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Críticas

Cineplayers

Análise - Black Mirror - 5ª Temporada

6,5


Pela primeira vez desde a segunda temporada, Black Mirror volta para seu novo ano com uma quantidade reduzida de episódios. Pelo terceiro ano desde a aquisição pela Netflix, a série antológica sobre a tecnologia mostra que ainda desperta grande interesse, mas também novamente enfrenta reclamações de ter caído na mesmice — ou seja, de que a série britânica teria entrado em uma espécie de “fórmula” e que isso a encaminharia para a saturação. Será que é assim mesmo? Confira abaixo a opinião dos nossos editores sobre os novos episódios e deixe seu comentário!

Striking Vipers

No primeiro episódio da nova temporada, Anthony Mackie (Vingadores: Ultimato) interpreta um homem casado que reencontra em uma festa na sua casa um antigo amigo, ainda solteiro, interpretado por Yahya Abdul-Mateen II (Aquaman). Ambos compartilham como estão suas vidas ultimamente e o solteiro presenteia o casado com uma nova edição do jogo Striking Vipers, agora ampliado por um dispositivo de realidade virtual. Logo na primeira luta, uma surpresa: uma inesperada atração sexual surge entre os dois quando estão usando o avatar.

"Striking Vipers" é uma prova de que Black Mirror, quando quer, sabe fugir do espetáculo tecnológico punitivista que muitas vezes parece apenas condenar, sem muita profundidade, o espectador por abusar da tecnologia. Aqui não há a tal catarse de mal-estar contemporâneo: a bem da verdade, o episódio é bastante cadenciado e melancólico, e esse mal-estar é explorado como uma longa depressão que oprime seus protagonistas de forma sufocante. As barreiras sociais da heteronormatividade e da vida monogâmica são convenções que praticam há tempos, mas não os contemplam.

Em cores pastéis, planos silenciosos e longos minutos dedicados a diálogos centrados em um Anthony Mackie contrito e incapaz de se abrir sobre seus impulsos refletem a questão de que é um indivíduo incapaz de expressar seu estado emocional a não ser que seja pelo seu avatar. Quando é um carateca japonês que nunca veste uma camisa, é sincero, sorridente, afetuoso e piadista. Fora, é incapaz de olhar esposa, filho ou amante nos olhos.

Se Mackie interpreta o lado deprimido, Mateen é o lado desesperado, onde a vida de solteiro e encontro com mulheres mais jovens não suprem sua necessidade por uma vida mais feliz, tendo que recorrer a interpretar uma mulher atrevida em um jogo, mas incapaz de manifestar sua angústia a qualquer um, exceto seu objeto de desejo.

Até agora, Black Mirror tem obtido sucesso em suas abordagens intimistas, menos chocantes, mas muitas vezes por, conta disso mesmo, instigantes. Uma pena que seja uma exceção e não a regra da série.

Bernardo Brum


Smithereens

Se Black Mirror nasceu como um projeto de série que visava trazer um reflexo sombrio do mundo moderno e seus males sobre o indivíduo, os episódios dessa nova temporada comprovam que a ideia já se desgastou e tomou o rumo inevitável e já apontado desde o princípio: uma lição moralista do time dos que pregam os mantras “desliga a TV e vai ler um livro” ou “desconectem um pouco do wi-fi/celular e conversem entre si”. Embora gere fácil identificação com essa geração tão conectada e nascida na era da internet, e o formato de thriller tenha o seu apelo, o projeto poucas vezes ofereceu uma reflexão relevante e verdadeiramente crítica.

No segundo episódio dessa nova temporada, "Smithereens", a fúria dos roteiristas se volta para as grandes corporações por trás das redes sociais e suas estratégias agressivas para manter os usuários logados o tempo inteiro, alheios à realidade que os cerca. A trama se passa no tempo presente e nos conta a história de um motorista de aplicativos de transporte que surta e sequestra o funcionário de uma empresa de gerenciamento de uma poderosa rede social (alusão clara ao Facebook). Seu objetivo é entrar em contato com o fundador da rede social (alusão clara a Mark Zuckerberg), mas sua motivação é o grande mistério do episódio.

Se enquanto thriller policial "Smihereens" mantém seu interesse, em toda a tensão psicológica na interação entre o motorista e o funcionário, ou nas ações da polícia para negociar o resgate da vítima, ou na busca incansável de todos pelo fundador da rede social, quando o fator “black mirror” se apresenta para dar sentido a todo o circo, a trama perde o ritmo e o impacto. A necessidade à qual a série se prende, de justificar o porquê daquela história, de esfregar em nossa cara o quanto aquilo é urgente e atual, de frisar o horror de uma sociedade adoecida por tipos que funcionam mais no virtual do que no real, limita tudo a uma variação mais amena de abordagens a temas já discutidos em episódios anteriores, sem qualquer brilho próprio e já soando moralista.

