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Batman - O Cavaleiro das Trevas

(Dark Knight, The, 2008)
8,4
Média
2143 votos
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Críticas

Cineplayers

Batman sobre os escombros das Torres Gêmeas

5,0

Ao se comparar os dois Batmans, o de Tim Burton, de 1989, e o de Christopher Nolan, de 2008, vê-se que a nova versão, brutal e violenta, foi filmada sob a influência de Osama bin Laden. É no clima paranóico surgido após o atentado às Torres Gêmeas em Nova York que se desenrola o filme do cineasta inglês, com um Curinga terrorista como o principal adversário do Homem-Morcego.

O novo Batman atira nos criminosos e os tortura. Quando se vê o novo Batman em cima daquela moto assassina, armada com dois revólveres prontos para abrir fogo a qualquer momento, percebe-se que o motor criativo do Batman que Frank Miller desenvolveu nos anos 80 e a versao cinematográfica que chegou aos cinemas pelas mãos de Tim Burton ficou para trás: se antes Bruce Wayne era um gentleman, um humanista que nunca mataria nenhum dos seus inimigos, agora é um playboy exibicionista que à noite caça criminosos – em geral, mafiosos não-brancos, falando com sotaques diversos. O Batman de Miller/Burton tinha pena dos criminosos, era a grandeza do herói que não tinha nenhum poder especial exceto uma enorme compreensão do ser humano.

Esse novo não tem esses melindres: é chamado a 'ajudar' num interrogatório do Coringa. Tranca as portas e senta porrada. É a versão de Chris Nolan para a "doutrina Bush", que diz ser necessário torturar em alguns casos, como a famigerada prisão de Guantánamo. Por conta disso o Batman de Nolan foi chamado de "cavaleiro neocon", ou "o cavaleiro de Bush". Outro ponto: para conseguir a informação de onde estaria o Curinga, o novo Batman joga um comparsa de um prédio de uns cinco andares e lhe quebra as pernas. Não tem problemas em dar a famosa 'voadora' em retrovisores dos carros por onde passa, além de explodir alguns veículos que estavam na sua frente.

O Coringa, agora doidinho de pedra, também pega em armas e atira para matar. De tão insano, é capaz do extremo de explodir até mesmo um hospital. Espalha o pânico na cidade (pelas imagens, Chicago), botando os cidadãos uns contra os outros. Infame,  mata policiais. Enfim, o horror total – Nolan não é um cineasta de sutilezas. O anterior, mais colorido, suave e menos danoso, interpretado por Jack Nicholson, invadiu o Museu de Arte Moderna de Nova York para lá pichar as obras e encontrar um quadro do Joker (Curinga), para quem ele faz uma careta. É "Figure with Meat", do pintor irlandês Francis Bacon, um dos mais importantes dos anos 60.

O filme de Tim Burton, também um blockbuster milionário e também sucesso de bilheteria, mas não nas mesmas proporções do atual, quando estreou fez a delícia da crítica, pois era a prova de que a indústria poderia fazer um produto sofisticado e ainda assim atrair o grande público. Tim Burton criticava sutilmente o consumismo, o individualismo e o cinismo – tanto que seu Curinga envena produtos de beleza, o que obrigou a população a ficar sem maquiagem por um bom tempo. O Curinga-terrorista (Heath Ledger), ao contrário, é tão atroz que esconde explosivos até nos intestinos de suas vítimas.

Na comparação, o Batman de Tim Burton parece cinema de autor europeu perto da fantasia assinada por Christopher Nolan. Angustiado, solitário e infeliz, Batman (sofrivelmente interpretado por Michael Keaton) perseguia os criminosos, mas detê-los não lhe dava prazer, nem satisfação nem o tão almejado alívio existencial. Não conseguia conquistar a mocinha. Ruim de marketing, era mal visto na cidade que ele protegia. Sua vida era triste e solitária, além de fadada a continuar assim. Um Batman que tinha densidade e era apaixonante.

