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Críticas

Cineplayers

Tentativa válida de um cineasta pueril.

6,0

A imprensa norte-americana sente frequentemente uma necessidade de encontrar novos “gênios” do cinema, artistas que, mesmo com seus filmes ainda em produção, já são assunto das principais revistas e sites especializados, emplacando publicidades gigantescas que assolam nossa visão a todo instante e não nos deixam esquecer esses filmes nem por um dia sequer. O tempo geralmente trata de mostrar se eram realmente bons autores ou meros exemplares de uma tendência, e foi desta forma que muitos diretores tidos como bons durante certo tempo simplesmente sumiram alguns anos depois, revelando filmografias frágeis que, passada a moda na qual embarcaram, não despertavam mais o mesmo interesse.
 
É neste universo que, acredito, vivem os realizadores mais comentados pela imprensa norte-americana em 2010: Christopher Nolan e Darren Aronofsky. O primeiro, com seu A Origem (Inception, 2010), tornou-se símbolo de um suposto cinema de entretenimento “com cérebro” ventilado aos quatro cantos do mundo; o segundo, com este Cisne Negro, um realizador que estaria trazendo profundidade psicológica ao cinema mainstream. Convenhamos: em 2010, quem negasse a existência destes dois fenômenos estaria naturalmente fadado a parecer desatualizado. Quem falasse mal, por sua vez, era visto como maluco.

Embora filmes diferentes no resultado – e também na qualidade – que vemos em tela, são trabalhos que dividem características em comum em seus processos de concepção, na forma como se relacionam com o público e desenvolvem os seus discursos. Ambos respondem a uma necessidade de buscar-se no cinema mainstream contemporâneo algum respiro criativo, algo que nos conforte numa época em que cada vez mais os filmes comerciais parecem feitos para cachorros, muitas vezes sendo menos interessantes vê-los do que sentar numa cadeira de praia em frente ao forno giratório de assar frango e olhar o troço girar até dourar. É sim uma busca louvável, mas, até então, executada de maneira bastante pueril.

Tanto A Origem quanto Cisne Negro miram neste público, e acertam em cheio. Filmes que abordam temas pouco usuais ao cinema pop, derivados da psicologia, e que se utilizam do impacto das trucagens narrativas tão caras a estes dois diretores para venderem-se como filmes “originais” e “complexos”. Darren Aronofsky e Christopher Nolan são diretores cujo sucesso se construiu justamente na abertura de espaço para uma nova safra de cineastas, que representam o cinema do século XXI, do novo milênio; cinema que ignora a estrutura classicista de narração e se apropria da fragmentação, da pós-produção digital, dos truques moderninhos para impressionar. Nas mãos de ambos o cinema é um quebra-cabeças, e existem duas preocupações que, nestes filmes, parecem interessar muito mais do que a própria pintura contida nele: em um primeiro momento, bagunçar as peças, desnortear o “jogador”; em seguida, conferir cada uma dessas peças cuidadosamente para ver se todas estão em seus lugares específicos. É assim que a brincadeira acaba. Quem montou, é claro, sai com um sorriso no rosto.

Falando por mim, quando se trata de arte, sou muito mais contemplar a pintura. E é por isso que, diante de um filme como Cisne Negro, acabo acompanhando tudo com uma distância significativa. Neste caso em especial, e ao contrário de A Origem, que é tão somente um filme muito ruim, existe algo interessante por debaixo do rocambole mirabolante, e não são poucos os momentos que realmente conseguem impressionar. Algumas sequências, beneficiadas pela atmosfera de paranoia trazida de filmes como Repulsa ao Sexo (Repulsion, 1966) e Suspiria (idem, 1977), fazem de Cisne Negro uma emulação juvenil interessante de um cinema psicológico que já não se faz mais; a relação da personagem de Natalie Portman com o trabalho em que tanto busca a perfeição, por sua vez, carrega quês de A Hora do Lobo (Vargtimmen, 1968) e Videodrome – A Síndrome do Vídeo (Videodrome, 1982), outros grandes clássicos desta escola de cinema que se utiliza da diluição entre o real e a alucinação para fazer suspense. 

