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Críticas

Cineplayers

História de mais, cinema de menos.

5,0

Se a grande maioria dos artistas e profissionais do cinema que habitam o centro nervoso de Hollywood representam a nata do pensamento defendido pelo Partido Democrata, Robert Redford parece querer assumir o posto de baluarte do movimento. A contar por seus dois últimos filmes, Leões e Cordeiros (Lions for Lambs, 2007) e este Conspiração Americana (The Conspirator, 2012), o símbolo maior do WASP americano resolveu fazer da sua obra um libelo contra o abuso de poder cometido pelas autoridades governamentais – leia-se, do Partido Republicano – que representem ofensas às garantias básicas dos cidadãos (como, por exemplo, o amplo direito de defesa) ou à soberania de outros países. A opção de Redford tem seus pontos positivos e negativos. De um lado, é sempre importante que um artista da sua estatura, inegavelmente um formador de opinião, exerça, por meio do seu ofício, uma função fiscalizadora das ações públicas. De outro, no quesito estritamente cinematográfico, fica a preocupação de que a carreira de Redford esteja entrando em um declínio sem volta.

Se Leões e Cordeiros abordava, entre vários outros assuntos, a Guerra do Afeganistão, Conspiração Americana volta seus olhos em direção ao passado, mais especificamente para 14 de abril de 1865, apenas quatro dias após o General Robert E. Lee, comandante das tropas dos Estados Confederados, declarar sua rendição ao exército dos Estados do Norte. Naquela noite, o ator de teatro John Wilkes Booth, forte defensor da causa sulista, assassinou a queima-roupa o então presidente Abraham Lincoln, quando este assistia a uma apresentação no Teatro Ford, em Washington, ao lado da sua esposa, do vice-presidente Andrew Johnson e o secretário de estado William Seward. Booth fugiu para o Estado de Maryland, sendo morto dozes dias depois por tropas da União. Outras oito pessoas, entre elas uma mulher, foram levadas a julgamento por um Tribunal Militar. O filme vai se ocupar justamente da história dessa mulher, Mary Surrat, 42 anos, viúva, dona de uma pensão, e que teria dado abrigo aos integrantes da conspiração.

É fácil entender o interesse de Redford pelo projeto: ainda que o roteirista James Solomon alegue que tenha escrito o texto anos atrás, é impossível não contextualizar o ambiente vivido nos Estados Unidos naqueles dias após o fim da Guerra de Secessão com a época atual, carregada de medo e paranoia gerada pelos ataques terroristas do 11 de setembro. O clamor da população pela punição dos culpados pelo assassinato a sangue-frio do presidente Lincoln, aos olhos dos governantes, justificaria a supressão dos direitos básicos dos cidadãos. Se trocarmos a expressão “assassinato do presidente” por “ataques terroristas”, veremos que as ações do Governo Americano sempre foram movidas pelos mesmos sentimentos. Em vez da razão, a emoção. Em vez da cautela, o instinto. Em vez de avaliações baseadas em fatos devidamente comprovados, condutas justificadas pela pura vingança ou simplesmente interesses econômicos. Pensando bem, talvez a Guerra Civil Americana ainda não tenha acabado, mas só mudado de nome.

Um dos alvos de Redford é o Ato Patriota, transformado em lei pelo Presidente George Bush em outubro de 2001, que autoriza as autoridades americanas, em nome da segurança nacional, a invadir domicílios, espionar a vida particular dos cidadãos e até mesmo praticar torturas em interrogatórios de possíveis suspeitos da prática de terrorismo. Deu para perceber que perto dele, o AI-5, baixado pelo Governo Brasileiro, na época da Ditadura Militar, parece brincadeira de criança. Atacando o Ato Patriota, Redford faz referência também às diversas denúncias de ofensas aos direitos humanos praticadas contras os presos políticos localizados no Campo de Detenção na Baía de Guantánamo. De fato, o tratamento recebido por Mary Surrat na prisão e o fato de ela ser submetida a um julgamento regido pelas leis militares e não penais, parece indicar o paralelo traçado pelo diretor. No fundo, conhecendo a tendência política de Redford, chega-se a conclusão de que o grande ataque de Conspiração Americana é contra a própria Administração do ex-Presidente Bush. Para atestar esta impressão, pode-se fazer algumas aproximações entre o secretário de guerra Edwin Stanton, interpretado por Kevin Klyne, e o então Vice-Presidente Dick Cheney, e um dos principais articuladores da invasão americana ao Iraque.

Infelizmente, se no campo histórico é possível fazer essa série de elucubrações, no terreno cinematográfico (afinal de contas, estamos diante de um filme e não de uma aula de ciências politicas) o resultado não é dos mais satisfatórios. E o problema decorre da sua própria origem: Conspiração Americana existe apenas em função da mensagem que seu diretor pretende transmitir. É como se Redford, ansioso por se fazer ouvir, deixasse o seu recado engolir o próprio filme, quando o certo seria que este fluísse naturalmente da narrativa e das relações entre os personagens.

