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Críticas

Cineplayers

A drástica mudança mundial no início do século passado sob a perspectiva de um animal irracional.

7,0

Os tempos são difíceis para a família do jovem Albert (Jeremy Irvine), dona de um território rural praticamente infrutífero e de um cavalo que apresenta grande dificuldade em arar a terra. Mas para Albert, o cavalo Joey é capaz de reunir forças e seguir em frente para puxar o arado e assim trazer uma pequena luz de esperança para sua família pobre, que depende exclusivamente do animal para sobreviver em meio à pobreza do início do século XX naquela região. Mais do que isso, Joey é o melhor amigo do personagem Albert, além do elemento usado por Steven Spielberg para trazer uma nova visão sobre os eventos que mudariam para sempre a história da humanidade. Cavalo de Guerra (War Horse, 2011) marca o retorno do cineasta na direção, depois de alguns anos dedicados apenas à produção de filmes, com o intuito de voltar ao terreno em que sempre foi expert – emocionar o público com uma trama aventureira e de teor sentimentalóide.

Cavalo de Guerra é um filme que só poderia ter sido maquinado por um diretor como Spielberg. Cada escolha ali apresentada é exclusivamente voltada para cativar o público geral com uma combinação infalível de temas como amizade e guerra. Não é de hoje que o diretor fala sobre amizade em seus trabalhos, vide o sucesso de E.T. – O Extraterrestre (E.T. The Extra-Terrestrial, 1982), e tampouco é novidade vê-lo escolher a guerra como pano de fundo de suas histórias, e neste ponto temos como exemplo o oscarizado A Lista de Schindler (Schindler’s List, 1993). Cavalo de Guerra, portanto, pode ser exemplificado como uma mistura entre estes dois filmes, já que apresenta um enredo que gira em torno da amizade incomum entre um jovem e um animal durante a Primeira Guerra Mundial. A diferença está na preocupação de Spielberg em apresentar uma visão mais peculiar sobre estes temas, mais especificamente usando o cavalo como catalisador de tudo o que deseja transmitir.

Como já se esgotou há décadas a fórmula chatinha de Hollywood de falar sobre as guerras mundiais, Spielberg decidiu apresentar uma visão diferente sobre estes acontecimentos através de um animal irracional (talvez por conta da irracionalidade da guerra). Embora não tenha conseguido se livrar da artificialidade de A Lista de Schindler, muitos menos do sentimentalismo de E.T. (não que o sentimentalismo seja necessariamente ruim no caso), Cavalo de Guerra ganha pontos nessa incursão pelo ponto de vista do cavalo, que garantirá uma abordagem bem interessante não apenas da guerra em si, mas das mudanças a que ela submeteu o mundo com sua industrialização.

A própria imagem do cavalo já garante certo contraste entre a ruralidade do século XIX com a modernidade industrial que a Primeira Guerra trouxe ao século XX. Além de ter sido o confronto de proporções mais universais da história da humanidade até então, a Primeira Guerra marcou a onipotência das forças bélicas durante os combates, e em determinado trecho do filme vemos que a utilização de cavalarias e semelhantes já não significava mais garantia de vitória. Dentro desse entendimento, dói em dobro ver o sofrimento de Albert quando seu pai vende Joey para um oficial do exército usá-lo na guerra, já que isto poderia significar não apenas a separação de dois amigos, mas também uma quase garantia da morte de Joey. Por conta disso, Albert sai em busca de seu amigo e enfrenta todo o tipo de tribulação para reencontrá-lo.

Guardadas as devidas proporções, a primeira metade de Cavalo de Guerra poderia ser considerada uma versão pop de O Cavalo de Turim (A torinói ló, 2011), filme dirigido por Béla Tarr que também usa a imagem de um cavalo para ilustrar a vida miserável de uma família da zona rural. Neste primeiro ato, o cavalo vai simbolizar a dificuldade das pessoas em se desprender dos costumes de toda uma eternidade ainda arraigados ao século XIX. Na segunda metade, o cavalo vai salientar a violência abrupta com que as marcas das mudanças do século XX se impuseram. A linha de raciocínio que ligará todas estas situações se encontra na amizade sincera e tocante de um garoto simples por seu animal de estimação, que o levará a enfrentar a guerra, enfrentando assim uma nova era que nascia, para manter vivo aquele cavalo que simboliza também sua esperança de um futuro melhor, mesmo que diferente.

As ideias são ótimas e a direção de Spielberg garante grandes e muito bem planejadas cenas de ação (e deliciosas referências ao cinema clássico americano, evocando nomes como John Ford, David Lean e Victor Fleming), além de uma sintonia muito natural e verossímil entre o cavalo e o resto do elenco (foram pouquíssimas as cenas em que tiveram de substituir o animal por animações computadorizadas). Mas, por outro lado, Spielberg não soube, ou talvez não quis, manter sua condução sobriamente sem apelar para emocionar o público. A história em si já garante certo apelo emocional, dispensando esse tipo de preocupação, mas o cineasta insistiu em forçar goela abaixo do espectador algumas situações sentimentalistas e gratuitas. Ou seja, é um filme que visa nos fazer chorar – caso contrário, pode se considerar um fracasso.

Assim como aconteceu no filme mais recente de Spielberg, Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal (Indiana Jones and the Kingdom of the Crystal Skull, 2008), Cavalo de Guerra é uma produção que se mantém dentro da zona de conforto de seu realizador, mas que por algum motivo se mostra aquém de seus trabalhos mais conceituados. Talvez as fórmulas de Spielberg não estejam mais funcionando cem por cento e mesmo o público geral começa a notar esse desgaste. Está mais do que na hora dele se arriscar em territórios que pouco explorou, ou pelo menos incluir nestes trabalhos mais recorrentes uma gama de temas mais diversificados e refrescantes. Até que ele decida optar por isso, continuaremos com filmes como Cavalo de Guerra – bem feitinhos, satisfatórios, mas nunca à altura do bom e velho Spielberg de anos atrás.

Comentários (25)

Liliane Coelho | terça-feira, 10 de Janeiro de 2012 - 12:20

Estou louca de curiosidade para saber se o cavalo morre no final... 😳

Mas espero um bom filme. Spilba em geral costuma me agradar muito.

Kennedy | sexta-feira, 24 de Fevereiro de 2012 - 09:04

Amei o filme. Lindo. E não chorei, nem por isso considero um fracasso.

O filme peca, em algumas partes, por ser sentimentaloide ao extremo, e a trilha de John Williams reforça isso ainda mais. Por falar na trilha sonora, não vejo motivos de ser indicado ao Oscar. John Williams ser indicado por dois trabalhos é puro exagero e favoritismo da Academia. Só fez tirar lugar de Alexandre Desplat, que poderia ter sido indicado por Harry Potter, que teve uma trilha - não digo original, mas criativa, muito diferente da maioria dos blockbusters. Ao contrário de "Cavalo de Guerra" que tem, sim, uma trilha genérica e pouco criativo. Basta apenas John Williams concorrer por "Tintin".

Voltando ao filme, achei-o maravilhoso. Muito bem filmado etc.

Vinícius Aranha | segunda-feira, 21 de Maio de 2012 - 12:05

"Spielberg não faz nada realmente bom desde A.I."
Explique-me Munique, sua obra-prima e segundo melhor filme do século.

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