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Críticas

Cineplayers

Um filme menor, mas não menos encantador, de Claude Chabrol.

7,0

É a nona parceria da atriz Isabelle Hupert com o diretor francês Claude Chabrol essa A Comédia do Poder (L’Ivresse du Pouvoir, no original, ou seja, algo como intoxicação pelo poder). Trata-se de uma versão ficcional do maior escândalo do governo do ex-presidente Jacques Chirac: o tráfico de influência entre funcionários públicos com a multinacional do petróleo Elf-Aquitaine. Pela familiaridade dos brasileiros com esse tipo de barbaridade, esse pode ser um dos mais acessíveis filmes do cineasta francês, mesmo que o roteiro esteja cheio de jargões técnicos, econômicos e jurídicos.

É uma obra menor desse mito do cinema, responsável por alguns dos grandes filmes franceses da década de 60 para cá. Para citar apenas um mais recente, com a mesma Huppert, La Cérimonie (1995), no Brasil Mulheres Diabólicas, baseado no romance de Ruth Rendell que acaba de ser lançado no país com o nome de Um Assassino entre Nós (LP&M), em que duas mulheres aparentemente sem motivo se unem numa amizade macabra e matam uma família inteira no interior da França.

A Comédia do Poder é uma obra menor, entre outros motivos, pelo fato de o enredo ser enfadonho (se você é brasileiro e leu jornais nos últimos dez anos, conhece pelo menos uma dezena de variações da mesma história), apesar de que Chabrol usa a veia da comédia para criticar a forma como os governos, sejam de esquerda ou direita, do primeiro ou terceiro mundo, terminam sempre envolvidos nesses escândalos, uma vez que o dinheiro do suborno oferecido aos criminosos, além da rede de proteção institucional, faz desse tipo de crime praticamente incontornável.

Mas Chabrol não faz de seu filme um ataque a Jacques Chirac (“Seria dar ao seu governo um destaque que ele não merece”, declarou o diretor ao jornal Valor Econômico), em oposição ao italiano Nanni Moretti, que no mesmo ano fez seu O Crocodilo um ataque frontal e direto ao presidente Silvio Berlusconi. Afinal, Chabrol é grande demais para reduzir seus filmes a qualquer coisa. Mesmo seus personagens, sempre fogem da simpatia ou antipatia, nenhum deles é herói ou maniqueísta, proporcionando grandes interpretações aos atores que os interpretam.

Huppert faz a juíza implacável encarregada das investigações do caso. Determinada, arruína sua vida pessoal na obsessão em prender todos os criminosos, sem distingui-los – é quando comete o primeiro dos erros, pois descarrega sua fúria nos chamados “laranjas”, ou seja, os donos das contas bancárias ou que assinaram os papéis, geralmente a “arraia miúda”, criada justamente para encobertar os mais graúdos.

Huppert está perfeita, como sempre. Fuma que nem uma chaminé, consegue criar gestos e tiques para a personagem. A câmera de Chabrol (e de seu fotógrafo, o português Eduardo Serra, um dos melhores no ofício hoje na Europa) a segue de perto, mostra-lhe o corpo todo, os detalhes de suas roupas, seus objetos de uso pessoal. É da atriz que emerge o filme, mais do que da historieta vulgar.

O primeiro trabalho de Huppert com Chabrol foi em 1978, em Violette Nozière, drama sobre uma jovem libertina em Paris nos anos 1930 – primeiro prêmio de melhor atriz em Cannes para Huppert; o segundo seria por A Professora de Piano (2001), de Michael Haneke (só ela, Vanessa Redgrave, Barbara Hershey e Helen Mirren venceram por duas vezes o festival francês na categoria). De lá para cá foram quase uma dezena de filmes, entre eles a versão de Chabrol para Madame Bovary (1991), em que Huppert interpretou a mais famosa das adúlteras da literatura. 

A Comédia do Poder não tem a força de seus grandes filmes policiais recentes, como A Dama de Honra (2004) e O Ciúme (1994). Chabrol filma muito (pelo menos um filme por ano, mesmo em seus 76 anos) e experimenta muito, daí que a chance de errar é grande. Nenhum de seus filmes é igual ao outro, mesmo filmando quase sempre com a mesma equipe, em Paris, com os mesmos atores. 

Sua criatividade e ousadia são enormes e estão a serviço da grande arte, mesmo que nem sempre funcione a contento, como nesse pequeno filme interessante e com um quê de armargo, como todo filme de Chabrol: enquanto rimos daquelas situações, nossas pátrias-mães tão distraídas, sem perceber são subtraídas, em tenebrosas transações.

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