Saltar para o conteúdo

Críticas

Cineplayers

Divertida e deliciosa brincadeira com as características e clichês do gênero terror.

8,0

Exaltado durante a Semana da Crítica no Festival de Cannes, rotulado como uma das melhores produções no Festival de Sundance deste ano e apontado por muitos como uma das melhores obras de horror nos últimos anos. Com tantos rótulos e apontamentos, era de se esperar que Corrente do Mal (tradução nada literal de It Follows, mas que até soa funcional, apesar de brega) fosse acumulando expectativas em torno daqueles que acreditam que o gênero terror, já saturado e mergulhado nas obviedades desde muito tempo, ainda pudesse ter salvação. Dirigido pelo novato David Robert Mitchell, a principal surpresa do filme não reside em sua funcionalidade enquanto uma obra de horror, mas sim na própria desconstrução que faz das características do gênero desde seus primórdios.

O ponto de partida é algo tão bizarro (correndo o sério risco de arrancar alguma gargalhada) quanto inusitado: após um ato sexual com seu namorado Hugh (Jake Weary), a jovem Jay (Maika Monroe) se vê amarrada pelo próprio em uma cadeira, onde lhe avisa que devido ao sexo entre ambos, uma força maligna e ameaçadora irá começar a perseguir Jay, e que ela só poderá se livrar dessa força se transar com outra pessoa e, assim, passar a maldição adiante.

Partindo desta premissa digna do mais chulo dos filmes B, Mitchell elabora um filme de camadas e significados, onde uma considerável gama de leituras é capaz de surgir. Não à toa, em diversas entrevistas para a imprensa, Mitchell era indagado sobre o real significado de sua trama, algo que o diretor sempre se recusou a responder, ocasionando diversas leituras e interpretações por parte da crítica e público.

Mas indo além do que muitos poderão interpretar (uma boa parte concorda que o filme é uma alegoria à questão da expansão das doenças sexualmente transmissíveis, o que se pensarmos direito, é uma dedução nada absurda), o que há de mais louvável no filme é sua posição praticamente contrária ao próprio gênero ao qual pertence. Na Hollywood de hoje, filmes de horror são preenchidos com trilha sonora alta, sustos que esbanjam gratuidade e excessos de CGI que retiram qualquer realismo que os elementos fantásticos desses filmes poderiam ter. Mitchell, entretanto, elabora um filme de sensações, onde o silêncio reinante é usado como forma de acentuar o sentimento de insegurança dos personagens, pontuado por uma trilha sonora sutil e minimalista, mas incômoda e perturbadora. Poucas são as vezes em que podemos ver o mal se aproximando, e a cada aparição, este assume novas formas, novos rostos. O mal possui várias expressões, mas nenhum nome e nenhuma forma específica, mantendo-se na escuridão como algo que não compreendemos, o que intensifica o sentimento de desespero e claustrofobia da narrativa.

Tais jogadas do roteiro também podem ser vistas como uma espécie de sátira ou denúncia em relação ao que se tornou o terror nos últimos anos. Como boa parte dos exemplares atuais é tomado por personagens joviais, de corpos perfeitos e libido em alta, Mitchell configura o sexo não apenas como um elemento de condenação e perseguição, mas também de libertação. Indo além, isto também pode se configurar como uma crítica ao tom politicamente correto da atual Hollywood, onde os jovens que se entregam ao desejo da carne se encontram condenados a sucumbir ao vilão impiedoso. Wes Craven já havia abordado tal questão de forma mais escrachada em Pânico, mas Mitchell a aborda novamente através de um olhar não tão debochado, mas igualmente pertinente.

Corrente do Mal não é um filme inovador ou de grandes ideias. E talvez nem seja o responsável por algum tipo de revolução que o gênero possa vir a sofrer no futuro. Mas é certamente um projeto louvável pela inversão inteligente que faz dos clichês do gênero, indo contra a maré do marasmo e costurando uma teia de elementos que o tornam uma experiência curiosa e com alguns bons calafrios. Sim, Hollywood, no geral, ainda possui esperança.

Comentários (10)

Gustavo Hackaq | sábado, 18 de Julho de 2015 - 21:28

Tirando a roupagem lindinha e oitentista, bem meh. É só dar uma gourmetizada que todo mundo sai amando.

marcos vinicius kun fan | sexta-feira, 24 de Julho de 2015 - 13:13

Acho quase impossível não associar com "Premonição", mas existe uma certa originalidade, um ar ointentista realmente é demonstrado, tanto nos veículos como nas residências, isso me remeteu a "A hora do Pesadelo" principalmente na cena inicial de fuga da jovem, e em algumas posteriores da protagonista, não sei se funcionou com todos, mas a mim o filme conseguiu manter um clima de tensão, no gênero que anda fraquíssimo esse ano, até agora foi o melhor.

Alexandre Marcello de Figueiredo | terça-feira, 27 de Outubro de 2015 - 18:45

Não é um filme de terror escrachado e cheio de clichês como de costume. Faltou mais sustos e filme de terror sem susto não dá.

Faça login para comentar.