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Críticas

Cineplayers

Cinema que parte em busca de manifestações imperceptíveis, representantes da natureza humana.

7,5

Interessante o caso de Climas. Exemplar do cinema turco contemporâneo, apresenta uma história que parte de um conflito banal: a crise do casamento. Homem na insegurança da meia idade, mulher comprometida com o trabalho. Há o desinteresse e a apatia do cotidiano. Vem a tentativa de salvar a relação com uma viagem e, é claro, a traição conjugal. Nada de novo nesta receita, mas mesmo assim Climas consegue ser surpreendente, algo vigoroso. E a razão pela qual o trabalho apresentado gera um resultado bastante diferenciado é exatamente pelo fato que distingue o cinema das outras artes: a linguagem cinematográfica.

Dirigido e protagonizado por Nuri Bilge Ceylan, Climas conta com pouquíssimos diálogos e uso limitado da trilha sonora (praticamente só ouvimos a diegética, ou seja, executada no ambiente da cena); a intensidade da trama e os conflitos internos dos personagens conseguem ser transmitidos por um trabalho primoroso de composição das imagens, aliado à alta duração de tempo dos planos. Nesse sentido, a medida que atores esboçam sutilmente seus sentimentos, a longa duração de planos estáticos permite uma maior percepção das nuances do comportamento humano . O diretor parece levar à risca o mote de que o cinema é a “janela para a vida”, compondo uma narrativa pouco fragmentada, que faria o deleite do teórico francês André Bazin, uma vez que há uma espécie de ética com a realidade, em cenas que fluem livremente sem a interferência constante do corte, tornando notáveis as menores alterações no ambiente. O que de certo modo permite o espectador imergir no cinema levado pela a ação do tempo no espaço, o curso inevitável dos acontecimentos.

Exposto isso, pode parecer ao espectador desavisado de que Climas é cinema europeu lento (e chato), que cai na monotonia em prol de uma legitimidade artística. Justamente em virtude das composições da imagem em quadro sempre surpreendentes, a história envolvente e do trabalho expressivo dos atores, Climas é capaz de prender a atenção do início ao fim, mesmo aos não-habituados a este estilo de cinema. As atitudes inconsequentes dos personagens, as reviravoltas e a irracionalidade juvenil em plena idade adulta formam um retrato do instinto humano, e da possibilidade de falha do homem diante das circunstâncias da vida moderna. Talvez justamente por isso os protagonistas sejam apresentados na primeira cena em meio a colinas históricas, degradadas pelo tempo: por mais que se tente, a vida é marcada, oprimida pela ação do tempo. E o destino está fadado a seguir a ordem e a lógica da natureza.

E esta incidência da natureza sobre o homem é o grande conceito presente em Climas. O vento, as ondas, a neve, a lágrima de suor e a mosca que paira no cabelo são elementos constantes na arquitetura dos quadros que compõem o filme. Há uma notável ênfase nestes detalhes, do amendoim lançado ao chão, a brasa do cigarro que queima, à fumaça do trago que preenche o ambiente.  Como se estes elementos contivessem alguma essência, algo representativo da existência humana.  E que nestes pequenos elementos pode-se encontrar algo revelador, epifânico sobre a condição existencial. Nesse sentido, não é exagero dizer que Climas é um descendente direto do cinema do cineasta e escritor russo Andrei Tarkovsky, diretor de filmes como O Espelho. Expondo a maneira que enxergava a o cinema em seus livros, como em "Esculpir o Tempo", ele comparou o trabalho do diretor ao de um escultor que, "guiado pela visão interior de sua futura obra, elimina tudo o que não faz parte dela". Há apenas espaço para o essencial.

Ainda refletindo sobre as possíveis influências e associações, outra referência é sem dúvida o cinema do italiano Michelangelo Antonioni, o cineasta da angústia existencial.  Descrito comumente como alquimista da intimidade, o arquiteto do tempo e do espaço no cinema. Climas pode ser encarado como um derivado direto de A Aventura, tanto por seu tema, mas principalmente por sua linguagem. Uma forma genuinamente cinematográfica, que, sem exageros, é digna dos criadores que queriam fazer poesias com  câmera.

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