Porém, analisando por esta definição (“diluição entre o real e a alucinação”) se percebe que, por mais interessante que possa ser, ainda existe muito caminho para filmes como Cisne Negro percorrerem até alcançarem a mesma qualidade do grupo mencionado. E não será Aronofsky o homem a fazer isto, simplesmente porque seu estilo narrativo não permite tal desprendimento. Tudo é muito certinho, calculado, premeditado e principalmente explicitado para que esta atmosfera se sustente após a sessão. Não há espaço para dúvidas ou abstrações, as imagens surgem para detalhar e reafirmar – depois, é claro, de brincar de confundir - as anteriores num fluxo intenso de narração que, impreterivelmente, parece sempre induzido a contar algo novo minuto a minuto, não sobrando tempo para executar seu princípio básico: observar, fazer da câmera o olhar do espectador.

Por conta disso, Cisne Negro carece de sequências atmosféricas e imersivas como destes filmes citados, em que seus diretores (Roman Polanski, Dario Argento, Ingmar Bergman e David Cronenberg – todos nascidos fora dos Estados Unidos, o que não passa de uma curiosidade) realmente compreendiam o peso de se penetrar na mente de uma personagem. Existem sim bons momentos em Cisne Negro, como quando a personagem inócua e frígida de Portman, depois de ter estas características reforçadas incessantemente durante os 40 repetitivos minutos iniciais, sai com uma garota, bebe uns drinks, toma umas drogas sem saber e trepa com ela numa sequência lésbica extremamente erótica e estimulante; ou como quando o professor interpretado por Vincent Cassel, ao tocar o corpo de Portman, deixa a bailarina excitada e solitária na pista de ensaios – para fazê-la sentir, algo que o filme de Aronofsky não faz conosco. Mas, assim como outros, são momentos que passam por este processo tão tedioso de preparação/explicação que, apesar de sua funcionalidade imediata, produzem uma empolgação que logo se esvai.

É neste vai-e-vem, através de uma história tradicional de paranóia obsessiva, que se instala Cisne Negro, e assim Aronofsky conduz o espectador por sobre um modelo narrativo aparentemente bastante eficiente que vai fechando sua trama em explicações e truques (imagéticos e principalmente de roteiro, o que preserva o fascínio dos cinéfilos amantes de “roteiros intrincados e complexos” do cinema moderninho) cada vez mais ligeiros, até que a história chega ao seu ápice e implode em uma sequência que já nasce planejada para ser épica, antológica, apoteótica e poética para dar a Cisne Negro os contornos grandiosos e a definição de clássico do cinema contemporâneo que, a julgar pelos comentários tão empolgados que surgem semanalmente em listas de discussão, blogs e fóruns de internet, realmente ficará junto do filme por algum tempo. Definição que, acredito, não durará mais que uma geração.

Comentários (19)

Daniel Dalpizzolo | sexta-feira, 04 de Agosto de 2017 - 12:28

Faltou mesmo escrever sobre o roteiro, a direção de arte, a fotografia, as atuações e o design de som, mas só fui descobrir o curso de crítica do Villaça uns anos depois de escrever isso. Encara como um texto de formação.

Daniel Dalpizzolo | sexta-feira, 04 de Agosto de 2017 - 18:07

Encapei o caderno do curso com alguns e-mails entusiasmados que recebi nessa época.

Bons tempos, Kadu. Apareça mais.

Francisco Bandeira | sexta-feira, 04 de Agosto de 2017 - 19:16

Tempo do Dalpi bêbado tarado pela Portman (vale conferir o texto para Sexo Sem Compromisso).

Thiago Soares Mota | quarta-feira, 07 de Dezembro de 2022 - 13:49

O primeiro parágrafo é ótimo e se aplica aos super hiper mega estimados Quentin Tarantino, Terence Malick, Jordan Peele, Wes Anderson, Paul Thomas Anderson, os Irmãos Coen, Robert Eggers e Ari Aster...

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