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Caso Richard Jewell, O

(Richard Jewell, 2019)
7,6
Média
111 votos
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Sua nota

Críticas

Cineplayers

Sully 2

6,0

Clint Eastwood é o diretor dos sonhos de todo grande estúdio e produtor de Hollywood. Um patrimônio do cinema e da cultura norte-americana, sempre disposto a narrar belas histórias sobre grandes homens e mulheres comuns dos Estados Unidos. Ele é também um cineasta extremamente eficiente, econômico, do tipo que filma decupando, e bem, assim empregando o mínimo de tempo e dinheiro para realizar obras sempre muito dignas. Do alto dos seus 89 anos, Clint vive um canto de cisne perfeito: sadio, ativo, profícuo, empenhado em produzir o máximo possível, contar todas as estórias que deseja contar, deixar um enorme legado para a sétima arte. O que provoca um efeito colateral: filmes que, se nunca ruins (à exceção de 15h17: Trem Para Paris), poderiam ser melhores com um tempo maior de preparação e análise do material filmado.

Richard Jewell é o mais novo herói da vida real abordado por Clint Eastwood. Assim como o protagonista de Sully - O Herói do Rio Hudson (Sully, 2017), com o qual partilha a inglória semelhança de ambos parecerem telefilmes, como não é o tão melhor Sniper Americano (American Sniper, 2014), para citar dois exemplares tematicamente semelhantes do diretor. O Caso Richard Jewell (Richard Jewell, 2019) é um filme de pouco trato ou nuances de fotografia, tornando-se imageticamente simplório quando a história exige o uso pontual de efeitos visuais, por exemplo. Isso é claramente uma escolha, haja vista sua harmonia com a assertividade narrativa de Clint. Seu intuito é, mais uma vez, narrar o causo de um homem julgado injustamente quando, na verdade, deveria receber homenagens por seu feito honroso. De forma direta e com o objetivo de enaltecer esse cara, sem margem para interpretações dúbias sobre o ocorrido.

O roteiro de Billy Ray (Capitão Phillips) tem bons méritos ao construir, ao longo dos anos e de forma dinâmica, esse protagonista como uma figura absolutamente humana. Ele é honrado, bem-intencionado e bom filho. E é também reacionário e violento quando julga necessário. Um patriota que coleciona armas e não paga impostos. Um redneck típico apesar de viver na grande Atlanta, o que também denota o fato de ser, ao mesmo tempo, um estereótipo e ambíguo. Richard Jewell é um sujeito ímpar, dono de uma ética própria, personalidade forte, e é muito carismático. O foco do filme é nele, e por ele o filme corre com plena fluidez. A história de uma pessoa inocente acusada de um crime que não cometeu, contada infinitas vezes por centenas de autores e pelo próprio Clint com maior requinte, prende a nossa atenção pela expectativa de como essa trama findará e, principalmente, pela grande atuação de Paul Walter Hauser. Em anos menos concorridos, seu trabalho seria reconhecido nas maiores premiações.

O Caso Richard Jewell ainda apresenta boas interpretações de Sam Rockwell e Kathy Bates, e verdadeira química entre eles e Paul Walter Hauser. Mas, curiosamente, a direção de atores comporta uma deficiência grave do filme. Outros dois atores de peso, Jon Hamm e Olivia Wilde, desempenham de forma desastrosa. Eles vão, gradativamente, se tornando mais canastrões, mais malvados, se excedendo nas caras e bocas e fugindo absolutamente do tom dos outros atores e do longa-metragem como um todo. Pior ainda é pensar que isso pode denunciar um problema maior: uma possível "passada de pano" de Clint Eastwood.

Quando atribui o mal causado em Richard Jewell a figuras individuais caricaturalmente ruins, o cineasta ameniza o que são problemas estruturais da sociedade americana: a antiética do jornalismo sensacionalista feito por abutres e o punitivismo de um sistema policial que enxerga pessoas como números, as encarcera e destrói suas vidas, tudo em nome de resultados, de dar uma resposta, qualquer resposta, não necessariamente a verdade, à sociedade   muito embora isso imponha males contra essa sociedade. Da mesma forma, é no mínimo estranho que baste o protagonista deixar de ser passivo e permissivo à polícia (corporação a que sempre sonhou servir) e dê uma simples lição de moral em um agente do FBI (que bufa como um cartoon na cena, fragilizada pela reação desmedida) para que o seu terrível problema com o Estado esteja resolvido. 

