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Críticas

Cineplayers

Cinema apressado e inquieto, tal qual um adolescente.

7,0

Enquanto a maré banhava a areia da praia,
o Homem das Tulipas Holandês contemplava o oceano:
- Juntadora treplicadora envenenadora ocultadora reveladora.
Repare nela, subindo e descendo, levando tudo consigo.
- O que é? – Anna perguntou.
- A água – respondeu o holandês. – Bem, e as horas.

PETER VAN HOUTEN, Uma Aflição Imperial

A primeira vez que ouvi falar sobre A Culpa é das Estrelas, o livro, foi quando minha mulher estava lendo-o e chorando copiosamente. Quando terminou, seguiu chorando por mais um tempo ao ponto de me deixar curioso para saber o porquê daquilo tudo. Nas férias, peguei e o dissequei em apenas um dia. Bom, logo eu, um emotivo assumido, não cheguei a chorar, mas sabia que tinha lido ali algo interessante. Talvez estivesse chocado demais, não sei, mas ali realmente tinha alguma coisa e eu não sabia bem o que era.

Fã do cinema inocente dos anos 80, tinha acabado de ler naquelas páginas escritas pelo hoje nome da vez John Green uma história de uma menina com um câncer grave no pulmão, Hazel, sem perspectiva alguma de vida, que passa seu tempo vendo reality show e relendo sempre o mesmo livro. Quando conhece Gus, sua vida muda: ela passa a ver sentido nas coisas, ambos viajam juntos para a Holanda e, claro, se apaixonam. Ele um vencedor da doença; ela ainda uma lutadora, ou uma granada, como costuma se intitular para afastar aqueles que tem medo de machucar, e vão fazer de tudo, mesmo contra a natureza da situação, para ficarem juntos.

Certa vez pensei em escrever um artigo de como A Culpa é das Estrelas (The Fault is Our Star, 2014), o filme, poderia ser bom. Os personagens tinham ideais, pensamentos próprios que os deixavam com personalidades fortes, os acontecimentos eram interessantes e, o que traria o público em geral para o seu lado, faz chorar de doer na alma com sua linguagem simples e viciante. Entre um sofrimento ou outro, uma frase bem colocada, daquelas que fazem pensar e um ou outro acaba postando no Facebook. Aposto que você conhece alguém assim. A narrativa era toda cinematográfica e apostaria que a adaptação não encontraria nenhum obstáculo pela frente.

Pois bem, não foi bem assim que aconteceu ao final. O filme, tentando colocar tudo o que tem no livro (e acabar deixando alguns pontos importantes de fora) se revela atropelado demais, sem deixar que o público respire um pouco para digerir aquilo que estamos vendo em tela. Hazel acaba não tendo tanta profundidade assim. Não sabemos de sua ligação forte com o livro que sempre lê; bom, no filme é dito, mas jamais sentimos de fato o quanto ela gosta dele, o que enfraquece a história como um todo. Existe uma diferença colossal no cinema entre o que é passado forçadamente ao público e aquilo que ele consegue sentir sem precisar ser ‘convencido’. Há uma simplicidade cativante em A Culpa é das Estrelas, o livro, que não há no filme. Há um sentido, uma motivação.

Gus encara Hazel no começo e não sabemos o porquê. Paixão a primeira vista? É óbvio que um filme tem que adaptar as coisas para caber tudo em apenas duas horas, mas quando escolhas erradas são feitas, você acaba alterando o comportamento de alguns de seus personagens. Gus tinha um motivo para se aproximar de Hazel, que no filme ficou parecendo ser apenas amor à primeira vista, mas quem leu o livro sabe que a real razão acabou ficando de fora. É necessário ter certa consciência para saber o que tirar e o que deixar no corte final de um longa, principalmente quando se está tentando ser tão fiel assim à obra original. E o que poderia deixar o filme com um tom mais poético (aliás, ele talvez tivesse um resultado melhor se fosse feito de forma independente, quem sabe), como a sequência com as sementes no rio da Holanda, também acabou ficando de fora.

Mas não dá para dizer que o filme são apenas erros. A dupla de protagonistas, Shailene Woodley e Ansel Elgort, que também estiveram juntos em Divergente (Divergent, 2014; outro filme baseado em um romance adolescente), estão em perfeita sintonia e carregam o filme nas costas. Para aqueles que não leram o livro, eles são motivos suficientes para as lágrimas finais. Para quem leu, o caminho fica ainda mais fácil por o filme servir de âncora entre sua memória e a emoção que sentiu quando leu o livro na época. Há acertos em explicar certas coisas que no livro ficam subentendidas, como por exemplo o significado do ‘Ok?’ ‘Ok’ para o casal, e em manter o humor negro sobre a condição da personagem mesmo em um mundo careta politicamente correto como é o nosso hoje. As músicas são bem escolhidas e vão ajudar nesse processo doloroso, mas é imperdoável que a belíssima canção de Troye Sivan, citada no livro, tenha ficado de fora do filme.

O que sobra de A Culpa é das Estrelas é um Tudo por Amor (Dying Young, 1991; ótimo filme) ou Um Amor Para Recordar (A Walk to Remember, 2002) de sua geração, que sempre considerará esse o melhor filme da sua vida. Não é o caso, já que falha como adaptação e não tem a profundidade suficiente para ser discutido como temática – nem sobre o câncer -, mas é um filme que, acima de tudo, tem força para ser lembrado. O livro nos tortura de uma maneira muito mais cruel, mas de uma maneira menos profunda, o filme até que se esforça também, principalmente por evitar a apelação. É algo mais inocente mesmo. Se falta algo como arte, pelo menos sobra o lado humano da coisa.

Não dá para dizer que não curti, apenas que o livro é melhor, como quase sempre - ainda mais nesse caso, já que praticamente todo mundo já o leu.

Comentários (6)

Nilmar Souza | sábado, 05 de Julho de 2014 - 04:31

Que bom então, e valeu pela compreensão Cunha 🙂 , como disse anteriormente, só quero o melhor para o site, que é um ambiente que frequento diariamente.

Rodrigo Giulianno | sábado, 05 de Julho de 2014 - 10:57

Tem que ter culhão para aguentar essas merdas

Marlon Tolksdorf | sábado, 05 de Julho de 2014 - 15:39

Discordo, lançamentos sempre vão ter muita atenção, não tem como ficar escrevendo sobre todos os filmes dos últimos 90 anos e não dar atenção nenhuma pros filmes de agora também.

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