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Críticas

Cineplayers

Mais um filme cheio de magia de Miyazaki, embora ele esteja começando a pecar pela falta de originalidade.

7,0

Após um intervalo de três anos desde seu último filme, finalmente chega às telas brasileiras o nono filme do Studio Ghibli: "O Castelo Animado", do mestre Hayao Miyazaki. E assim como todos os outros, não falta magia, personagens cativantes e momentos inesquecíveis. Tudo envolto em uma animação de primeira qualidade, que não deve nada aos maiores estúdios de animação como Disney e Dreamworks. Aliás, muito pelo contrário, o Studio Ghibli tem tamanha qualidade e estilo próprio de causar inveja aos criadores de Mickey Mouse.

E como um legítimo filme do Studio, O Castelo Animado não podia ter menos qualidade. Tudo está presente: a magia, os personagens carismáticos, os detalhes... Mas, infelizmente, mesmo seguindo a receita de sucesso do Studio, para muitos O Castelo pode deixa a desejar. Com um roteiro que não se sustenta e complicações desnecessárias na segunda metade do filme, o que inicia bem torna-se confuso, mas no final retorna aos eixos.

Antes de entrar em detalhes, vamos à história: Sofia é uma jovem de 18 anos que trabalha na chapelaria de seu finado pai. Ao contrário da bela e popular irmã (Letty), Sofia vive no ostracismo, se isolando do contato social, se achando feia e desinteressante. Tudo muda no dia em que finalmente decide sair de casa para visitar a irmã e encontra o feiticeiro Hauru, que a leva em um passeio pelos céus da cidade, enquanto foge de alguns misteriosos perseguidores espectrais. Mas esse rápido contato com Hauru acaba despertando a ira da bruxa Arechi (a responsável pelos espectros que perseguiam Hauru), que transforma Sofia em uma anciã de 90 anos.

Assustada com sua nova aparência e desorientada, Sofia foge, e acaba indo parar no castelo animado de Hauru, conhecendo o demônio enfeitiçado Calcifer (responsável pela "vida" do castelo) e o aprendiz de feiticeiro Marko, onde passa a viver, trabalhando como empregada. Até esse momento tudo funciona bem. Os personagens Calcifer, Marko e o espantalho "Nabo" garantem a diversão com seu carisma e curiosidades, com destaque para Marko que sempre veste uma "fantasia" de velho ao atender a porta do castelo (provavelmente para impor algum respeito aos visitantes).

Já Calcifer - que no original se chama Calucifer, mas que teve o nome alterado, acredito que devido à distribuição da Disney, que em seu passado possuiu um personagem chamado Lúcifer, e ganhou muitos aborrecimentos com entidades religiosas nos Estados Unidos e em outros países - rouba as cenas com seu jeito "incontrolável", mas que acaba sempre fazendo as vontade de Sofia.

O enredo começa a desandar quando Hauru é convocado a apresentar-se no palácio de Kingsbury, onde deverá lutar em uma guerra em que não sabemos quem são os inimigos ou o motivo de estar acontecendo (sobre os motivos temos alguma indicação no final do filme). E aí começa a complicação envolvendo a falta de vontade de Hauru em participar da guerra e o tamanho de seus poderes, que podem dominá-lo. Não que a complicação do enredo seja tamanha que o prejudique. Mas certamente será necessário assistir ao filme mais de uma vez para ter uma completa compreensão.

O Castelo Animado não é um filme simples. É um filme filosófico e cheio de metáforas, e por esse motivo nem um pouco recomendado para crianças, que não entenderão sua complexidade e acabarão se entediando. Um dos pontos altos são seus personagens, sempre bem desenvolvidos como costumam ser nas animações do Studio. Temos, de um lado, Sofia. Uma jovem independente que se sente responsável em levar adiante o legado de seu pai, que por uma maldição se transforma em uma velha. Mas no fundo, seu coração já era o de uma velha, ou melhor dizendo, de uma pessoa que não aproveitava o vigor de sua juventude, dando preferência a passar seus dias enfurnada em um quarto fazendo chapéus.

Ao ser transformada em velha, Sofia precisa aprender a conviver com a velhice, sem ter tido os anos de experiência necessários para moldar sua mente. Mas quando Hauru se vê em perigo, é preciso que ela, como velha, aprenda a ser jovem. Pois só a determinação de seu coração (jovem) poderá ajudar Hauru e ajudar a si mesma a vencer a maldição.

De outro lado temos Hauru. Um jovem feiticeiro extremamente poderoso, que deve parte de seu poder ao pacto feito com Calcifer, que une sua vida a vida do demônio. Mas poder é corruptível, e Hauru se torna uma pessoa volúvel, ou mesmo, de certa forma, fútil. Hauru precisa aprender a dar valor às coisas e arcar com suas responsabilidades e conseqüências de seus atos, sob o risco de se tornar uma criatura maligna (possibilidade que é combatida pela feiticeira real Saliman, o que acaba descentralizando os objetivos do filme, confundindo os motivos da guerra e dificultando saber quem é amigo ou inimigo).

Mas nesse ponto - sobre inimigos - é importante fazer uma observação. É característica do Studio Ghibli seu filmes sofrerem da ausência de um inimigo real. A grande maioria de seus personagens está acima do bem e do mal (ou se alternando entre eles), e muitas vezes os "inimigos" são as imperfeições humanas, como a inveja, vaidade, egoísmo, ambição, cobiça, etc. Um bom exemplo disso é a feiticeira Arechi, que cobiçava alcançar um determinado objetivo, mas quando têm seus poderes suspensos se torna uma senhora até mesmo simpática. O que leva a crer que era seu poder o responsável pela corrupção de seu coração. De certa forma isso deve ser encarado mais como uma característica do Studio do que um defeito ou furo no roteiro.

O que poderia ser criticado no roteiro seria o conformismo dos personagens, principalmente de Sofia, que depois do impacto inicial de sua aparência começa a se conformar com o ocorrido e em muitas ocasiões fala como se isso fosse um acontecimento natural e não uma maldição lançada por uma bruxa. Assim como também a presença de Sofia no castelo é aceita sem maiores questionamentos ou o fato sua mãe ser capaz de trair a própria filha cedendo a chantagens.

Outro ponto negativo é a sensação de dejá-vu, ou melhor explicando, a impressão de já ter visto determinada cena em outros filmes do estúdio. Então não se surpreenda ao ver o "espião" em forma de verme ou uma determinada cena em que Hauru transformado em uma ave negra lembra Haku (de A Viagem de Chihiro) transformado em dragão. Ou mesmo vários outros momentos em que a animação lembra bastante Nausicaä.

Sobre a similaridade no fato do verme até é compreensível, pois algumas animações do Studio costumam fazer referências a outras. Por exemplo, a presença das criaturas de fuligem em "Meu Vizinho Totoro" e em "A Viagem do Chihiro". Já no caso de similaridades em ações ou trechos de animação acaba soando como falta de criatividade no departamente de arte do Studio.

Como resultado final "O Castelo Animado" é um filme recomendado aos amantes de uma boa animação, que andam carentes devido à falta de qualidade das animações ocidentais lançadas recentemente (o grande filão da atualidade são as animações digitais como Robôs e O Espanta Tubarões).  Com um enredo mais complexo do que deixa transparecer de início, pode agradar mais aos adultos do que às crianças e adolescentes.

É uma animação que não deve ser encarada como uma animação da Disney. Nela não se verá lições de moral escancaradas (por exemplo, em uma animação ocidental Sofia seria transformada em velha para aprender a respeitar os mais velhos), mas que tem muito a oferecer quando visto com atenção.

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