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Caranguejo Rei

(Caranguejo Rei, 2019)
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Críticas

Cineplayers

O chamado da natureza

8,0

Não importa muito se Enock Carvalho e Matheus Farias estão reciclando ou não ideias muito presentes no cinema pernambucano de hoje, ou dos últimos anos. Esse cinema de clamor pelas origens que eles realizam, onde a cidade e o indivíduo passeiam ora juntos ora opostos reivindicando seus territórios, inclusive reverbera em outro título em competição em Brasília (A Febre, de Maya Da-Rin), deixando claro que o chamado da natureza se dá por diversos campos e propósitos. Nesse sentido, Caranguejo Rei vai muito além da alegoria social para filtrar o que o indivíduo em particular quer, no que talvez seja um retorno ao berço.

Utilizando as ferramentas do horror como têm feito os realizadores brasileiros mais antenados nessa proposta renascida para o gênero que vem crescendo nos últimos anos, Enock e Matheus têm a consciência de que as questões sociais produzem efeitos muito mais agregadores aos propósitos do que sustos vazios. A base do filme é alicerçada então nas questões de especulação e evasão imobiliária que destroem tanto o ecossistema quanto quem os explora, encarando seu mote com as lacunas possíveis para inserir em contexto amplo o debate que a atmosfera propõe por si só.

A fotografia de Maíra Iabrudi (que já tinha demonstrado trabalho especial no incrível Reforma) aqui é responsável por muito da potência que os diretores conceberam. As cenas noturnas são fotografadas com o tanto de tensão e estranheza que o roteiro pedia, incluindo uma "noite americana" das mais ricas do cinema atual, em sequências complicadas envolvendo o protagonista da história, envolto em maquiagem pesada. Nas cenas claras e de internas, o filme procura um naturalismo que é distorcido pela própria narrativa, criando um ruído interessante que celebra os dois polos do cinema pernambucano atual. 

Ainda que a habitual entrega de Tavinho Teixeira seja essencial para que o filme consiga trafegar entre o concreto de sua denúncia e uma realidade distópica só possível quando calcada no delírio, os méritos principais de Caranguejo Rei são de seus diretores-roteiristas, que criaram em cima de um lugar (não tão) comum uma possibilidade de exploração visual e temática esses sim novos e urgentes. A dominação de conglomerados, a perda dos espaços naturais em detrimento do poder predatório, e a queda do indivíduo na cadeia alimentar dos regimentos oligárquicos, estão em fina sintonia com pautas de hoje sem jamais deixar de ter identidade particular. Ao fazerem o filme que queriam, Enock e Matheus fizeram de bônus um filme que precisávamos. Sem panfletar, só cutucando as feridas certas... com sutileza. 

Crítica da cobertura do 52º Festival de Brasília

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