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Críticas

Cineplayers

O noir carioca.

7,5
Allan Fiterman é um nome mais forte na televisão do que no cinema. Antes de seu segundo longa Berenice Procura, o diretor havia assinado apenas Embarque Imediato, enquanto seus créditos na TV Globo acumulam destaques, tendo comandando desde os anos 2000 novelas como Ciranda de Pedra, Cheias de Charme e Haja Coração. Com o novo filme, o diretor adapta Luís Alfredo García-Roza, escritor policial brasileiro conhecido pelo romance policial Uma Janela em Copacabana, e dá uma guinada de 180º graus na carreira. Ou algo assim.

A história da esforçada taxista Berenice, que se vê cada vez mais distante do marido, o jornalista sensacionalista Domingos e seu filho, o angustiado Thiago, logo se vê no limite quando sua vida se vê emaranhada pelo assassinato da transgênero Isabelle Delux. É um filme que parece mais interessado nos arquétipos mitológicos da história policial do que propriamente em sua narrativa típica. Este melodrama noir se importa mais com a iluminação de sentimentos - as paixões, decepções, desilusões - do que com o mundo terrível, seco e injusto que atua como pano de fundo.

Fitterman definitivamente não é um diretor de primeira viagem e seu filme não é mimetismo ou imitação, apesar de esbarrar em inevitáveis comparações - a história da figura trágica que conecta vários arcos pode ser exemplificada em histórias da literatura, cinema e seriados de televisão como The Killing, Twin Peaks, Garota Exemplar, Laura, etc - e seu filme tem um ritmo orgânico, com uma curva progressivamente dramática que se afunila cena a cena. Seu foco do que está se querendo contar é afiado e suas cenas raramente perdem o propósito.

É bem verdade que essa recriação do film noir com suas luzes, suas sombras e seus temas tem seus problemas. Existem personagens demais e Berenice acaba perdendo seu foco em boa parte do filme, não só tendo soluções fáceis em sua “procura” mas também efetivamente procurando de menos. E quase nenhum personagem receberá grande desenvolvimento ou encerramento satisfatório ao final da história além do núcleo principal. Fica a impressão também de clímax inesperado, repentino, que se descola da organicidade do resto do filme. 

Ainda assim, cenas como Isabelle cantando para boa parte do elenco que a conhece e a admira, as cenas em que Berenice, adentrando os 40 anos, tenta recuperar a paixão pela vida através da redescoberta da sexualidade, revelam um filme que esbanja em uma forma de encenar que sai do óbvio, abordando diferentes linguagens. Longos planos sem cortes se encontram a jump cuts, enquadramentos distantes e indiferentes coexistem com uma câmera colada com lentes disformes, a música vai do cafonão gritado ao suspense monocórdico. 

Por mais que tenha lá seus defeitos, fica difícil achincalhar com tanta força um filme que tenta tanto, que experimenta tanto e que se diferencia tanto, chocando diferentes grupos de pessoas - policiais, traficantes, mídia, conservadores, performers adultos, transsexuais, homofóbicos, hipócritas soturnos, íntegros pouco práticos, duvidosos correndo atrás do certo protagonizam o filme o tempo todo, fora de qualquer ideologia ou normalidade. Mesmo momentos que podem soar como pregação são pouquíssimos e boa parte dos diálogos lidam com o cotidiano ou os demônios interiores de seus personagens.

O olhar dramático cinematográfico de Allan Fiterman tem o senso operístico e catártico das novelas brasileiras, mas corre longe do dramalhão um tom acima da qual a soap opera virou uma caricatura. Por tudo isso, Berenice Procura é uma obra que, quer agrade quer não, merece ser assistida pelo tanto que tenta reformular o gênero e adaptá-lo de uma fórmula que “fale português”, apele aos nossos problemas e valorize uma certa queda nossa ao passional e ao dramático, ao exagero na música, nos afetos, na violência. E mesmo assim, consegue ser acessível e orientado, como o são os destacados filmes de gênero ou que falem de questões muito específicas. Talvez melhor trabalhado, com uma gestação maior e um cuidado maior em seu desenlace, teríamos um grande filme. Da forma que ficou, vemos algo em potencial para um diretor que ainda pode crescer.

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