O atual parece ter sido inspirado num desses heróis violentos de jogos eletrônicos de luta. Exibe o corpo, uma montanha de músculos, masserada pelos combates físicos. Compra tudo com seu dinheiro infinito, é o rei das bugigangas, o perfeito geek. Faz ameaças com uma voz rouca dentro de sua armadura indestrutível. Não tem aparentemente nenhum problema ético em clonar todos os celulares da cidade para achar o Curinga – ao que parece, os fins justificam os meios. Pega a mocinha sem nenhum esforço. Se fracassa, cai em depressão.

Tim Burton, um esteta, recuperou Batman quando ele era uma constrangeradora série camp de quinta categoria que passava na TV. Deu-lhe dignidade. Construiu-lhe toda uma cidade bebendo na fonte dos quadrinhos, dos antigos filmes B em preto e branco de horror, do expressionismo alemão. Sua Gothan City, por mais estilizada que fosse, tinha a marca do gênio critativo: é decadente como todas as demais grandes cidades do mundo.

O novo Batman, arrogante, percorre sua cidade armado até os dentes pronto para a ação, violenta na maioria das vezes. Acredita estar acima da lei. Mas ele vai se redimir até o fim, ao se refusar a matar seu maior inimigo duas vezes, só que será corroído de auto-comiseração na sequência.

O Cavaleiro das Trevas é quase que inteiramente fincado na tensão Curinga-Batman. A personagem do Curinga é tão insistente, está tão presente, em quase todas as cenas, a falar sem freios (ele rouba o filme do Batman pela ubiquidade), que não sobra mais espaço para mais nada. O roteiro é um guia ininterrupto para as cenas de ação (até aprendi um novo termo para elas, "fodásticas"), filmadas com tiques publicitários, excesso de filtros e muito movimento de câmera. Christopher Nolan parece um tanto perdido numa grandiloquência a qualquer custo que só lhe resta fazer um filme maniqueísta. 

Houve avanços em relação ao filme anterior: não tem cenas de luta com artes marciais com aulas de iniciação no Tibet, além, claro, de Maggie Gyllenhall, mas as personagens, defendidas por grandes atores, são rasas e estereotipadas, de forma que a transformação do juiz honesto em Double Face soa artificial e forçada. E, como se trata de um blockbuster, o açucarado do final e a redenção estão lá para anestesiar tudo, não sem antes um enorme (mais um) solilóquio do Curinga.

* Versão revisada a pedido dos leitores do Cineplayers.

Comentários (70)

Rodrigo Giulianno | quinta-feira, 27 de Novembro de 2014 - 18:42

Demetrius arregou...que isso meufilho?

Matheus Bezerra de Lima | terça-feira, 28 de Março de 2017 - 13:37

Concordo com a crítica! Demetrius frequentemente só quer chamar atenção, mas aqui o que ele diz faz sentido. Não entendo porque filmes de super-heróis tem que colocar os personagens num nível de baixaria e desumanidade tão grande. Eles não estão humanizando os personagens ao mostrá-los desse jeito. Man Of Steel do Zack Snyder sofre desse problema também. Para destruir Zod, o que por si só já é questionável, ele destrói a cidade! Estamos chegando a um nível de cinismo em que os "heróis" para a população são caras não muito diferentes de linchadores e justiceiros frequentemente sem escrúpulos em nome da justiça. E é isso que chamam de maturidade? De humanização? Esse Batman nem parece que sofreu o que sofreu na infância. Vocês querem o melhor retrato do Batman? Batman - The Animated Series. Aquela série tem maturidade e humanização do personagem. Batman é propenso a erros e falível e o roteiro desenvolve as qualidades e defeitos do Batman de forma fascinante e rica. Epílogo é um episódio

Matheus Bezerra de Lima | terça-feira, 28 de Março de 2017 - 13:54

Recomendo muito o episodio epilogo de liga da justica sem limites para entender o batman

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