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Críticas

Cineplayers

Uma obra convencional sobre um artista incomum.

4,5
O pernambucano José Abelardo Barbosa de Medeiros saiu de Surubim, em Pernambuco e embarcou como baterista de banda no navio Bagé, que partia para a Alemanha, mas o estouro da Segunda Guerra Mundial mudou sua vida. A embarcação brasileira aportou no Rio de Janeiro, que fascinou o jovem e o fez adotar como sua nova casa. 

Lá, construiu uma carreira popular como apresentador de rádio, adotando a alcunha Chacrinha e na década de 50 estreando na televisão e lá ficando até sua morte, em 1988. Lançou inúmeros bordões e personalidades como Elke Maravilha, Pedro de Lara, Simonal, Clara Nunes, Rita Cadillac e muitos outros. Parecia, e talvez fosse, o entretenimento encarnado. Mas que pessoa habitava por trás do mito?

Em Chacrinha: O Velho Guerreiro, Andrucha Waddington tenta perseguir essa questão através das atuações de Eduardo Sterblitch (Os Penetras) como o jovem Abelardo e Stephan Nercessian (Marcelo Zona Sul) como Chacrinha já no auge da sua persona. O “tenta” fica por conta de, apesar da produção esmerada que recria os anos 80, ser mais uma das repetitivas cinebiografias que abordam uma verdadeira fileira de dramas sem realmente ser muito tocante em particularmente nenhum deles.

Ao longo do filme, ficamos sabendo de como Chacrinha era um workaholic que praticamente não viu os filhos crescerem por estar sempre fora gravando programas ou saindo em excursões; que tinha um problema de relacionamento com a mãe, porque a mesma ficou desquitada, abandonada pelo marido mulherengo quando Abelardo ainda era muito jovem, e ele em sua mente a culpa por isso; que teve um possível caso extraconjugal com Clara Nunes. Tudo entrecortado, recebendo poucos minutos de atenção por vez, constituindo mais episódios que arcos. Seu péssimo temperamento, o vício em cigarro, as constantes brigas com donos de rádio e emissoras, antes de composição dramática, são mais cacos folclóricos que Nercessian assumiu para si na tentativa de reproduzir fidedignamente a figura. 

E essa é uma questão a ser abordada pela indústria da cinebiografia, esse tal paradoxo de se aproximar tanto da forma como realmente aconteceu, com atores caprichando obsessivamente nas imitações, nas recriações de época, mas ao mesmo tempo esvaziar tudo o que o artista significou. O pouco tempo dramático dedicado fazem tragédias na vida de Chacrinha - distanciamento da mãe, acidente do filho - soarem apelativas, vazias. Nercessian quando solicitado até consegue apresentar certa força dramática, mas são momentos raros. 

Recentemente, a biografia disfarçada Bingo - O Rei das Manhãs, de Daniel Rezende, causou sensação no público ao adaptar para as telas a vida do Palhaço Bozo, sua escalada ao sucesso e sua decadência, além da nostalgia na recriação da estética oitentista. Aqui tenta-se seguir pelo mesmo caminho, com mil e uma referências a marcos populares, mas falta a mesma substância conflituosa que habitou o universo do palhaço televisivo, realmente interferiu na sua vida, com a carreira de sucesso, mesmo sendo motor, relegado a pano de fundo em detrimento de abordar sentimentos universais e conflitos muito comuns como vício, abandono parental, entre outros. Como biografia glorificante que é, não é muito do interesse do filme, resolvendo cada fantasma e cada demônio de Chacrinha com uma troca de de diálogos sobre como o mesmo se sente arrependido e que possa voltar a exercer a profissão. 

E justamente nessa falta de consequência dramática que o filme naufraga, nessa burocracia de apenas exaltar ue vitima todo e qualquer conflito que é o que justamente move uma história interessante. Parece que uma vez que embarca no sucesso, Chacrinha tem tropeços e erros pelo caminho, mas na verdade nada afeta de verdade. 

Mesmo o seu suposto relacionamento com Clara Nunes some da trama depois de um tempo, o que chega a ser curioso, pois se é verdade que os dois tinham uma conexão emocional tão grande, fica a dúvida como a morte de Clara em 1983 afetou a vida de Abelardo, que morreria cinco anos depois. Mas isso também some na trama, parecendo estar mais lá por sensacionalismo que por qualquer outra coisa, o que se estende ao filme: apegado aos causos, aos boatos, ao mito, amante da reprodução e da imitação, esqueceu-se da essência. Por isso, mesmo com momentos engraçados (onde o espírito frasista de Chacrinha é reproduzido com fidelidade, dentro e fora do palco), é um filme apenas comum sobre um homem que era qualquer coisa menos convencional.

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