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Críticas

Cineplayers

Uma obra-prima de Coppola que comumente fica escondida sob outros filmes-monstro do cinema dos anos 1970. Mas deveria ser obrigatória.

9,0

É senso comum que os anos 70 deram a cara do cinema americano de hoje. Mas, ainda que grandes nomes tenham surgido nessa época, como Spielberg, Lucas e Scorsese, a década pertenceu, indiscutivelmente, a Francis Ford Coppola. Nesse período, o cineasta concebeu três das obras mais completas do cinema (O Poderoso Chefão, O Poderoso Chefão II e Apocalypse Now), estabelecendo as bases de muito do que seria feito posteriormente.

A Conversação, realizado em 1974, pode parecer pálido quando comparado aos monumentos acima citados, mas é um trabalho igualmente exemplar, outra mostra de como Coppola reinou absoluto naqueles anos. O filme conta a história de Harry Caul, um solitário especialista em gravações. Após um trabalho, Harry desconfia que as pessoas às quais grampeou podem estar correndo risco de vida, fato que o joga em uma crise de consciência e em confronto com fantasmas do passado.

Escrito e dirigido por Coppola, A Conversação é uma obra praticamente impecável, construída com cuidado milimétrico por um cineasta em pleno domínio narrativo. Não há um exagero por parte de Coppola em A Conversação. Tudo está em seu devido lugar, em um equilíbrio praticamente perfeito entre o desenvolvimento do personagem principal e a trama.

Na realidade, o enredo só se desenrola e torna-se crível graças à forma como Coppola apresenta Harry aos olhos da platéia. Interpretado de forma impecável por Gene Hackman, que consegue demonstrar toda a insatisfação do personagem com a própria vida, Harry é um homem solitário e hermético, com medo de revelar sua intimidade para quem quer que seja.

Isto graças a um segredo que carrega, julgando-se responsável pela morte de três pessoas após um trabalho realizado anos antes (ainda que diga, em confissão, não sentir-se responsável). Quando se vê diante de uma situação parecida e que pode levar ao mesmo desfecho, Harry encontra-se em um dilema, sem saber como agir para evitar o possível desenlace.

É aí que a construção do personagem por parte de Coppola e de Hackman revela-se fundamental ao filme. O espectador identifica-se e, tão importante quanto, compreende Harry, sabendo que ele tem problemas para confiar em outras pessoas. Assim, é fácil de acreditar que o personagem possa engolir todo o seu desespero e angústia, aumentando o conflito interno e resultando em uma paranóia que poderá levá-lo à loucura.

Aliás, é interessante destacar também que o cineasta praticamente divide o filme em duas partes: na primeira, mais lenta, delineia a personalidade de Harry ao público, enquanto na segunda foca mais na trama em si. Desnecessário dizer que a segunda só alcança resultados tão satisfatórios graças à primeira, uma vez que o personagem torna-se familiar ao espectador.

E são os pequenos momentos concebidos por Coppola que revelam a profundidade de Harry Caul. Em certa cena, por exemplo, Harry insiste para ter de volta um colega que o abandonara, um sinal de que sua solidão é mais um resultado da vida que leva (ou levou) do que uma opção. O mesmo pode ser dito da facilidade com que ele é enganado por uma mulher: ele precisa tanto daquela companhia que não chegou a cogitar algo que poderia ser óbvio.

O trabalho preciso de Coppola ainda aparece em outros momentos, tanto em termos de direção quanto de roteiro. Na cena (magistralmente interpretada por Hackman, que captura perfeitamente o nervosismo do personagem com aquela atitude) em que Harry se abre com Meredith, a câmera do cineasta repete por algumas vezes o mesmo movimento, saindo de trás do personagem para, apenas em seguida, mostrar seu rosto. É um truque extremamente sutil e elegante utilizado por Coppola para ilustrar o esforço de Harry em se revelar.

Da mesma forma, o roteiro também demonstra a maturidade do cineasta. Além do já comentado equilíbrio entre trama e personagens, com um aspecto oferecendo maior dimensão ao outro, o argumento ainda traz algumas surpresas, especialmente perto do seu final. São revelações que, mais do que meras pegadinhas na platéia, ajudam a reforçar a história e, especialmente, o destino dado ao personagem.

Superando alguns problemas iniciais de ritmo, A Conversação cresce vertiginosamente para se tornar um dos grandes filmes dos anos 70. As opções de Coppola – como os longos silêncios – a melancólica trilha, o roteiro preciso e as atuações intocáveis constroem esta obra inteligente, realista e intensa. E, provavelmente, graças ao tema da invasão de privacidade, mais atual hoje do que na época de seu lançamento.

Comentários (3)

Matheus Rodrigues Barbosa | quinta-feira, 05 de Fevereiro de 2015 - 01:44

Uma obra-prima e Demetrius concede 6.5 de nota,de resto,sem comentários.

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