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Críticas

Cineplayers

Bonito filme de época mantém a irregularidade como norma na carreira de Jane Campion.

5,0

Jane Campion já passou por grande diretora, em tempos de conquista da Palma de Ouro em Cannes e do Oscar (de roteiro original) pelo superestimado (mas bom) O Piano, há mais de uma década e meia. Uma reputação que foi perdendo de filme a filme, passando pelo interessante Fogo Sagrado e o discutível Em Carne Viva. Com o tempo, foi se percebendo melhor que, em seus trabalhos, as boas sacadas convivem com idéias incoerentes e insípidas, as narrativas nem sempre ajudam, e não raro o espectador se depara ao final de seus filmes (depois de uma mistura de enfado e brilho) com a sensação de ter sido ludibriado. Brilho de uma Paixão em nada muda esta curva descendente que a diretora neozelandesa vem tomando em sua carreira.

É um retorno da diretora aos filmes de época, depois do thriller vagabundo e contemporâneo Em Carne Viva (que foi mais comentado pelas tórridas cenas de sexo com Meg Ryan do que pelo filme em si). Como sempre, as lentes de sua câmera se direcionam a um personagem feminino que de alguma forma se encontra à margem dos ambientes que a rodeiam, e que será o centro dos conflitos que se desenvolverão. Fanny Brawne (Abbie Cornish) é uma estudante de modas que, numa Inglaterra distante no começo do século XIX, subitamente adentra o espaço da família do poeta John Keats (Ben Whishaw), quando oferece seus préstimos para cuidar do irmão doente de John. Não é preciso muito para ver que Fanny é uma presença à parte naquele mundo, quase que o contraponto de uma sociedade.

Fanny e John vão se envolvendo à medida que ele é tocado pelos esforços da garota em ajudar o seu irmão mais novo, e ela vai descobrindo a poesia ao procurar conhecer a obra do jovem escritor. Os caminhos para que isso aconteça são tratados com mais competência na interação dos personagens do que se poderia esperar a partir desse argumento (com certeza bastante recorrente e clichê), com detalhes quase imperceptíveis na construção dessa relação, marcada ainda por uma certa troca de olhares realizada com capricho pela diretora, não só a partir do casal central como também dos demais personagens, especialmente a mãe de Fanny (Kerry Fox) e Charles Brown (Paul Schneider), o melhor amigo de John, cuja figura sarcástica com o passar do tempo se ressente cada vez mais com a ligação que vai se formando entre a garota e John, de quem até então era companheiro inseparável. Por sinal, o trabalho com atores é um dos aspectos mais dignos de nota de Brilho de uma Paixão, arrancando atuações corretas e esforçadas da jovem dupla romântica, embora o grande destaque seja mesmo Schneider, que talvez possa parecer antipático demais ao público por ser o antagonista que trabalha para que a relação entre o casal não seja concretizada.

Já a construção narrativa utilizada por Campion é bastante convencional, e sua estrutura destaca as personalidades (muitas vezes próximas de estereótipos) que remontam ao século do Romantismo, época de tradições, doenças incuráveis e segmentações sociais que já não nos dizem muito, ainda que o interesse do filme seja menos por um embate de classes e mais pela particularidade do individuo dentro do contexto social, residindo sobretudo nos sentimentos pessoais e envolvimentos amorosos. Brilho de uma Paixão, porém, se enfraquece quando a relação amorosa toma forma e o lado emocional se faz valer, nos percalços que o casal enfrenta para permanecerem juntos, o que atrapalha a fruição da obra. É preciso entrar no clima romântico da época retratada para se envolver incondicionalmente com o filme, que para traduzir momentos de grande beleza recorre a artifícios como o quarto cheio de borboletas ou a recorrente leitura dos poemas e cartas de Keats. É o esforço de Jane Campion para nos inserir no contexto de um passado remoto, muito embora acabe traçando um panorama um tanto superficial dessa época.

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