários (8)

Luan Castro | domingo, 26 de Maio de 2013 - 02:00

curioso por assistir (inclusive pela nota).

Rodrigo Torres | sexta-feira, 31 de Maio de 2013 - 03:48

Generosa? Mas ela deu notas 2 e 4 pra Only God Forgives e Heli! 😲

MARCO ANTONIO ZANLORENSI | quarta-feira, 10 de Setembro de 2014 - 09:06

Assisti ao filme, fiquei como nossa critica, extasiado, boquiaberto, na minha concepção um filme perfeito sobre a homossexualidade feminina, com belíssimas personagens, sem ser piegas, sem crises de sofrimento que não sejam as relacionadas á falta que uma sente da outra, sem exageros sobre aceitação, com cenas de sexo fortes mas belas, perfeito sem medo de ser feliz.

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