Assim, no fim, o público descobre que o caso envolvendo Richard Jewell não foi, afinal, tão grave. Pena é saber que essa não era a intenção de Clint Eastwood, mas assim o filme, involuntária e problematicamente, o faz. É a alta produtividade do cineasta veterano cobrando seu preço e comprometendo a (indiscutível) qualidade de sua arte.

Crítica da cobertura do 21º Festival do Rio

Comentários (7)

Rodrigo Torres | sábado, 04 de Janeiro de 2020 - 00:01

E veja bem: você mesmo admite que a jornalista faz o que faz por ambição. Ambição que se permite destruir vidas é desvio ético pessoal, o sistema está na outra ponta. E o filme ressalta bem isso, com ela sendo absolutamente vulgar, escrotaça na redação com seus outros colegas jornalistas, e negociando até o próprio corpo para isso. "O filme não atribui os males aos personagens individuais"? Sério?

Da mesma forma, acho um exagero considerar a construção dela como um "arco". São momentos pontuais, atirados na tela de maneira canhestra (da contagem dos passos ao choro de crocodilo) que não mudam nada do que eu disse: a atuação dela segue sendo destoante e seu arrependimento, responsável-chave pela ruína do Richard Jewell, não o jornalismo como entidade acima dela.

Rodrigo Torres | sábado, 04 de Janeiro de 2020 - 00:10

E é aquela: isso tudo, esse conteúdo, só começa a me incomodar DEPOIS que a forma do filme o faz, várias vezes. A discrepância entre a atuação de Hamm/Wilde pro resto do elenco é péssima, desregula o todo, te tira do filme, soa gratuita. Ou não. Eu parto disso ao refletir sobre o porquê de um cineasta experiente como o Clint criar essa discrepância em meio a um elenco que age de forma natural e coesa com o restante da narrativa, e por isso o faz tão bem.

Por que Clint lança mão dessas caricaturas tão grotescas? Essa forma destoa por acaso? Há intenção? Se sim, por quê?

Só acho um erro (agora eu provoco, mas sem julgamento, ou condenação, pois curto esse debate) negar coisas patentes no filme por admiração a um cineasta. Eu adoro o Clint também. Mas... que há individualização, há. Só há. E uma frase solta no meio do filme não se equipara à força de uma dramatização que avança ao longo do filme ao ponto do cartunesco no final, como é o caso do agente do FBI.

Polastri | sábado, 04 de Janeiro de 2020 - 01:19

"Eichmann's modernos, meros burocratas que agem conforme a máquina". Esse é um ponto interessante de partida. Eichmann foi um burocrata que agiu conforme a máquina? Segundo a Arendt sim. Mas tem um documentário do Claude Lanzmann, acho que é "O Último dos Injustos" em que um sobrevivente do holocausto acusado de ser colaboracionista diz que Eichmann era um monstro, que forçava judeus a cavarem as próprias covas ou algo do gênero. Para uma vítima, o burocrata que age de acordo com uma burocracia brutal se torna um monstro. Não ha inocentes, e uma estrutura de estado é a soma das pessoas dessa estrutura.

O que o filme parece me indicar é isso. De novo nas palavras do advogado "eles não são o estado, eles são três babacas empregados pelo estado". Mas afinal, o que é o estado, senão a soma desses babacas?

Polastri | sábado, 04 de Janeiro de 2020 - 01:29

Então no fim os culpados são as estruturas de estado sim, mas essas estruturas são acima de tudo compostas pela soma de suas partes, e não por uma única pessoa que as comande ou algo assim. Ou o filme passa a impressão que o fracasso do Jon Hann muda algo no FBI? É só mais uma engrenagem que vai ser moída pelo modus operandi da agência, que espelha o modus operandi da sociedade. Não há soluções fáceis, e é essa a complexidade da visão de mundo do Clint que faz ele não fazer filmes reducionistas mesmo quando ele trabalha com arquétipos.

Entendo que você diga que os dois personagens que são os 'vilões' são caricaturas. Mas talvez sejam só menos desenvolvidos por ser secundários, assim como a Nadya. Eles estão ali mais pra representar algo do que sendo pessoas extremamente complexas, porém o Clint tem uma sensibilidade para dar humanidade para os arquétipos. Ele coloca as motivações de cada um deles que são determinadas mais amplamente pela cultura, ninguém ali age por ser bom ou mau.

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