Este já era um problema que existia em Leões e Cordeiros (um filme que, aliás, eu nem considero tão ruim quanto a maioria). Seus personagens não existiam em carne e osso. Antes disso, eles serviam para expressar o ponto de vista do diretor sobre um determinado assunto. Naquele filme, Redford reservou para si o papel de um professor de universidade que debate com um de seus alunos sobre um trabalho acadêmico. A discussão é tão teórica, que depois de alguns minutos percebe-se que aquelas duas pessoas, no fundo, só existem no papel (ou na tela de um computador). Elas estão lá como símbolos representativos das suas respectivas classes (Redford, a academia ou o pensamento científico; o aluno, a juventude americana). A mesma coisa se aplicava aos personagens de Tom Cruise (os políticos, ou, para ser mais exato, os representantes do Partido Republicano), Meryl Streep (a imprensa) e Chris Peña (o soldado usado como marionete nas mãos dos governantes).

Redford parece não ter aprendido com o seu erro e repete aqui a mesma fórmula. Ainda que todos os seus persoangens sejam baseados em figuras reais, nenhum deles parece existir fora de um roteiro cinematográfico. O advogado Frederick Aiken (o sempre competente James McAvoy) não é desenvolvido de uma forma que o público acredite ou se interesse por ele. Sua participação no lado vencedor da guerra – o que torna a tarefa de defender em juízo uma representante da causa contrária muito mais penosa – e seu noivado com Saran Weston (Alexis Bedel), não contribuem para o seu desenvolvimento como personagem.

Também sabemos muito pouco sobre Mary Surrat (Robin Wright). E o motivo é o mesmo: ela não está lá para expressar seus sentimentos ou revelar seu passado, mas sim para servir de exemplo da tese defendida pelo filme (A Constituição garante a todos, sem distinção, o direito de defesa). O roteiro ainda tenta torná-la mais tridimensional, mas erra no modo de fazê-lo: se, no fundo, é irrelevante a conclusão sobre a participação de Surrat no complô para matar Lincoln, não era necessário, por meio de flashbacks aparentemente contraditórios, ficar plantando essa dúvida na cabeça do espectador, ora tendendo para a sua culpabilidade, ora para a sua inocência.  Se a ideia era construir uma pessoa de carne e osso, o mais prudente seria não jogar com essa incerteza, mas sim revelar seus defeitos e inseguranças (um bom começo seria indagá-la sobre sua opinião sobre a escravidão, causa que era abertamente defendida pelos Estados Confederados). Ao contrário, Redford prefere construir uma Surrat passiva, que tão somente aguarda o veredito que lhe for imposto, uma espécie de Joana D´Arc dos tempos modernos, sem a feitiçaria.

Se o roteiro não desenvolve adequadamente nem mesmo seus protagonistas, o que dizer, então, dos coadjuvantes. Kevin Klyne e Tom Wilkinson, este na pele do senador Reverdy Johnson, servem para mostrar que um mesmo governo é capaz de produzir pontos de vista opostos sobre o mesmo fato. A cota de maldade do promotor (Danny Huston) e do juiz que preside os trabalhos dos júri (Colm Meaney) passa o limite do aceitável e beira o ridículo. Evan Rachel Wood, como a filha de Mary Surrat, está criminosamente desperdiçada (sua decisão de se manter reclusa em casa é um mistério). Por fim Justin Long, como um dos amigos de Aiken, consegue ser um personagem supérfluo e anacrônico ao mesmo tempo.

Conspiração Americana serve também para comprovar que, no fundo, Robert Redford nunca foi um cineasta de mão cheia. Aos 44 anos, no auge da fama, ele bateu nomes consagrados como Martin Scorsese, David Lynch e Roman Polansky (pois é...), e levou o Oscar para casa logo na sua estreia como diretor por Gente Como a Gente (Ordinary People, 1980). O filme revelava o talento de Redford para extrair o máximo de seu elenco (foi a melhor interpretação de Mary Tyler Moore no cinema), o que, sendo ele um ator de formação, nem era exatamente uma surpresa. Já na questão da mise-en-scène, Redford fazia mais o jeitão tradicional, sem grandes ousadias formais. Seu estilo lembrava, não à toa, Sydney Pollack, com quem já havia feito até aquele momento cinco filmes. O tempo passou e os trabalhos seguintes de Redford nunca confirmaram o que se dele se esperava.

Conspiração Americana não é diferente. Convencional até o osso, tudo aqui é ainda piorado pela fotografia, que exagera no uso do contraluz nas sequências de Tribunal (que as fazem parecidas com as cenas de julgamento de Amistad [idem, 1997]) e pelo incoerente tom melodramático do final (que aproxima o filme a Os Últimos Passos de um Homem [Dead Man Walking, 1995]).

Sem exagero, Robert Redford é um dos  nomes mais importantes do cinema americano de todos os tempos, não só pela sua condição de astro (poucos se dão conta de quão bom ator ele é), mas também pelo incentivo que dá aos novos talentos, por meio do Festival de Sundance. Como diretor, no entanto, ele ainda está nos devendo. Conspiração Americana pode ser uma boa lição de história. Mas está longe de ser grande cinema.

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