Saltar para o conteúdo

Críticas

Cineplayers

Um drama pequeno, mas extremamente tocante sobre a solidão e o tédio.

8,0

Fazia tempo que não era lançado um road-movie tão bom quanto este As Confissões de Schmidt. Bom e com conteúdo. Claro, antes de tudo, Schmidt deve ser considerado um drama. Um drama com toques cômicos, com um humor sutil, real, e até mesmo constrangedor. É também a melhor aparição de Jack Nicholson desde Melhor é Impossível, de 1997. A cena final é arrebatadora, e mostra um dos melhores e mais tocantes momentos do ator em toda a sua carreira. O filme é dirigido com muita maestria por Alexander Payne, o responsável pelo sucesso crítico Eleição.

Agora com mais calma... As Confissões de Schmidt é um filme sobre personagens com vidas comuns em situações comuns, que nos mostra, de maneira bem depressiva, a busca de Schmidt pelo famoso “sentido da vida”. Schmidt está se aposentando. Vive em um bairro de classe média em uma (mais uma) dessas cidadezinhas pequenas e anônimas do interior dos Estados Unidos. Sua vida é monótona ao extremo. Ele considera seus amigos desinteressantes, mesmo amando eles. A cena inicial é magistral: Schmidt, como um robô, encara o relógio até este apontar o exato segundo para ele ir embora, no último dia de trabalho antes da aposentadoria. Essa cena é a síntese do filme, explicando que o que virá pela frente é uma história de tédio, rotina, e depressão. Não é um filme fácil. Muita gente pode sair do cinema deprimida, como o personagem de Nicholson.

Após a festa de aposentadoria, Schmidt encara uma rotina ainda pior do que quando trabalhava. É obrigado a conviver com sua mulher, pela qual ele não possui mais nenhum afeto: o amor foi morrendo ao longo dos anos e ela virou uma quase desconhecida para ele. Ele também possui uma filha adulta, que mora longe dali e está se preparando para casar, com um homem que, segundo Schmidt, “não faz jus à ela”. Sua esposa acaba morrendo, e ele vê uma chance de voltar a fazer alguma coisa útil, pelo menos na concepção dele: convencer sua filha a não casar.

Mas essa história é apenas um pano-de-fundo para a realização do auto-conhecimento, e da busca pelo tal sentido da vida de Schmidt. Ele está ajudando um garotinho órfão na África, enviando-lhe cheques para comida e cartas para se corresponder com o garotinho. Nessas cartas (que servem também para analisarmos e descobrirmos como funciona a cabeça e os sentimentos de Schmidt) ele solta toda sua raiva e dúvida em relação à vida que está levando e às pessoas que o cercam. Profissional em estatísticas, ele sabe que tem 73% de chance de morrer nos próximos nove anos. Não há mais tempo a perder.

Após a morte da esposa, As Confissões de Schmidt vira um belíssimo road-movie. A bordo de um Adventurer último modelo (um enorme trailer que serve como casa também – os americanos adoram isso, parece), Schmidt percorre paisagens rurais para encontrar-se com sua filha. Mas antes disso, visita lugares que foram importantes em sua vida e conhece outros personagens com os quais tem relacionamento passageiro. O filme é recheado de um humor sutil e ácido. Possui situações simplesmente hilárias, mesmo que totalmente comuns, sempre ajudadas pela excelente interpretação de Jack Nicholson e um também excelente elenco coadjuvante (onde Kathy Bates é o destaque), que torna todos os personagens do filme figuras interessantíssimas, sempre procurando fugir de estereótipos (embora nem sempre conseguindo).

É importante frisar que embora este seja um filme com apelo muitas vezes cômico, não dá pra enganar: As Confissões de Schmidt é extremamente baixo-astral, talvez um dos filmes mais depressivos dos últimos anos. O roteiro não propõe soluções fáceis, muito menos felizes para os objetivos de Schmidt, e é aí que entra a genialidade de Jack Nicholson. Mesmo sendo um personagem que vive uma fase tão difícil, seu carisma é suficiente para que o público adore cada momento do seu personagem, mesmo quando ele se torna instável e não sabe mais o que quer.

Falando tecnicamente, Schmidt não possui quase nenhuma qualidade singular. Tem sim, uma belíssima fotografia (excepcional, na realidade), mas vê-se que o diretor Payne teve de lidar com um orçamento modesto de 30 milhões de dólares (modesto para os dias atuais). O que não é ruim. Desse modo, o foco e o roteiro teve que ser concentrado totalmente em cima dos personagens e na história, muito bem executada. As Confissões de Schmidt é uma obra praticamente completa: faz rir, chorar, sentir e pensar. Isso é raro hoje em dia.

O filme acaba passando uma mensagem muito bonita que, embora pareça clichê, não deixa de ser importante. Schmidt descobre no final que importantes realizações podem ser feitas a partir de pequenos atos. Enquanto vivia chateado com todos e com o mundo, ele nem se percebeu que mudou para melhor a vida de uma pessoa, que agora ama ele. O garotinho africano agora tem alguma coisa para comer. Sem dúvida, uma demagogia tocante...

Comentários (1)

Antonio Araujo Correia | sábado, 02 de Fevereiro de 2013 - 23:05

Compartilho com a opinião do nobre amigo, diga-se, de passagem, que domina muito bem o assunto. Acrescento apenas um detalhe que para mim, marcou, profundamente, a característica do personagem: SOLIDÃO. Bom, trata-se da cena em que um senhor o convida para, à noite, ir ao trailer dele para conversar e tomar umas cervejas... num diálogo entre a esposa desse senhor e o Sr Schmidt (Jack Nicholson) ele acaba confessando que apesar de ter vividos tantos anos com a esposa, percebia que aquela estranha senhora o conhecia muito bem!!!

Faça login para comentar.