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Cantando na Chuva

(Singin' in the Rain, 1952)
8,6
Média
755 votos
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Sua nota

Críticas

Cineplayers

Sob a pele de um musical, uma aula imperdível sobre um período da história do cinema.

9,0

Praticamente todos conhecem Cantando na Chuva por causa da icônica seqüência em que Gene Kelly, sorridente após um encontro bem sucedido, sapateia na rua em pleno temporal. A cena é tão famosa que, além de vê-la em milhares de especiais sobre a história do cinema, já foi satirizada por inúmeros propagandistas televisivos e é protagonista de vários e vários vídeos no estilo amador youtube da vida. Convenhamos; quem já assistiu a essa obra-prima dos musicais hollywoodianos, sabe que o filme é muito mais do que apenas essa cena.

Ambientado em uma importante época do cinema, conhecemos a história de Don Lockwood, um famoso galã dos filmes mudos, e sua dificuldade na transição para os filmes falados. Don se apaixona por Kathy Selden (Debbie Reynolds), uma aspirante a atriz que lhe chama a atenção por não dar bola ao seu charme e questionar seu talento. Com a ajuda de Cosmo Brown (Donald O’Connor), amigo e funcionário do mesmo estúdio de Don, eles se aproximam e a amizade faiscada acaba em romance. Só que Lina Lamont (Jean Hagen), estrela dos filmes mudos apaixonada por Don, promete atrapalhar tudo quando percebe o interesse mútuo do casal, e usa a bela voz de Kathy para alavancar o seu sucesso durante essa transição, já que sua voz é uma verdadeira porcaria e não poderia ser aproveitada nos filmes falados.

Muito mais do que uma história de amor regada a sorrisos e sapateados, é um importante registro histórico dessa difícil transição que foi o cinema mudo ao falado, vivido mais ou menos em 1927. A citação a O Cantor de Jazz não é gratuita, uma vez que a história diz realmente ser o primeiro filme falado da história do cinema. E a riqueza de informações que o roteiro insere à trama é absolutamente genial: temos o problema óbvio com as vozes de alguns atores, dificuldades com a localização de certos microfones para a captação das vozes, ruídos, referências à atores falidos após a transição, o abuso de atores desconhecidos para dublar famosos, a limitação dos atores em seguir um roteiro, a improvisação que funcionava em filmes mudos e que se tornou patética nos falados, etc.

Há, também, um retrato sobre como o filme falado era visto na época. Atores que só faziam caretas, pois não tinham grandes falas a serem interpretadas; filmes falados eram vistos como brincadeira de mau gosto; todos achavam que as falas não eram sincronizadas mecanicamente com o filme, e sim que havia dubladores atrás das telas; enfim, um retrato altamente negativo que só foi mudado com o sucesso estrondoso e surpreendente de O Cantor de Jazz em suas primeiras semanas de exibição – e, mesmo assim, houve ainda quem achasse que aquilo era apenas modismo.

Aliás, a escolha de um musical não é mera coincidência, mas sim uma ironia a essa mesma transição. E através dessas músicas, diversas passagens absolutamente clássicas e charmosas foram criadas: além da primeira e supracitada seqüência na chuva, temos diversas outras, como as aulas, não no sentido literal da palavra, de sapateados de Gene Kelly e Donald O’Connor (dizem as más línguas que ele teria achado um inferno trabalhar com Kelly e seu autoritarismo), a outra em que os dois e Debbie dançam aos imaginar como seria bom o filme fadado ao fracasso se passasse do mudo ao falado, a seqüência em que Gene Kelly recria todo um ambiente cinematográfico para dançar com Debbie, e, a mais controversa de todas, uma seqüência inteira aparentemente deslocada da história principal, em que Gene Kelly representa um homem a procura de emprego na Broadway.

Acho essa seqüência interessante, mesmo que realmente completamente deslocada da história principal, porque representa bem como era o esquema de espetáculos da Broadway na época. E, com os musicais chegando aos cinemas, o que os diferenciavam das peças apresentadas em palco? É uma discussão interessante: o quanto daquela passagem, glamour e espetáculo pode ser visto no cinema ou nos teatros da Broadway? Ou mais, o quanto esses musicais são inspirados em peças da Broadway?

Pare para pensar: nos musicais dos anos 40, 50, praticamente todos eles eram feitos em cenários teatrais. Só depois vieram musicais que se ambientavam em locações reais, como A Noviça Rebelde e Amor, Sublime Amor. Aquela falta de realismo não incomodava, mas por que? Don, na nossa cara, cria um cenário totalmente artificial para criar um clima com Kathy e nós não estranhamos isso. Por que? Acredito que seja justamente por esse aspecto teatral deslumbrante que as produções musicais no estilo clássico apresentavam. Não era o realismo que procurávamos, era um escapismo em que, dentro de sua própria realidade criada pelo roteiro, servia como verossimilhança para tudo aquilo que estamos acompanhando. Por isso que nós vemos que são cenários, falsos, construídos, e não ligamos nem um pouco para isso. Para se ter uma idéia, o roteiro foi escrito após todas as músicas estarem prontas e escolhidas as que iriam fazer parte da versão final do longa, o que também explica muita coisa dita até aqui.

Rico também em referências, é possível encontrar paródias de filmes de Gene Kelly durante todo Cantando na Chuva, como Os Três Mosqueteiros (1948), Minha Vida é uma Canção (1948) e Casa, Comida e Carinho (1950); algumas paródias a astros do cinema mudo real, como Clara Bow, Pola Negri e Henri de La Falaise; e também algumas ironias, como o fato de Debbie ser a dubladora de Lina no filme, mas na vida real ter sido dublada por outra atriz durante as cenas de canto, ou então o fato de que a mesma Debbie teve problema com algumas captações de suas falas, quando o microfone ficou perto demais do coração e captava seus batimentos. Mas cinema é isso mesmo. Histórias em cima de histórias.

Completo, cativante e divertido, é praticamente impossível não se render aos encantos de Cantando na Chuva. Incluído em praticamente todas as listas de melhores filmes já feitos, é uma obra simplesmente imperdível e, mais do que isso, uma aula sobre um importante período da história do cinema. Afinal, depois desse filme, quem foi que nunca tentou sapatear na chuva na vida real? Confesso que já perdi a conta de quantas vezes fiz isso. Ou pelo menos tentei.

Comentários (6)

jorge lucas | quarta-feira, 08 de Janeiro de 2014 - 18:10

Realmente ele tem momentos hilários, como o áudio falhando durante a primeira exibição do filme. Lembro de ter rido demais quando vi pela primeira vez. Os musicais desse período eram um espetáculo visual!

Yuri da Silva Souza | quinta-feira, 26 de Novembro de 2015 - 18:45

Bem,eu não esperava nada do filme.Na verdade,assisti-o forçado porque sempre pensei que fosse a coisa mais boba do universo. De fato,não o supra-sumo da originalidade. E com certeza já apareceram filmes mais bem escritos,dirigidos e atuados.Mas não dá para escrever,só vendo mesmo.

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