Pior de tudo, soa no mínimo hipócrita que uma série produzida pela Netflix se preste ao papel de condenar estratégias de grandes empresas para manter seus consumidores viciados, sendo ela um gigante do streaming que a cada dia lança uma novidade em catálogo ou uma facilidade de navegação a fim de manter logados por mais tempo possível seus milhões de assinantes mundo afora. A reflexão é válida, a moral da história não é falsa, mas o que falta a Black Mirror é exatamente aquilo que ela aponta em seu próprio título e conceito: um espelho.

Heitor Romero


Rachel, Jack and Ashley Too

Algo que me agrada em especial nessa terceira temporada de Black Mirror é como os elementos principais de cada episódio conversam com capítulos icônicos da série. No ótimo “Striking Vipers”, a tecnologia catapulta um conflito amoroso sensível, questões sociais mais complexas e o melodrama do episódio, remontando a “Toda a sua História” e “Hang The DJ”. No bom “Smithereens”, o céu cinzento de Londres e seu peculiar humor britânico lembram o chocante (e inaugural) “O Hino Nacional”. Em “Rachel, Jack e Ashley Too”, o contraste do rosa, o protagonismo feminino e sua crítica a frugalidades modernas o associam a “Queda Livre” — e só, haja vista a menor qualidade desse capítulo derradeiro da quinta temporada.

Sigo, para isso, no paralelo. “Nosedive” (no original) é um episódio abusivamente estridente que sabe o que faz com suas caricaturas. Seu discurso se atenta à febre das redes sociais e avança em uma narrativa ácida, com críticas divertidíssimas ao mundo contemporâneo. E se lança no futuro construindo seu próprio universo tecnológico, com o cinza e o rosa se chocando quando Lacie deixa o subúrbio e encara a vida urbana (onde rola um belo flerte com a plástica retrofit), e esse conflito gerando bons signos e alguma inventividade. “Rachel, Jack e Ashley Too”, por sua vez, concebe toda sorte de estereótipos para compor uma história também baseada em lugares-comuns, porém sem chegar a lugar algum.

A família disfuncional, a adolescente tímida, solitária e deprimida após a morte da mãe, a irmã mais velha desagradável que lida com o luto com amargor, rebeldia e rock and roll e o pai viúvo relapso que as envergonha são clichês que se arrastam em meio ao cenário tipicamente dessaturado de Black Mirror, de modo a tornar a primeira parte do episódio insuportável. A personagem de Miley Cyrus (que é boa atriz) é mais legal, dotada de um grau de complexidade típico das tragédias dos grandes astros da música, devorados pela indústria e por seus empresários — no entanto, ela é mera coadjuvante, incapaz de emprestar aprofundamento psicológico ao capítulo. Pior: ainda cede espaço à sua versão, digamos, doméstica: uma bonequinha composta de inteligência artificial que reúne os sentimentos de Ashley O para se tornar a melhor e única amiga das fãs perdedoras da celebridade. No repertório de Ashley Too, um comportamento intrusivo e frases motivacionais de coach charlatona. Uma desgraça.

Quando o conflito principal enfim se estabelece, a trama gira rumo a um desfecho bacana que reúne essas personagens femininas em busca de si mesmas (o epílogo é a melhor parte, de boa catarse). Dentre suas invenções, Ashley Too é pouco engenhosa e um software que compõe músicas explorando o cérebro de um paciente em coma é subaproveitado narrativamente. Do ponto de vista estético, um drama que evoca bem a carga depressiva das personagens, e para por aí. Portanto, além de maçante, “Rachel, Jack e Ashley Too” é hoje ranqueado como o pior episódio de Black Mirror porque não empolga em nada; porque, acima de tudo, soa modesto demais dentro do cânone da série, idolatrada por suas ambições sociológicas e pelas boas ideias extraídas de sua premissa maior: a contraposição entre o avanço da tecnologia e o atraso ético da humanidade.

Assim, o grande atrativo de “Rachel, Jack e Ashley Too” é sua parte musical. Adaptação do criador Charlie Brooker da música escrita por Trent Reznor para o Nine Inch Nails, “On a Roll and Right Where I Belong” é daqueles hits que grudam na cabeça, e até remonta ao recente Vox Lux (esse, aliás, um filme sobre mulheres no estrelato que incomoda com mais habilidade). E ainda vale citar que o episódio é repleto de easter eggs autorreferenciais: Bandersnatch, “Crocodilo”, “Versão de Testes”, “Black Museum” etc. Ciente disso, não tema o tédio: na pior das hipóteses, divirta-se procurando as referências a outros momentos de Black Mirror.

Rodrigo Torres

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